Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

“Temos dificuldade em assumir o país como nosso. Isso tem de mudar”


Luiza Trajano diz a Claudia Sender, da TAM, que os empresários precisam se despir da vaidade, parar de pensar no próprio quintal e se unir para tentar ajudar o Brasil

Empresa;Entrevista;Luiza Trajano;Claudia Sender;Magazine Luiza;TAM (Foto: Luiz Maximiano)

Luiza Trajano conta que quando assumiu a presidência do Magazine Luiza fazia questão de jamais usar calça para trabalhar. O motivo? Morria de medo de virar uma chefe masculinizada. Naquela época, o mercado de trabalho era dominado por homens. E o seu caso, segundo ela mesma, trazia um “agravante”: o fato de ter vindo do interior, o que aumentava a desconfiança em relação a sua capacidade de liderar uma grande rede de varejo. “Muita gente duvidava do meu potencial e eu tinha medo de perder a minha essência, por isso fiz questão de continuar usando as mesmas roupas e sendo a mesma Luiza.” Em duas décadas, muita coisa mudou. Mas muita coisa permanece igual. Claudia Sender, parceira de Luiza nesta entrevista, ocupa hoje a presidência da TAM. Claudia chegou lá, mas ainda luta por seu espaço no mercado de aviação, um setor dominado por homens. “No começo, as pessoas não te ouvem. Só que nenhum preconceito resiste à competência.” Nesta entrevista, Claudia e Luiza debatem o papel da mulher no mundo dos negócios e fazem um prognóstico positivo para o futuro do Brasil. Embora, hoje, o mau humor impere, elas acreditam que o nosso mercado consumidor é grande o suficiente para reverter esse pessimismo. “Só 10% dos brasileiros têm TV de tela plana. Apenas 54% têm máquina de lavar roupas automática. Este ano vai ser difícil, mas nosso potencial é imenso”, diz Luiza.

Claudia Sender Você é mãe, avó, empresária, cidadã engajada e equilibra todos esses papéis muito bem. Como consegue fazer isso?
Luiza Trajano Tenho muita energia e durmo pouco: três ou quatro horas de sono são suficientes. Além disso, formo equipes e delego. Seja em casa ou na empresa, dou liberdade e encorajo as pessoas que trabalham comigo. Acredito muito neste ditado: “Você dá o melhor de você e tira o melhor das pessoas”.

Empresa;Entrevista;Luiza Trajano;Magazine Luiza (Foto: Luiz Maximiano)

Claudia Elas nos surpreendem, não é?
Luiza Eu descobri muito cedo porque, aqui no Brasil, apontamos tanto o dedo para criticar os outros. Como fomos colonizados, todas as políticas vieram prontas para o país. Isso nos faz achar que alguém sempre tem de fazer algo por nós. Temos dificuldade em assumir o país como nosso. Quando uma coisa é sua, você se vê no direito de dar palpite, de fazer, de construir. Não à toa, aqui no Magazine Luiza cantamos o hino nacional toda segunda-feira. Agora, é preciso admitir que estamos vivendo um dos momentos econômicos mais difíceis, porque vem junto com uma crise política. Temos de nos unir para pensar propostas para o país, senão a crise vai ser longa.

Claudia Você vê mobilizações assim no país, capazes de trazer propostas concretas?
Luiza De maneira fragmentada, há muitos movimentos. A dificuldade está em uni-los. Para isso, é preciso se despir da vaidade e do poder. Não podemos pensar só no nosso quintal.

Claudia Você sempre fala sobre a importância do ato de servir, de como ensinou seus filhos a fazerem isso.  E na empresa, como fazer com que as pessoas entendam esse processo?
Luiza Eu sempre soube que meus filhos só poderiam ser líderes se soubessem lidar com gente. Isso foi ensinado desde cedo. Na minha casa, a gente costumava fazer uma vez por ano uma festa para os funcionários. Éramos nós quem os serviam.

Claudia E no Magazine?
Luiza Para mim, só duas coisas vão distinguir um profissional do outro, uma empresa da outra: inovação e atendimento. Não há progresso tecnológico que substitua essas duas coisas. Numa organização, as pessoas precisam estar engajadas, com a cabeça, o coração e o bolso. Elas têm de se sentir parte da empresa e ganhar conforme a empresa ganha. No ano passado, fui convidada para dar palestras para companhias de tecnologia. Perguntei para vários líderes de empresas americanas como eles contratam. Um deles disse que pede para as pessoas contarem uma história de quando serviram alguém. A nova geração de jovens terá de aprender a servir para se distinguir no mercado de trabalho. Há muitos anos li o livro O Lado Humano da Qualidade. Nele, o autor diz que o mesmo cliente quer coisas diferentes de uma empresa. Tudo depende da situação que você está vivendo. Se hoje eu vou pegar um avião, o que quero é rapidez e precisão. Mas se depois de um mês eu volto a voar com a TAM e dessa vez estou com a minha tia, que morre de medo de avião, vou querer outro tipo de tratamento.
Claudia E não existe treinamento que cubra todas as situações que um passageiro vai viver.
Luiza Tem dia que o cliente entra na loja e quer contar a vida dele. Tem dia que ele não quer dar bom-dia, que está mal-humorado. Então você tem de entender o cliente na hora em que ele põe o pé na loja.

Claudia Como é a sua relação com os funcionários?
Luiza Aqui as pessoas têm linha direta comigo. E sou muito transparente. Estamos, por exemplo, com o mesmo valor de tíquete há dois anos, porque não dá para aumentar nesse momento de crise. Isso é dito com todas as letras. Nunca recebo pedidos de aumento de salário ou de tíquete. Só me mandam o que mexe diretamente com o dia a dia da companhia. Também temos os conselhos de loja eleitos pelos funcionários. Isso é uma grande transformação trabalhista, pois nada é feito se não for aprovado pelo conselho. A administração fica mais democrática.
Claudia Mais do que isso, reforça o vínculo, porque o conselheiro se sente mais dono da companhia.
Luiza Verdade. Agora eu quero fazer uma pergunta: como é ser mulher e presidir uma empresa tão masculina?
Claudia Eu sou engenheira, então sempre convivi com muitos homens. Mas a aviação é a indústria mais... não vou dizer machista... é a mais masculina em que eu atuei. Aos poucos isso está mudando. Na Argentina há duas empresas aéreas lideradas por mulheres. Nenhum preconceito resiste à competência. Numa indústria com tantos interesses divergentes como a da aviação, ter a capacidade de integrar e de fazer esses interesses convergirem é fundamental. Temos mais facilidade para fazer isso. Somos mais gregárias e menos apegadas ao poder. Preferimos que vença a melhor ideia e não a nossa ideia.

Época NEGÓCIOS  Muitas mulheres se masculinizam para chegar aos cargos de maior poder. É possível fazer diferente?
Claudia Acredito que se masculinizar é o maior erro que uma mulher pode cometer. A mulher tende a pensar muito mais no longo prazo. Fomos codificadas para perpetuar a família, proteger as crias. Também somos mais gregárias. Aconteceu algo interessante outro dia: cometi um erro e, numa reunião, pedi desculpas a um vice-presidente que trabalha comigo há muito tempo. Ficou um silêncio na sala. Depois, ele disse: “Em toda a minha carreira, e eu já tive uns seis presidentes como chefe, você é a primeira pessoa que me pede desculpas”. A partir daquele dia criamos um vínculo muito bom para a nossa forma de trabalhar e, consequentemente, para a empresa.

Luiza No passado recente, as empresas de sucesso eram aquelas hierárquicas, onde não existiam palavras como intuição e espiritualidade. Era quase obrigatório a mulher se masculinizar para se dar bem num ambiente desses. Eu morria de medo disso, tanto que nunca usei calça para trabalhar. Hoje o perfil das empresas é outro: é o de um lugar democrático, com pessoas que tenham uma visão global e saibam interagir. Tem tudo a ver com o jeito feminino de liderar.

Empresa;Entrevista;Claudia Sender;TAM (Foto: Luiz Maximiano)

Época NEGÓCIOS  Como o Magazine Luiza e a TAM estão enfrentando as mudanças trazidas pelo avanço tecnológico?
Luiza O Magazine Luiza quer deixar de ser uma rede de varejo tradicional com uma área digital para se tornar uma empresa digital com pontos físicos. A tecnologia não desumaniza as relações. Não tenho um pingo de medo da digitalização. Meu filho Frederico [CEO] fala uma coisa interessante. Diz que a minha tia Luiza, fundadora do Magazine, vendeu a primeira televisão colorida para as pessoas. Eu vendi a primeira lavadora. E ele tem de vender a digitalização para facilitar a vida dos clientes.
Claudia Para a gente não é diferente. A tecnologia traz muita agilidade para a aviação: você resolve quase tudo através de um aplicativo. Mas é impossível prever tudo o que pode acontecer com um avião. Às vezes chove e o aeroporto é fechado. Às vezes um passageiro passa mal e você precisa parar o voo em outro lugar. Esse é o
momento da verdade. É a hora em que você vai precisar do atendimento humano. Como você reconhece as emoções de um passageiro que chegou estressado e o acalma? O digital não faz isso. O cenário com o qual trabalhamos é ter uma revolução digital na companhia para que você consiga controlar o seu tempo e ter uma melhor experiência de viagem. Tecnologia, todo mundo pode desenvolver, avião todo mundo pode comprar, mas a parte humana é a mais difícil de replicar.

Época NEGÓCIOS  O varejo e a aviação foram muito beneficiados pelo aumento de renda dos brasileiros na última década. E agora? O varejo vai se adaptar a vendas menores? A aviação vai voltar aos tempos de elitização?

Luiza Ainda há muito espaço para o crescimento do varejo. Só 10% dos brasileiros têm TV de tela plana. Apenas 54% têm máquina de lavar roupas automática. No Nordeste, esse número cai para 27%. Nós precisamos construir 23 milhões de casas para reduzir o déficit habitacional. Imagina o que vamos vender de geladeira e televisão. Esse ano vai ser difícil, mas nosso potencial é imenso. O que mais preocupa é o nível de confiança do brasileiro, que nunca esteve tão baixo.
Claudia O mau humor é a coisa mais nociva para a economia. O principal indicador de crescimento da nossa indústria é o otimismo do empresariado. Você não vai pegar uma ponte aérea porque a passagem está barata e sim porque tem uma reunião ou vai fechar um negócio. Se esse prognóstico não existe, podemos vender a passagem por R$ 15 que o cliente não vai querer comprar.

Edição Raquel Salgado

http://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2016/06/temos-dificu...

Para participar de nossa Rede Têxtil e do Vestuário - CLIQUE AQUI

Exibições: 77

Comentar

Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!

Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

© 2024   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço