Acendeu uma luz no fim do túnel. O drama do desmatamento da floresta amazônica parece se encaminhar para uma saída. A proeza cabe ao varejo, o último elo da cadeia da carne bovina no mercado. Essa cadeia é a principal causadora da devastação.
Com o anúncio feito pelo Walmart no final de maio, de que conseguira atingir 100% do monitoramento de seusfornecedores (fazendas e frigoríficos) na Amazônia Legal, estão postas as condições para se dar um fim a uma chaga que há décadas mancha a imagem do Brasil.
Quem sabe o contra-filé que compramos no supermercado pode deixar de ser o vilão de crimes ambientais e sociais.
O alcance da medida se explica pelos números: 62% do desmatamento na Amazônia Legal se devem à atividade pecuária, segundo dados do programa de monitoramento por satélite TerraClass, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa. O Brasil tem o maior rebanho e a liderança mundial do mercado de carne bovina.
Portanto, trata-se da cadeia de produção “com maior potencial de preservação se o desmatamento for estancado”, de acordo com Adriana Charoux, a responsável pela campanha da Amazônia no Greenpeace.
NÚMEROS GRANDIOSOS
Para se ter um parâmetro, das 70 mil fazendas fornecedoras do grupo JBS, empresa líder no processamento de carne no mundo, 37 mil estão localizadas na Amazônia Legal, informa Daniela Teslon, gerente de sustentabilidade do conglomerado.
No Walmart, de acordo com Luiz Herrisson, diretor de sustentabilidade, a carne com origem na Amazônia representa entre 30% a 40% do total comercializado na rede. Depois de conseguir garantir a rastreabilidade de 100% dos fornecedores diretos e indiretos na região, o Walmart anunciou que vai estender o programa para o restante do país até 2017.
Em comunicado, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) informou que inicia em julho o monitoramento direto da cadeia de suprimento, após concluir o trabalho de implantação do sistema de monitoramento.
BOAS EVIDÊNCIAS
O anúncio do Walmart confirma o que os ativistas defendem há muito tempo – o poder de pressão e escala que determinados setores, como varejo e bancos, têm para mudar a mentalidade das cadeias de produção em relação às práticas sociais e ambientais abusivas. Poder que demoram muito para exercer, é a crítica.
A notícia reafirma também outras premissas. Quando se deixam as diferenças de lado, o trabalho conjunto de ONGs, empresas e governo ganha uma força imbatível.
A notícia também serviu para comprovar a influência das campanhas boladas para expor a omissão das empresas que têm forte relação com o consumidor, como o Greenpeace fez com as grandes redes de supermercado.
O modo como a cadeia de produção de carne bovina na Amazônia conseguiu em sete anos sair da atitude de omissão para a de envolvimento ativo na defesa do desmatamento zero merece ser olhado como um exemplo.
A experiência demonstra que a estratégia escolhida pode ser aplicada à maioria dos setores vulneráveis aos crimes sociais e ambientais, como acontece com a produção de soja, a indústria de confecção, a construção civil e a mineração, entre outros.
COMO TUDO COMEÇOU
Em 2009, o Greenpeace divulgou o relatório A Farra do Boi na Amazônia. Há anos, a ONG batalhava pelo compromisso de desmatamento zero na Amazônia Legal, sem muitos reflexos fora dos adeptos. A campanha começou a mostrar efeito quando foi mudada a abordagem estratégica, agora concentrada nos grandes desmatadores.
Para chegar a eles, a organização realizou uma investigação de três anos. Utilizou os bancos de dados federais e estaduais, os serviços de monitoramento por satélite e os documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, como as listas de acusados de uso de trabalho escravo, grilagem e invasão de terras indígenas e o monitoramente próprio, por ar e terra, que mantém sobre a região.
Disparado em primeiro lugar surgiu o setor pecuário. Usando uma metodologia própria, o Greenpeace investigou a fundo a dinâmica da cadeia da carne.
Dos fazendeiros chegou aos grandes frigoríficos – inicialmente JBS, Marfrig e mais dois – nos quais concentrou sua primeira bateria de fogo. A ONG iniciou uma campanha de pressão para que as empresas assumissem compromisso com o princípio de desmatamento zero da floresta amazônica.
Foi então que se percebeu que, sem a participação dos maiores compradores, nada feito. Havia três empresa decisivas nessa categoria – Pão de Açúcar, Walmart e Carrefour.
Juntos, elas canalizam grande parte da produção para o mercado interno dos maiores frigoríficos. Que, por sua vez, processam a carne da maioria das fazendas da Amazônia Legal. A campanha precisava amarrar essas três pontas. Todas as informações foram trazidas a público em junho de 2009 no relatório A Farra do Boi na Amazônia.
O desconforto causado pela confrontação levou as empresas citadas a tomar uma atitude no que ficou conhecido como Compromisso Público da Pecuária.
Esta movimentação deu origem ao Grupo de Trabalho da Pecuária Responsável, formalizado em 2009. Atualmente, a entidade reúne grandes pecuaristas, frigoríficos, redes de varejo e de restaurantes, indústrias de insumos, ONGs e prestadores de serviços em torna das seis diretrizes mínimas propostas pelo Greenpeace em nome da sociedade.
TRANFORMAÇÃO PASSO A PASSO
1 Investigação aprofundada
Levantamento minucioso embasa a identificação das principais fontes de desmatamento e crimes ambientais e sociais na Amazônia Legal
2 Campanha pública
Campanha divulga os dados do relatório A Farra do Boi na Amazônia e estimula a opinião pública a pressionar os frigoríficos e varejistas citados nominalmente
3 Compromisso mínimo
Empresas são convocadas a assinar um Termo de Compromisso contendo seis critérios mínimos a ser exigido de todos da cadeia da carne que quiserem ter seus produtos comercializados
4 Monitoramente e rastreabilidade
As grandes empresas assinam o Termo de Compromisso e assumem a responsabilidade de adotar políticas de compra e mecanismos de monitoramento para ter o controle da cadeia de fornecedores e garantia de origem do animal
5 Trabalho conjunto
Frigoríficos desenvolvem tecnologia para cadastrar e monitorar as fazendas fornecedoras de animais, utilizando as bases de dados disponíveis na esfera governamental e serviços por satélite, e compartilham o sistema com os varejistas. Integrado, o mecanismo emite um bloqueio automático de comercialização quando alguma fazenda cadastrada descumpre um dos critérios
6 Conscientização e treinamento
A cadeia de fornecedores passa por processo de capacitação para inserir as fazendas no sistema. Na abordagem, se reforça a mensagem de que o mercado está em transformação e a práticas sociais e ambientais lesivas não serão mais toleradas.
7 Prestação de contas
No segundo Termo de Compromisso apresentado aos integrantes do programa, está incluída a exigência de que as providências sejam auditadas regularmente por uma firma independente e de reputação reconhecida. Cria-se a obrigação de apresentar relatórios anuais com os resultados e publicar os reportes no site das empresas.
8 Autocontrole da cadeia
O formato implantado entre os fornecedores e compradores de carne foi pensado para que a própria cadeia exerça uma cobrança mútua. Os representantes da sociedade civil, como as ONGs e governo, fazem um acompanhamento pela prestação de contas e por amostragem.
9 Trabalho específico
O Walmart ampliou o alcance do sistema de monitoramento para ter o controle total da cadeia de fornecedores diretos e indiretos e adotou uma abordagem preventiva, integrando o sistema à rotina de compras. Incluiu os frigoríficos médios e pequenos e a rechecagem de dados dos grandes frigoríficos no sistema e definiu uma lista de auditorias para que os fornecedores referendem a aplicação de seus planos de ação.
10 Consumidor informado
Um dos compromissos dos participantes do programa é ter total transparência com o consumidor, divulgando as ações e oferecendo garantias sobre a origem do produto à venda. O Walmart começou a inserir o tema em suas ações de marketing e a JBS indica no código de barra a fazenda de procedência do produto.
11 Conhecimento compartilhado
Como a maioria dos fornecedores são os mesmos, a qualificação da cadeia da carne acaba por beneficiar grande parte das redes varejistas, assim como facilita a implantação dos sistemas de quem está entrando agora.
12 Desdobramentos virtuosos
A experiência adquirida com o monitoramento da pecuária vem sendo estendida a outras cadeias de valor. O Walmart iniciou em 2014 o acompanhamento da cadeia do pescado nacional, com cobertura de 80% dos fornecedores, e prepara o monitoramento do fornecimento de hortifruti para o controle de agrotóxicos.
PRÓXIMOS PASSOS
Para as empresas engajadas no programa de pecuária responsável, trata-se de uma questão de tempo a conversão da grande maioria dos pecuaristas da região amazônica. “A cabeça dos produtores começa a mudar quando percebe que mercado está mudando”, considera Herrisson, do Walmart. “O frigorífico que não monitorar sua rede e o produtor que se recusar a se adaptar terão muita dificuldade de permanecer operando.”
Como toda novidade, nos primeiros tempos do programa houve um estranhamento entre os produtores, lembra Daniela Teslon, da JBS. “A resistência foi grande até o governo endurecer a fiscalização das questões ambientais e os varejistas imporem os critérios mínimos.”
Para a gerente de sustentabilidade, a mudança de mentalidade é atualmente perceptível. “A adesão mostra para o mercado que o produtor compreendeu a sinalização das demandas do mercado e passou a valorizar a floresta em pé.”
Dos 37 mil fornecedores de gado para as plantas da JBS na Amazônia, 2.500 foram embargados em 2014. A empresa encoraja esses produtores a corrigir os desvios para se recadastrarem.
Por enquanto, o Greenpeace não dá uma chancela às medidas tomadas pelos varejistas. “Até o momento, apenas o Walmart detalhou publicamente as medidas tomadas”, disse Adriana Garoux, coordenadora da campanha Amazônia na ONG. “Vamos esperar o GPA e o Carrefour para termos um parâmetro de comparação”.
De qualquer maneira, as grandes redes demonstram ter consciência “de que são decisivas para virar a mesa do desmatamento da Amazônia”, lembra a ativista.
“Com esta campanha, ficou claro que, se há incentivo e se as portas para a ilegalidade se fecharem, os produtores mudam o modo de produzir.”
Um grande passo está sendo dado, mas pode ficar incompleto se outro player essencial não completar sua parte. “Por enquanto, temos compromissos voluntários de mercado com o desmatamento”, aponta Adriana. Se o governo colocar todo seu arsenal de medidas legais e de incentivos, está completado o cerco para a preservação da floresta amazônica.
Fonte: Diário do Comércio
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