Enquanto as popozudas brasileiras dão beijinho no ombro e dançam até o chão, e suas correlatas gringas, como Rihanna e Miley Cyrus, tentam chocar o mundo com modelitos semidesnudos, nos tapetes vermelhos e nas grandes festas do jet set internacional, a palavra de ordem é recato. Pense nas estrelas que desfilam por aí com vestidos fechados até o pescoço, mangas compridas e saias, senão longas, abaixo do joelho. Na execução dessas peças, bordados preciosíssimos e rendas confeccionadas à mão resgatam o glamour perdido ao longo das últimas três décadas, em que o sexy substituiu a elegância. Essas mulheres, que querem seduzir sem apelar, têm algo em comum: são clientes fervorosas da grife italiana Valentino.
Há mais de 50 anos, Valentino é sinônimo de elegância, sofisticação e realeza. Fundada pelo mestre italiano da alta-costura Valentino Garavani, a marca vestiu ícones da moda, como a atriz Elizabeth Taylor, e assinou os vestidos de noiva de Jacqueline Kennedy – com o armador grego Aristóteles Onassis, em 1968. Ele inventou um novo tom, o “vermelho Valentino”, que virou sua marca. Em 2008, anunciou a aposentadoria do mundo da moda, desencantado com os rumos ultracomerciais dos grupos financeiros que compraram sua grife, notadamente o fundo Permira.
Antes da Valentino, a dupla trabalhou durante dez anos na grife Fendi, depois de se formar no Istituto Europeo di Design de Roma. Seu primeiro grande sucesso foram os sapatos e as bolsas com aplicações de tachas metalizadas, conhecidas como spikes. “Até hoje, as spikes são uma febre no mundo todo. Há seis anos, eles inventam e reinventam as maneiras de usá-las”, diz a diretora de estilo da Vogue Brasil, Donata Meirelles. Ela também se casou com um vestido assinado por Valentino. Depois, foi a vez de o look “copeirinha” ganhar o guarda-roupa das famosas. Vestidos fechados até o pescoço, cobrindo o colo dos seios, com uma espécie de babador de renda – um misto do recato da burguesia vitoriana com o pudor pré-rafaelita, em pleno século XXI.
O comportamento da dupla de estilistas reflete sua moda. Discretos, mantêm a vida privada bem longe dos holofotes. “Valentino sempre foi uma moda ligada a uma elite encapsulada num alto padrão de manutenção de estilo de vida. Maria Grazia e Pier Paolo são trabalhadores árduos, que entendem as novas necessidades da mulher moderna. Ela tem um estilo de vida ativo, forte, independente e contemporâneo. E a direção está voltada para uma clientela mais jovem”, afirma o brasileiro Carlos de Souza, embaixador mundial da Valentino há mais de 30 anos. É ele quem veste as atrizes de Hollywood com as criações da marca nas cerimônias de entrega do Oscar e do Globo de Ouro. “Trabalho para uma marca que cria vestidos lindos, que deixam todos boquiabertos e traduzem um espírito de romance, sedução e feminilidade”, afirma.
Os temas das coleções são mais maduros e de difícil assimilação, em comparação com as grifes concorrentes. Árias de óperas, a pintura holandesa do século XVII, a escola de arte romana dos anos 1960. O sucesso comercial é tremendo. Pier Paolo e Maria Grazia souberam fazer a transição da moda festa para um guarda-roupa mais diurno e adaptado à realidade da mulher contemporânea. As peças também caíram no gosto de uma das clientelas mais vorazes do universo fashion: as árabes. “Por razões religiosas e culturais, as muçulmanas não podem usar decotes, mostrar os braços e abusar da sensualidade”, diz a filantropa brasileira e colecionadora de alta-costura Bethy Lagardère.
Não por acaso, em 2012, a Valentino foi comprada pelo grupo Mayhoola Investments, da família real do Catar, num negócio estimado em R$ 1,7 bilhão. Por trás da compra está a sheika Mozah Al-Thani, segunda mulher do antigo emir Hamad Al-Thani e mãe do atual, Tamim. Considerada – com razão – a mulher mais elegante do Oriente Médio, ela só aparece em público usando modelos da alta-costura francesa. Virou símbolo da mulher muçulmana que sabe conjugar a moda ocidental e o recato religioso. Nunca exibe decotes e está sempre de turbante combinando com a roupa, escondendo os cabelos.
A compra da Valentino pôs os catarenses no olimpo da indústria do luxo. Proprietários dos mais impressionantes imóveis de alto padrão de Paris e Londres, eles também são donos da tradicional loja de departamentos inglesa Harrods, do hotel cinco estrelas parisiense Royal Monceau e compraram do Aga Khan, o bilionário chefe espiritual dos ismaelitas, a Costa Smeralda, empresa que controla os empreendimentos AAA da Sardenha, na Itália. Também detêm uma participação na LVMH, maior conglomerado de luxo do mundo, dona de marcas como Louis Vuitton e Moët-Chandon. No ano passado, a turma da sheika anunciou a criação de uma grife nacional, a Qela, que pretende se afirmar como primeira marca de luxo do mundo árabe em escala global.
Para a Valentino, os planos são ambiciosos. No final do ano, será inaugurada uma enorme loja na Quinta Avenida, em Nova York. As butiques de todo o mundo estão em reforma, decoradas por renomados arquitetos. No Brasil, a única filial é uma das lojas que mais faturam por metro quadrado no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo. Em abril, a Valentino abrirá sua primeira loja no Rio de Janeiro, no Shopping Village Mall, e, em junho, em Curitiba, no Pátio Batel. Tudo para atender à voracidade da terceira melhor clientela da grife em Miami, as brasileiras. “Existe um novo significado para o conceito de beleza. Hoje em dia, ela é mais fácil de ser atingida”, diz Valentino. “Só que você precisa de mais do que isso. As mulheres não querem ser apenas adoradas. Elas querem ser respeitadas.”
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/04/grife-bvalentinob-prepa...
BRUNO ASTUTO
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