Cris Bartis, Juliana Wallauer, Branca Vianna, Camila Fremder e Isabela Reis debatem o impacto das mulheres no mundo dos podcasts.
Este é o ano do podcast. Talvez você já tenha ouvido esta frase em 2024, ou, ainda, ouve isso desde 2018 ou 2019. O formato de mídia tem se tornado cada vez mais popular no Brasil e, consequentemente, esse mercado cresceu consideravelmente nos últimos anos, tanto em relação à quantidade e variedade de programas, quanto à rentabilidade e profissionalização. O que antes se restringia a produções caseiras entre amigos virou um mercado que movimentou 51,8 milhões de ouvintes apenas no Brasil em 2023, de acordo com a pesquisa The State of Podcasting in Latin America.
Há dez anos, em 2014, surgia um dos podcasts brasileiros mais icônicos. Liderado por duas mulheres, Juliana Wallauer e Cris Bartis, o Mamilos segue sendo uma referência para aqueles que ouvem e produzem. “Criamos o podcast como uma resposta à nossa própria busca por um espaço que valorizasse a conversa curiosa e interessada. Um lugar onde pudéssemos explorar assuntos complexos sem ironia ou sarcasmo, mas com um genuíno interesse em entender as nuances de cada tema”, diz Juliana.
Se hoje encontramos uma imensidão de programas distintos, naquela época, o cenário era bem diferente. “Os podcasts brasileiros, especialmente os mais antigos, com cerca de 15 anos, como o Nerdcast, inicialmente focavam mais em cultura nerd, atraindo um público majoritariamente masculino”, analisa Branca Vianna, fundadora e presidente da Rádio Novelo, produtora de podcasts fundada em 2019.
Com a explosão deste mercado, as mulheres também conquistaram seu espaço como produtoras e ouvintes. “Nossa evolução foi significativa. A audiência feminina cresceu consideravelmente, assim como a quantidade e a qualidade dos programas produzidos por mulheres”, afirma Juliana.
A AbPod, Associação Brasileira de Podcasters, realizou estudos que evidenciam o aumento das mulheres neste mercado. Em 2009, a pesquisa indicava 11% de produtoras e ouvintes de podcasts do gênero feminino. Já em 2019, dez anos depois, esse número aumentou para 27%. Em outra pesquisa, de 2021, focada apenas em produtores, as mulheres representavam 23%.
Apesar do aumento, entretanto, a presença feminina ainda está aquém de alcançar um status de paridade.
“Desde o começo, enfrentamos uma certa resistência em relação à percepção do nosso podcast [Mamilos], especialmente quando comparado a outros da mesma época, como o BrainCast, o Nerdcast e o Matando Robôs Gigantes, predominantemente masculinos”, relata Cris Bartis. “A questão era: por sermos duas mulheres à frente do projeto, nosso conteúdo seria automaticamente classificado como ‘para mulheres?”, questiona.
Na realidade, o Mamilos nasceu com a premissa de ser um espaço de diálogo “de peito aberto” sobre diferentes temas. Se no início do projeto a audiência era predominante masculina, como relatam as apresentadoras, a evolução do podcast e do mercado como um todo atraiu cada vez mais o público feminino. “Uma coisa interessante que percebo sobre gênero é que muitas mulheres que começaram a ouvir o Mamilos foram introduzidas pelos homens”, conta Juliana. “Mas, hoje em dia, é o oposto. Encontramos homens em eventos que nos dizem: ‘Minha esposa adora vocês, ouvimos juntos no café da manhã e depois discutimos’.”
Apesar de não ser um podcast focado somente em temáticas femininas, as apresentadoras entendem que é impossível se desvencilhar dessa ótica. “É importante salientar que, apesar de nossos temas não serem exclusivos a um gênero, a abordagem é inevitavelmente influenciada pela nossa perspectiva feminina. Isso se reflete na seleção dos temas, na maneira como conduzimos as discussões e até na escolha dos convidados”, afirma Cris.
O primeiro podcast de Branca Vianna foi o Maria Vai Com As Outras, em parceria com a Revista Piauí, no qual discutia temas acerca da presença feminina no mercado de trabalho. Algum tempo depois, Branca narrou o Praia dos Ossos, um podcast que contava a história do assassinato de Ângela Diniz, socialite brasileira morta na década de 1970.
“Meu desejo é que mais homens se envolvam e escutem podcasts como o Praia”, diz Branca. “É crucial envolver os homens na discussão sobre violência contra a mulher. Eles precisam participar ativamente na busca por soluções, pois são, em grande parte, os perpetradores dessa violência. Nós, mulheres, já conhecemos os dados, sentimos as consequências e observamos o sofrimento ao nosso redor”, reforça.
Por meio de uma história com apelo popular, como o assassinato da socialite, Praia dos Ossos consegue abordar uma temática muito importante e delicada, como a violência contra a mulher. Usando desta fórmula, por meio de histórias populares, que podcasts como Radio Novelo Apresenta consegue atingir um público mais abrangente mesmo trazendo temas que tocam nas vivências femininas.
“Na Rádio Novelo, buscamos criar conteúdos que sejam ao mesmo tempo informativos e divertidos, como fizemos com Maria, Praia, Crime e Castigo, e, agora, com o ‘Rádio Novelo Apresenta’. O objetivo é oferecer entretenimento enquanto informamos e provocamos reflexões sobre questões importantes, como a igualdade de gênero”, explica Branca.
Ainda assim, existem outros temas femininos que seguem sendo “tabus” e até arriscados de trazer para as mesas redondas. “Fiz um episódio sobre hormônios e menopausa, algo que muitos pensaram ser arriscado, mas acabou sendo um dos mais escutados”, conta Camila Fremder, apresentadora do podcast É Nóia Minha?. “Isso mostra que há uma demanda por discutir tópicos femininos que muitas vezes são ignorados ou abafados.”
Tais exemplos evidenciam como as ouvintes buscam espaços para debater, e até desabafar, sobre questões que lhes tocam enquanto mulheres, como menstruação, menopausa, gravidez, maternidade e tantos outros. “Essas conversas no Nóia têm levado a relatos incríveis de pessoas que finalmente entendem melhor suas próprias experiências ou as das suas mães”, avalia Camila.
Isabela Reis, apresentadora dos podcasts “PPKansada”, “Conselhos que você pediu” e “Angu de Grilo”, ao lado de sua mãe, a jornalista Flávia Oliveira, relata sentir falta de podcasts que falem sobre maternidade. “A realidade é que, para as mães, a conta muitas vezes não fecha. Meus podcasts sobrevivem graças a publicidades e outros trabalhos. Se chegar o momento em que não puder mais sustentá-los financeiramente, serão a primeira coisa a cortar”, destaca.
Manter um podcast não depende apenas da vontade ou da necessidade de atender certas demandas. Envolve tempo e dinheiro para pesquisa, gravação, edição e divulgação, inclusive entre os programas independentes. Logo, para que mães possam criar esses espaços de conversa, elas precisam do tipo de apoio que somente plataformas, marcas e produtoras podem fornecer.
A profissionalização e rentabilidade dos podcasts ainda está em evolução. Talvez até pela dificuldade de se conseguir retorno financeiro é que as mulheres estão sub-representadas entre produtores. As múltiplas jornadas criam obstáculos para que elas consigam se dedicar à produção e manter uma constância. “Quem tem tempo para se dedicar a um trabalho sem retorno financeiro?”, questiona Isabela Reis.
A apresentadora do Angu de Grilo associa esse cenário à falta de representatividade das mulheres negras nos títulos brasileiros de podcasts. “Se as mulheres negras já têm menos oportunidades de trabalho e são menos valorizadas, e o podcast não paga, manter essa constância é osso”, diz. “Claro que há podcasts maravilhosos por aí, como O Corre Delas, da Luanda Vieira, e o Me Sinto Pronta POD, da Luisa Brasil. Duas jornalistas negras incríveis. Elas têm uma produção com equipe e investimento. Mas são poucas as que podem fazer esse tipo de investimento”, complementa.
“Lembro de quando tive essa ideia de fazer um catálogo de podcasts negros, faz uns cinco anos já. Fiz uma super pesquisa pra ver quais existiam na época, e muitos tinham só um ou dois episódios e foram abandonados”, afirma. “É uma equação complicada que poderia ser resolvida se as plataformas pagassem melhor”, adiciona.
“Enquanto o mercado parece mais consolidado para mulheres brancas, para as negras ainda é uma luta”, concorda Cris Bartis. “A estrutura do mercado, que depende fortemente de anunciantes, acaba prejudicando a diversidade de vozes das mulheres negras na produção de conteúdo. Acredito que falta investimento para que as mulheres negras possam ter canais tão fortes quanto o Mamilos ou a Rádio Novelo.”
Nos últimos anos, surgiram muitos programas liderados por mulheres. No topo das paradas de podcasts do Spotify, no dia 22 de março, estão títulos como Não Inviabilize, da Déia Freitas, em 2º lugar; em 4º, Bom dia, Obvious, da Marcela Ceribelli; e Gostosas também choram, da Lela Brandão, na 5º posição. Os três programas são apresentados por mulheres e tocam em assuntos como autoestima, relacionamentos amorosos, amizades, saúde mental e tantos outros.
Nessa evolução, o mercado de podcasts se mostrou muito unido, principalmente entre as produtoras mulheres. O que começa como uma parceria profissional, logo evolui para uma amizade e rede de apoio. “Cada vez que uma mulher lança um novo podcast, fico animada tanto para ouvir quanto para participar. Sou alguém que raramente diz ‘não’ a essas oportunidades, pois acredito no crescimento por meio da generosidade e da troca de experiências”, diz Camila Fremder. “Conversamos sobre monetização, indicações de convidados, e sempre temos um plano B para cobrir desistências de última hora”.
Os podcasts são um tipo de mídia com características únicas. É um formato que traz intimidade e conexão com os ouvintes, além de fazerem parte da rotina e de certos rituais de sua audiência. “Os podcasts são uma constante na minha vida, seja me maquiando, dirigindo ou esperando por uma reunião, estou sempre ouvindo um”, conta Camila.
“Passar horas ouvindo uma pessoa em um podcast cria um nível de intimidade e confiança que não pode ser replicado em outras plataformas. É uma experiência única de conexão e credibilidade que me faz acreditar profundamente no formato, além de alimentar minha paixão por ele”, destaca Isabela Reis.
“O podcast é um veículo perfeito para manter a riqueza e a diversidade nas conversas, pela sua proximidade e intimidade. Ele literalmente nos coloca no ouvido do ouvinte”, diz Juliana Wallauer. “Nossa comunidade é o motor que impulsiona o Mamilos”, complementa Cris Bartis. “Recebemos constantemente sugestões e feedback dos ouvintes, que nos mantêm conectadas à realidade e às necessidades de quem nos acompanha. É essa retroalimentação que nos faz permanecermos ativas após uma década de trabalho, pois percebemos que as conversas que promovemos dentro dessa comunidade são valiosas e enriquecedoras para todos nós.”
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