Mesquita Azul, um dos muitos encantos da cidade que já foi conhecida como Constantinopla: o turismo é apenas um dos motores da economia turca
No século 19, o czar russo Nicolau i usou a expressão “o homem doente da Europa” para se referir à crise que atravessava o então império turco-otomano, que dominou vastas regiões da Europa, do Oriente Médio e da África. De tão doente, nas décadas seguintes o império se dissolveu, dando luz à Turquia moderna. O rótulo de “homem doente da Europa”, porém, acompanhou o novo país ao longo de quase todo o século 20, com períodos de crescimento irregular, inflação galopante e dívida pública desgovernada. Mas a história guardou uma reviravolta. Hoje, o país vive seu melhor momento desde a glória otomana.
Diversos motores estão por trás do progresso. Pobre em recursos naturais, a Turquia se voltou para setores como indústria, construção e serviços. A sua impressionante história é um chamariz para turistas do mundo todo. Sua privilegiada posição geográfica, ao lado dos grandes mercados da Europa e da Ásia, possibilitou que se convertesse num de seus maiores fornecedores. A Turquia é um dos maiores produtores europeus de veículos, cimento, eletroeletrônicos, móveis e vestuário. No total, as exportações do país dobraram de 2005 a 2008, para 100 bilhões de dólares — só a título de comparação, o Brasil, com um PIB quase três vezes maior, exportou 201 bilhões no ano passado. O país se tornou um dos mais atraentes polos de investimentos do mundo. Na última década, o investimento estrangeiro direto na Turquia passou de 1 bilhão para 18 bilhões de dólares. Trata-se de uma taxa de expansão superior à que teve no mesmo período países desenvolvidos, como Reino Unido e França.
A entrada de investimentos se acelerou nos últimos anos graças a uma série de reformas cruciais realizadas pelo governo. No fim dos anos 90, a moeda turca chegou a desvalorizar 50% em relação ao dólar, e as taxas de inflação orbitavam em 80%. A Turquia era atormentada pelos “três demônios da economia”, expressão usada pelo economista inglês John Maynard Keynes numa palestra em dezembro de 1923 em Londres para se referir à má distribuição de renda, à volatilidade das expectativas dos investidores e à elevada taxa de desemprego.
A situação era tão grave que em 1999 o FMI foi chamado para apagar o incêndio da economia turca com um empréstimo de 15 bilhões de dólares. Em troca, o Fundo exigiu reformas estruturais, como a submissão à regulamentação bancária internacional e menos intervenção do Estado no setor privado. Mesmo com o pacote salvavidas do FMI, em 2001 o país afundou em outra crise econômica. Foi então que o governo lançou um pacote de ações, como o aumento do superávit primário, o incentivo à privatização e uma política de metas de inflação — todas elas adotadas pouco antes pelo Brasil. Para evitar riscos sistêmicos e para aumentar o volume do crédito, o setor bancário ganhou uma agência reguladora e uma legislação consolidada.
Um dos ventos que também sopram a favor da Turquia é um fenômeno demográfico semelhante ao que ocorre no Brasil atualmente. Dois terços dos 78 milhões de turcos têm entre 15 e 64 anos, a faixa etária economicamente mais produtiva. A idade média de sua população é de 29 anos, a mesma do Brasil, e bem inferior aos mais de 40 anos da União Europeia. “Em 2050, o país terá 100 milhões de pessoas, 30% mais do que a França, o que o torna um dos mais atraentes mercados consumidores da Europa”, diz Christian Keller, economista do banco inglês Barclays para mercados emergentes da Europa.
O desafio de manter um crescimento no longo prazo passa por resolver alguns entraves no modelo de desenvolvimento. Um deles é a criação de mais empregos. Atualmente, um em cada dez turcos se encontra fora do mercado de trabalho formal. É a segunda maior taxa de desempregados da Europa, só atrás da Espanha. Outra tarefa é investir em educação. Segundo o Banco Mundial, enquanto na União Europeia 23% da força de trabalho possui ensino superior, na Turquia esse número é de 13%.
Diferentemente dos países do Bric, a Turquia não melhorou seu índice de desenvolvimento humano — caiu da 79ª para a 83ª posição do último ranking de IDH das Nações Unidas. O nível ainda sofrível de desenvolvimento social é um dos argumentos dos críticos para adiar a adesão da Turquia à União Europeia, negociada oficialmente desde 2005 mas cada vez mais incerta. Outras questões, como o islamismo e a invasão de Chipre em 1974, também são ponderadas. Recentemente, o economista turco Nouriel Roubini resumiu o desafio do país em uma palestra para economistas locais: “A Turquia está avançando bastante, mas precisa treinar muito sua população para sustentar esse crescimento”. Como se vê, são muitas as semelhanças com o momento vivido pelo Brasil.
FONTE: PORTAL EXAME
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