O neozelandês Tim Blanks é um dos principais editores e críticos de moda do mundo. Aos 58 anos, 25 deles cobrindo desfiles, ele é editor do site Style.com, principal referência de moda na internet, além de colaborar com a “Another Man” e “Another Magazine”, “Fantastic Men” e “The Wall Street Journal”. Tim veio ao Brasil pela segunda vez este ano como embaixador da linha de perfumes Escentric Molecules, usada por Kate Moss, Naomi Campbell e Jay Z, entre outras celebridades.
Em uma conversa no Fasano, onde está hospedado, Tim relembrou seus momentos com Amy Winehouse, se emocionou com histórias passadas da moda e opinou sobre as polêmicas que marcaram esta estação.
Ontem no jantar você contou sobre seu encontro com Amy Winehouse…
Sim, eu a conheci em uma entrevista para a revista “Interview”. Foi antes de “Back to Black” estourar e ela já era totalmente detonada. Bebia copos e copos de vinho tinto como água. Era inacreditável. Na época cheguei a pensar que ela não conseguiria. Dei um frasco do perfume a ela, que agradeceu com uma carta linda ao Jeff Lounds, um dos criadores do perfume. Amy era uma pessoa muito graciosa e um tempo depois, nós lemos na internet que quando seu namorado estava na prisão, ela costumava jogar umas gotas do perfume nas cartas que mandava pra ele. O Eccentric Molecules tem muitas histórias…
A temporada de Verão 2013 terminou recentemente. Foi uma boa estação?
O balanço muda de cidade a cidade. No momento, Londres é a mais quente de todas e teve uma ótima temporada. Não foi muito bom em Nova York. Milão foi muito sem graça e diria que Paris foi ok. Não foi uma temporada incrível. Quando você sai de Londres e vai para Milão, dá uma caída, pois não tem nada de novo acontecendo lá. Não há novos designers… Eu amo a Prada, mas não acho que esta foi uma coleção maravilhosa. Normalmente é Miuccia quem aponta o caminho do futuro, mas ela não fez isso desta vez. Meus favoritos são novos estilistas, como Altuzarra e Mary Katrantzou.
(O álbum “Back to Black”, de Amy, começa a tocar no hotel e Tim faz um olhar do tipo que reconhece alguma coincidência estranha)
É difícil ouvir alguém falar assim da Prada. Você acha que faltam pessoas com coragem de dar sua opinião?
Não. Tem muita gente com muita opinião por aí, especialmente blogueiros. Não estou dizendo que essas opiniões são necessariamente boas. Aliás, eu acho muitas delas ridículas. Tem coisas que eu não entendo. McQueen, por exemplo, ganhou críticas incríveis… Eu amo a Sarah Burton (diretora criativa da marca), mas a coleção não conectou comigo de forma alguma. Por outro lado, Issey Miyake, que é um desfile que ninguém mais vai, foi maravilhoso. Moda é um assunto extremamente interessante de escrever de um ponto de vista pessoal. É muito chato ler textos descritivos ou técnicos.
Qual sua opinião sobre a polêmica envolvendo Hedi Slimane, na Saint Laurent, e Cathy Horyn, do “The New York Times”? (Entenda sobre o assunto aqui)
O ponto de Hedi Slimane é: como Cathy Horyn pode ser tão a favor de Raf Simons sendo crítica do “The New York Times”? Mas me diga um crítico do jornal que não tenha favorecido alguém, que manteve uma objetividade crítica. Todos sempre falaram isso de Cathy (em relação a Raf). Gosto de usar o exemplo de Clement Greenberg, que “criou” Jackson Pollock e transformou o expressionismo abstrato em um movimento de arte escrevendo sobre isso no “NYT”. Ele odiava pop art e odiava Andy Warhol. Então ele usava seu espaço para desfavorecer Warhol. É uma discussão estúpida. Seres humanos são seres humanos. Eles gostam de umas coisas e não gostam de outras. Em que mundo ideal Slimane imaginou que um crítico vai escrever sem levar isso em conta? A sua subjetividade é o que te dá personalidade como um crítico. É o que te torna humano como um crítico.
E em relação à equipe do site Business of Fashion, que também não foi convidado para o desfile?
Os PRs da Saint Laurent pediram para o BOF editar um tweet, mas você não pode fazer isso. Eles não têm nem o conhecimento da tecnologia que estão tentando manipular! Eu conheço o PR deles e gosto muito dele, é uma pessoa ótima, mas ele está numa situação rumo ao inferno. Estou curioso pra ver o que vai acontecer.
Alguma vez já ocorreu com você?
Sim, nessa última estação, por exemplo.
Com quem?
Comme des Garçons. Eles não gostaram do que eu escrevi.
O que você acha das marcas que estão contratando não-estilistas para sua direção criativa, como fizeram Mugler e Kenzo?
Adoro Humberto e Carol (atuais criativos da Kenzo), mas eles não são estilistas. O show mostrou que tecnicamente é espetacular, mas as roupas são… (faz um barulho tipo “pii!”). E Nicola (Formichetti, da Mugler) a mesma coisa. Amo ele, mas as roupas “pii!”… Ótimo stylist, mas não acho que muda muito só porque Lady Gaga é sua melhor amiga. Estilista é estilista, stylist é stylist.
Agora, eu gosto da ideia da colaboração. O caminho é a comunidade. Não acho que artistas se isolarem em suas torres de marfim funciona hoje em dia. É o que as mídias sociais ensinam para gente: a forma como podemos mudar o mundo é em comunidade e não com isolamento. Mas há maneiras para isso acontecer.
É diferente escrever sobre as coleções masculinas?
Sim! Eu posso usar as roupas. Sei como a roupa fica no corpo. O sonho do masculino está ficando mais forte. Eu sempre me acho uma fraude quando escrevo sobre roupas femininas, pois escrevo como um total outsider. Deve ser a mesma coisa pra uma mulher que tem que falar sobre as coleções masculinas. Ela pode achar algo incrível que nós sabemos que é muito desconfortável e que jamais usaríamos. No final, todo mundo que escreve sobre moda faz isso de fora para dentro. É sempre a visão de um outsider.
Looks da coleção masculina de Raf Simons Verão 2013 ©ImaxTREE
Após 25 anos cobrindo moda, como manter seu olhar fresco para o mercado mesmo quando ele anda repetitivo ou pouco inspirador?
Amo música e sempre acho novas músicas que adoro. Quando vou aos desfiles é a mesma coisa, sempre há algo novo ou que me emociona. Penso em quanto trabalho foi necessário para fazer o que você vê na passarela. Quantas pessoas envolvidas para aquilo tudo dar certo. Eu me emociono muito com isso.
Você pensa nisso antes de escrever uma crítica?
Não seria incrível que eu respondesse que sim (risos)? Às vezes. É um bom ponto. Provavelmente eu não faço isso o suficiente. Mas quando eu escrevo os textos, minha resposta tem que ser imediata. Eu não tenho tempo pra pensar. Como trabalho em um site, tenho que dizer o que estou sentindo e pensando naquele momento.
Por que algumas marcas ainda não acreditam na força da internet?
Os anunciantes ainda amam o impresso. Isso vai mudar, mas todo mundo que compra anúncio hoje tem que morrer antes (risos). O Style.com lançou a revista e os anunciantes amaram. E muitos deles não anunciam no site. Eles acham que uma revista fica em cima de uma mesa e que as pessoas podem vê-la para sempre. É mais duradouro, não sei… Eu não sou louco por internet e tecnologia, eu amo mídia impressa. Mas hoje todos só falam de internet, só que ao mesmo tempo não querem investir nela. Não faz muito sentido.
Hoje tudo está mais rápido, eficiente e comercial. Grandes criadores, como Alexander McQueen e John Galliano estão fora do jogo. A era do sonho acabou?
Entramos em um novo sonho. O ponto é que as pessoas não estavam comprando aquelas roupas. Tem uma questão comercial aí. Não faz sentido Galliano fazer aquelas roupas de balé russo se ninguém vai usar. A moda responde às necessidades. O que não significa que ela não possa ser tão intensa quando lucrativa. O contexto está mudando. Raf Simons na Dior representa uma grande mudança. Vamos ver como vai funcionar.
Galliano era maravilhoso e incrivelmente bom em emocionar. Esse excesso era incrível, mas acabou. Há pessoas como Antonio Marras, que tem essa pegada do excesso, mas não tem o budget. Esse espírito do excesso na nossa cultura hoje está muito mais conectado à violência do que à beleza.
Você também contou histórias envolvendo Naomi e Kate Moss. Você acompanha as mudanças nos perfis de modelos há muitos anos. As novas gerações têm o mesmo brilho que a geração de Naomi, nos anos 90?
Linda, Christy, Cindy, Yasmin, Tatjana: nunca mais a moda verá mulheres como elas novamente. Durante a Grande Depressão, na década de 1930, as pessoas olhavam para Hollywood e suas estrelas de cinema para sonhar e escapar, elas eram deusas. No início dos 90, era uma coisa Meryl Streep indo ao mercado com seus cabelos cacheados. Não havia mais glamour em Hollywood. E de repente a moda entra com Steven Meisel, Gianni Versace e Liz Tilberis, da “Vogue” britânica. Versace começou a usar as modelos dos editoriais em suas passarelas e Liz sugeriu que ele colocasse as mesmas modelos nas campanhas e nas passarelas. Assim, esse grupo transformou as meninas em estrelas de cinema, com Meisel e Peter Lindbergh fotografando. Foi um momento tão absurdo, não sei nem como te falar. Essas meninas faziam tudo: os piores desfiles se transformavam em grandes performances. Nós não temos mais isso. Detesto soar nostálgico, mas no início dos anos 90, a moda era outra coisa.
E então veio Kate Moss, com outra proposta de beleza.
Sim, acompanhada de Helmut Lang e também Karl Lagerfeld. Se Gianni Versace fez as supermodelos, Lagerfeld as desfez. Acho que ele estava cansado das modelos serem maiores que ele. Ele começou a contratar modelos mais baratas para o foco ficar nas roupas e não nas modelos. De Kate Moss para cá surgiram muitas modelos que eu gosto, mas acho que, com essa força, somente Gisele e Stella Tennant.
Quais são seus desfiles mais inesquecíveis?
Nossa, vi muita coisa linda. Mas os mais absurdos são shows antigos de McQueen, Galliano, Gaultier, Vivienne Westwood… Vi alguns maravilhosos do Tom Ford para a Gucci. Agora o desfile de alta-costura na Opera Garnier da Dior inspirado no balé russo foi uma das coisas mais lindas que já vi. Foi quando eu compreendi o que era a moda.
Lembra daquela banda X-Press? Claude Montana fez um desfile usando uma música deles e as modelos andavam tão devagar! Era como se a gente estivesse chapado o tempo inteiro, foi incrível também. Raf Simons fez um show masculino em que os meninos desciam escadas usando casacos enormes, a música era tão linda, era como estar em outro planeta. O desfile Golden Shower. De Alexander McQueen (Verão 1998). É a moda como uma sequência de privilégios privados, um verdadeiro refúgio.
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