Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Tendayi Viki: Inovar não deveria ser um ato de coragem

Para o autor e palestrante, grandes empresas deveriam parar de tentar ser ou agir como startup.

Tendayi Viki. Foto: Reprodução/Jeff Gothelf

Não é todo dia que encontramos alguém disposto a contrariar Steve Jobs, mas Tendayi Viki está acostumado às exceções. PhD em psicologia, o palestrante americano revisitou (e editou) uma das frases mais famosas do fundador da Apple. Enquanto Jobs questionava “por que entrar para a marinha se você pode ser um pirata?”, acenando para o espírito explorador e contraventor frente às burocracias das grandes corporações, Viki defende a ideia de ser “um pirata na marinha”. Em outras palavras, o especialista em inovação aposta num caminho em que empresas, pequenas ou grandes, sejam solo fértil para promover a disrupção – daí a explicação para o título de seu mais recente trabalho, o livro “Pirates in The Navy”.

Quando não está repensando os dizeres de um dos homens mais marcantes do Vale do Silício, Viki atua como sócio da Strategyzer, uma empresa focada em inovação. Ali, o autor é responsável por guiar grandes corporações rumo a insights valiosos, que lhe garantam futuro. Com esse talento, Viki atraiu clientes como American Express, Standard Bank, Unilever, Airbus, Lufthansa-Airplus, The British Museum, Copenhagen Fintech e muitas outras. Nenhuma, contudo, foi tão emblemática quando a Pearson, uma plataforma de aprendizagem. Junto à empresa, Tendayi Viki assumiu o desenho da iniciativa Product Lifecycle, uma proposta que levou o título de Melhor Programa de Inovação concedido em 2015 pela Corporate Enterpreneur Award, em Nova York.

Mesmo sem novas premiações à vista, Viki segue firme discutindo esse assunto urgente mundo afora – e sua primeira parada brasileira acontece aqui, no IT Forum.

Confira a segue o bate-papo completo.

IT Forum – Por conta do seu livro, você concedeu dezenas de entrevistas falando sobre criatividade e inovação. Em uma dessas conversas teve algum novo insight ou uma nova percepção?

Tendayi Viki – Acho que tenho novos insights o tempo todo, porque eu não sou apenas um escritor, sabe? Eu passo muito tempo dentro das empresas, analisando fatos sob perspectiva e ângulos diferentes. Recentemente tenho percebido algo interessante, que acho que vale a pena compartilhar. Quando pergunto a líderes e gestores o que eles acreditam que suas equipes precisam para serem boas em inovação, eles respondem “coragem, meu time precisa ser mais valente”. E acho isso curiosíssimo, porque inovação não deve ser um ato de coragem. Desenvolver um novo plano de marketing ou designar uma revisão da análise do RH não são tarefas que pedem valentia. Pode ser outra coisa, mas não valentia. O problema é que a gente aprende que essas coisas são tarefas rotineiras numa empresa, e não criamos o ambiente necessário para que a criatividade deixe de ser um ato de coragem. Não enfrentamos as barreiras e, em vez disso, pedimos para que as pessoas sejam valentes e corram contra a corrente.

IT Forum – Acho que temos uma ideia errada do que seja inovação, porque sempre a associamos a algo disruptivo, que envolve riscos…

Tendayi Viki – Sim, e por isso eu acho urgente que combatamos a ideia de que as lideranças são responsáveis por selecionar as melhores ideias e aplicá-las. O trabalho da liderança, na verdade, é criar o contexto para que as boas ideias possam surgir. Existe uma frase, da qual não me recordo a autoria, que diz quando uma flor não consegue desabrochar, você não grita com as pétalas. Você passa a cuidar melhor do solo e a monitorar o jardim para entender o que está impedindo a flor de desabrochar. Com a inovação é a mesma coisa: você precisa estar atento ao ecossistema onde as pessoas operam, mapeando os bloqueios que impede cada pessoa de florescer.

IT Forum – O que a gente ainda vê bastante é que grandes e pequenas empresa pensam, muitas vezes, que basta um escritório colorido, divertido e cheio de mimos para garantir um ambiente criativo.

Tendayi Viki – Sim, vejo isso no mundo todo, até no Vale do Silício, né? Acho que muita gente segue continua associando inovação a adesivos, atividades descontraídas, ideação e essas coisas. Aí elas esquecem que a razão pela qual fomentamos a criatividade é porque sabemos que inovação é uma das melhores maneiras para que empresas cresçam e gerem valor. Então todas essas ferramentas e práticas foram inventadas para inspirar as pessoas; para que as pessoas pensem em novos modelos e negócios, mas o problema é que, na maioria dos casos, ficamos apenas nos escritórios coloridos. Não adianta nada ter um ambiente todo descontraído se não apoiamos afundo a criatividade, e a inovação vira um teatro.

IT Forum – E aí vemos aqueles concursos de inovação ou criatividade furados…

Tendayi Viki – Exato, as pessoas podem até ter boas ideias, mas elas nunca saem do papel. Isso acontece em empresas o tempo todo, o que explica a decadência dessa estratégia. No primeiro ano de uma competição de criatividade, você tem 200 inscrições porque todo mundo está animado. Mas aí o vencedor é anunciado, nada acontece e no ano seguinte apenas 50 ideias são apresentadas. E o próximo ano são apenas 20 inscrições. Tudo isso para dizer que a questão-chave aqui é: como criar um processo recorrente que leve ideias à geração de valor; de modelos de negócio a lucro?

IT Forum – Qual é a inovação que mais lhe surpreendeu? Tem algum case de sucesso que acha que todos deveríamos estudar?

Tendayi Viki – Ah, minha resposta vai te surpreender. Inovação não é, necessariamente, algo que acontece num nível tecnológico, como inteligência artificial ou bitcoin. Na maioria dos casos, inovação é apenas atender às expectativas ou necessidade do mercado. Dito isso, minha inovação predileta é aquela que envolve um modelo de negócio – sobretudo quando parece óbvio ou banal. Pra mim, o Nintendo Wii é o melhor exemplo disso, sendo todo feito a partir de peças “aposentadas”. Sabe, a Sony e a Microsoft travam uma briga ferrenha para fazer o melhor console, aquele que renderize mais e entregue uma experiência mais realista. Aí chega o Nintendo Wii, com uma tecnologia considerada ultrapassada e abocanha uma parcela inteira de um mercado sem nem mesmo tentar ser realista. A inovação aqui foi entender que existe um público que não é gamer profissional, mas “pessoas comuns” que também gostam de jogos de videogame. Eles criariam um modelo de negócio que gera receita e lucro de máquinas que não são disruptivas do ponto de vista tecnológico. Isso prova a interessante dicotomia que é inovar como negócio, não como tecnologia.

IT Forum – Você acha que talvez vejamos menos inovação porque estamos muito focados no aspecto tecnológicos das coisas? Acha que a nossa obsessão por tecnologia seja uma distração?

Tendayi Viki – Não acho que seja uma distração, porque a tecnologia importa, mas todo aquele papo dos escritórios coloridos poderia ser aplicado a isso também. Estamos obcecados com a tecnologia, mas não com a geração de valor, com o modelo de negócio e a inovação que podemos conseguir com isso. Se focássemos em todas essas coisas, certamente veríamos um mercado mais interessante se abrindo diante dos nossos olhos. Na minha opinião, a tecnologia é opcional, porque o que realmente importa é gerar valor.

IT Forum – Dizem que nem todo mundo nasceu para ser empreendedor, mas acha que todo mundo é um inovador?

Tendayi Viki – Não sei se concordo que nem todos são empreendedores. Acho que depende do nível de risco que você está disposto a assumir. Veja, sei que nem todo mundo pode ser um Zuckerberg ou um Bill Gates, porque esses dois são exceções. Acho que empreendedorismo é algo que se aprende ou que se pode aprender, pelo menos. Também acredito que ser um inovador dentro de uma corporação é uma profissão em si.

IT Forum – Isso não passa a ideia de que inovação é algo solitário?

Tendayi Viki – Inovação é um esporte coletivo. Essa fantasia de que uma única pessoa pode ser o sucesso de uma boa ideia é um mito daqueles. A gente reconhece o CEO porque ele é a cara de uma corporação, mas há centenas de pessoas trabalhando duro para garantir o sucesso de uma empresa. O papel de um líder numa jornada empreendedora é fomentar o contexto e o ambiente para que todos da equipe sejam inovadores.

IT Forum – No seu livro você aborda a teoria de que é um erro grandes empresas quererem pensar e agir como uma startup. Por que ainda associamos startups à inovação?

Tendayi Viki – Difícil responder essa pergunta, mas sei que algumas sobre empreendedorismo são verdadeiras. Uma delas é que trata-se de algo importante, sobretudo quando vem acompanhado do que Joseph Schumpeter descreveu como “destruição criativa”. É como quando chega uma Netflix e revira o mercado, ou quando a Apple subverte toda a lógica conhecida. Ao mesmo tempo, um outro estudo ao qual tive acesso se propôs a ranquear as 30 inovações mais impactantes dos últimos 30 ou 40 anos. Eu avaliei que cerca de 70% das inovações listadas vieram de grandes empresas, não de startups. Aí você percebe que existe mesmo uma falácia sobre o impacto que as startups têm em relação às disrupções versus grandes empresas.

IT Forum – Como a criatividade se conecta à inovação? São partes fundamentais uma para a outra?

Tendayi Viki – Sim, são conceitos que se retroalimentam. Uma inovação bem sucedida é quando você cria algo que, ao gerar valor para uma pessoa, também gere valor para a empresa. Agora, não dá pra chegar ao ponto de visualizar e materializar algo sem criatividade. A criatividade passa a ser um elemento-chave do processo de inovação, mas não dá para parar aí. Se você não gerar valor para clientes e para a própria empresa, então sua criatividade não tem serventia. Inovação é aquilo que tem impacto no mundo real, porque de nada adianta ter 40 patentes encostada num escritório.

IT Forum – Você viaja o mundo discutindo esse tema. Acha que inovação é parte da cultura de um país?

Tendayi Viki – É uma pergunta bastante interessante, porque se pegarmos, por exemplo, a China. Estamos falando de um país comunista, com uma hierarquia forte e evidente, que é super inovador. No outro lado temos os Estados Unidos, onde a hierarquia é mais diluída, e também transborda inovação. A Alemanha é outro exemplo de uma nação inovadora onde hierarquias são respeitadas. Acho que não se pode ligar cultura e inovação a fundo, mas é fato que todos esses países tratam com seriedade o tema. Quando a inovação não é percebida com importância, esteja você em um país ou empresa hierárquica ou liberal, vai ser difícil começar um movimento.

IT Forum – Mudando um pouco de assunto: a gente também associa muito inovação à juventude, né? Quando falamos de startup, por exemplo, todo mundo imagina um garoto ou garota de 20 e poucos anos…

Tendayi Viki – Eu não lembro onde li sobre isso, mas tem essa reportagem que fala que startups fundadas por empreendedores mais velhos têm maior chance de sucesso. E pelo que observo, acho que isso tem fundamento, porque não é uma coisa relacionada à idade, mas à experiência e maturidade. Claro que começar um negócio é mais fácil para quem é jovem, não tem a pressão econômica de sustentar uma família e pode correr riscos com mais facilidade. Alguém um dia me disse que se olhássemos para os vencedores do Prêmio Nobel, a maior parte deles ganhou o prêmio por trabalhos que fizeram antes de se casarem. Acho que quando trilhamos o caminho do matrimônio e dos filhos temos menos tempo para varar a noite em teorias e estudos.

IT Forum – Você começou a escrever esse livro antes da pandemia, acha que a crise mudou alguma coisa; colocou mais urgência na necessidade por inovação?

Tendayi Viki – Ah, com certeza mudou algumas coisas. Pandemias são interessantes, né? Porque quando a sua casa está em chamas, você faz o que estiver ao seu alcance para conter o incêndio e o que fica são as lições burocráticas. Tipo, instalar mais detectores de fumaça, vai discutir outras estratégias para se evitar acidentes como esse, entende?

IT Forum – E quais lições estamos aprendendo com essa pandemia?

Tendayi Viki – Eu tenho percebido que estamos fazendo as perguntas erradas. Temos nos questionado se as mudanças adotadas pelas empresas durante essa crise vão perdurar. As pessoas vão poder continuar trabalhando de casa? Os restaurantes que passaram a fazer entregas, vão sustentar essa facilidade depois da pandemia? É esse o tipo de pergunta que estamos fazendo. Não que elas não sejam válidas, mas a verdade é que algumas dessas mudanças vieram para ficar e outras não. Agora, o que eu acho que a pergunta-chave aqui é: podemos codificar? Tipo, o que aconteceu? Como eles fizeram isso? Eles fizeram reuniões todos os dias? Testaram novas ideias? Eles revisitaram as políticas fiscais? Se conseguirmos entender todas essas mudanças, talvez possamos institucionalizar esse comportamento, e então companhias de todos os portes vão poder continuar ágeis mesmo pós-pandemia.

IT Forum – O que empresas e empreendedores podem fazer para garantir que estejam trilhando um caminho fértil na área de inovação?

Tendayi Viki – O primeiro passo é entender profundamente o seu mercado. Existe uma grande distinção entre gerenciar um negócio que já existe e explorar novas oportunidades. Quando se lança em novos desafios, acho que a melhor estratégia de inovação é ter milhares de ideias e aí começar a testar algumas delas através da experimentação mesmo. Algumas vão falhar outras vão dar certo. No final das contas, eu sigo defendendo que grandes companhias não devem ser startups ou tentar se comportar como uma. Em vez disso, grandes corporações devem pensar em como criar startups. Elas deviam ver a si como um grande portfólio e seus departamentos como startups.

IT Forum – É difícil pensar em criar um ambiente propício para a inovação em tempos de crise, quando muita gente ainda está preocupada, cabisbaixa e até triste mesmo. O que você diria para quem está assim, pra baixo, e se sente incapaz de inovar?

Tendayi Viki – É, eu sei que contexto é tudo. Acho que a forma como nos sentimos agora é uma resposta natural ao que acontece ao nosso redor no mundo. A única coisa que nos ajuda a tocar o barco em momento assim é a esperança por dias melhores. Dito isso, eu acredito que a melhor resposta para essa pergunta é: faça o que for preciso para manter o seu otimismo e a sua esperança lá em cima. É mais fácil falar do que fazer, eu sei. Agora, quando o assunto é bloqueio criativo, minha resposta é filosófica: “inspiração é para amadores”.

 Por Eloá Orazem

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