Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Luiza Belloni, doHuffPost Brasil

São Paulo- Se perguntar para um estrangeiro qual marca é a cara do brasileiro, ele provavelmente vai responder: “Havaianas”. Se esta pergunta for feita aqui no Brasil, é provável que a resposta será a mesma.

Pouquíssimas marcas no mundo conseguiram se reinventar e conquistar status internacional sem precisar mudar a essência de seu produto por décadas como fez a Havaianas.

Afinal, não é pra qualquer um tornar uma commodity(produto feito em larga escala, com foco na redução dos custos de produção) em um objeto de desejo de todas as classes sociais em mais de cem países.

Poucas pessoas sabem, mas esta virada só foi possível por causa de uma crise de vendas na qual a empresa se afundou 30 anos após sua criação. Foi a partir daí que a então Alpargatas São Paulo (dona da Havaianas) mudaria a história das sandálias de borracha mais usadas no mundo.

As sandálias Havaianas foram criadas em 1962, inspiradas na tradicional sandália de dedo japonesa Zori, com tiras de tecido e sola de palha de arroz. Em vez das solas de palha, entrou a borracha, mas sem deixar suas raízes: o grão de arroz inspirou a textura da palmilha. Já o nome foi pensado no Havaí – projetado por Hollywood como o lugar dos sonhos dos anos 60.

Com o histórico brasileiro na extração da borracha, os gerentes da Alpargatas decidiram que a sandália teria de ser deste material, feita com uma fórmula especial que não deforma, nem solta tiras e não tem cheiro, como dizia o velho slogan da marca.

Mais de 53 anos depois, nem suas principais concorrentes, como a Ipanema, da Grendene, conseguiram imitar e trabalham com materiais como o plástico.

Assim, as tradicionais sandálias de borracha, com palmilha branca e tiras e solas coloridas, foram lançadas e milhões de pares foram vendidos em três décadas.

O sucesso, no entanto, chegou ao seu limite. Sem grandes investimentos em marketing e no fortalecimento da marca, os chinelos foram associados às classes mais baixas e suas vendas despencaram – nem mesmo a fórmula exclusiva de seu material salvou a Havaianas de uma difícil crise de lucratividade no início dos anos 90.

“Até 1994, tínhamos um produto único: era uma sandália de borracha de palmilha branca com tiras azul claro, amarelas ou preta, mas basicamente era uma commodity. Com a estagnação da marca, a gente resolveu mudar”, conta Rui Porto, um dos diretores envolvidos em um dos projetos mais importantes da marca: a transformação do “chinelo de pobre” para a marca que “todo mundo usa”.

Para mudar a percepção dos consumidores, conta Rui, foi preciso deixar de produzir apenas um produto e começar a criar um valor agregado à marca. “Lançamos a Havaianas Top, monocromáticas, mais confortáveis e com o nome gravado na tira. Ela continua até hoje, mas chamadas de ‘Tradicional’. Foi uma revolução.”

As Havaianas Top foram o início de uma revolução que nem a Alpargatas poderia prever. Aos poucos, a Havaianas deixou de ser a marca “com atestado de pobre”, como disse Rui, para virar um acessório de moda.

Para isso, a Alpargatas não poupou investimentos: novas estampas com cores, tiras e formatos diferentes. Hoje, há mais de 400 modelos em um produto que, basicamente, continua o mesmo.

Para tanto sucesso em um único produto, a maior mudança foi na construção da marca. "De patinho feio da Alpargatas, na época, ela virou a grande estrela.”

Sem dúvida, a Havaianas é a menina dos olhos da companhia fundada em São Paulo, em 1907. Hoje a marca corresponde a 48% dos lucros da Alpargatas, que também é dona das marcas Mizuno, Timberland, Dupé, Osklen e do empreendimento Meggashop, outlet da Alpargatas.

No segundo trimestre deste ano, a receita líquida da Alpargatas foi de R$ 996,9 milhões, aumento de 14% em relação ao segundo trimestre de 2014.

Nesta segunda-feira, a Alpargatas foi comprada por R$ 2,67 bilhões pela J&F Investimentos, uma holding de investimentos dos irmãos Joesley e Wesley Batista, que controla a JBS. Ela pertencia ao grupo Camargo Corrêa, envolvido na Operação Lava Jato. A transação ainda depende de aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Agregando valor, conquistando cada brasileiro

De chinelo de pobre, a sandália de dedo não tem mais nada. Além de aderir às estampas da moda e seguir tendências do mundo inteiro, a marca fez parcerias com grandes estilistas e investiu fortemente nos veículos de comunicação de massa e nos segmentados.

“Antes éramos focados apenas em meios massivos, como televisão e rádio. Começamos a fazer anúncios em revistas de moda e de celebridades. Patrocinamos eventos de moda como o São Paulo Fashion Week e emprestamos sandálias em desfiles”, conta Rui, que tem mais de 30 anos de casa e hoje é consultor de mídia e braço direito do presidente da Alpargatas, Márcio Utsch.

A ideia, porém, nunca foi deixar de atingir as classes mais baixas, nem mesmo focar em faixas etárias específicas. A ordem era agregar.

“Acho que foi um caso único no mundo. Marcas mudam, a gente não exatamente mudou. A gente agregou, como uma família. Antes era algo único e hoje é uma multidão.”

Para isto, o jeito foi encontrar a “justa medida”, segundo o consultor de mídia. Os comerciais são detalhadamente pensados para não delimitar qualquer público, por exemplo.

“Como nosso país é imenso, a gente tenta fazer um anúncio que todos vão compreender. Não usamos valores de uma determinada classe social, por outro lado, não afastamos este público”, explica Rui. “Nossos comerciais têm que ser bem humorados, com uma certa irreverência, certa sexualidade brasileira. Tentamos usar personalidades que sejam bem conhecidas.”

Entre estas personalidades que protagonizaram comerciais da marca, Malu Mader é um exemplo da transição da marca. Associada ao ideal de elegância, a atriz protagonizou uma peça publicitária em que calçava a Havaianas dentro de casa.

Os preços também começaram a variar. Com peças assinadas por estilistas e customizadas até com cristais de Swarovski, hoje há pares de Havaianas que chegam a custar R$ 400. Por outro lado, as tradicionais não saíram de linha e são opções acessíveis (a partir de R$ 13,90).

“Para cada mídia, seja revista, jornal, TV ou rádio, temos uma abordagem diferente. Embora o esqueleto sirva para todos, conforme a mídia, a gente adapta para seu público.”

A internacionalização da marca

A Havaianas começou a ganhar o mundo na virada do milênio, entre 1999 e 2000. Antes, a marca já era exportada para países vizinhos, como Bolívia e Paraguai, mas como um produto para uso funcional – propósito totalmente oposto à nova estratégia da marca, que buscava apropriar sofisticação às sandálias.

Antes de procurar distribuidores mundo a fora, no entanto, a marca esperou virar febre no Brasil. A ideia era deixar que os próprios brasileiros começassem a exportar as sandálias, para dar de presente a amigos e parentes que moravam no exterior.

“Queríamos mostrar que era uma moda que vinha do Brasil. Para isso, soubemos gerenciar a marca antes de ir pra fora.”

De acordo com Rui, as sandálias já eram um sucesso em 1997, mas só por volta de 2000 começaram a exportar. Primeiro, elas desembarcaram em Portugal, na Austrália e no Japão, pela origem das sandálias.

Depois, elas chegaram aos Estados Unidos e em outros países da Europa e da América do Sul, como Argentina e Uruguai.

Havaianas

“Não estávamos exportando um produto com ‘certificado de pobreza’ como ela era, mas exportando uma marca com valor agregado. Esta foi uma missão que soubemos fazer direitinho.”

O plano de expansão para fora foi tão "direitinho" que a Havaianas é hoje uma das marcas brasileiras mais conhecidas pelos norte-americanos e europeus.

As "flip-flops" logo ganharam os pés dos estrangeiros e mais espaço nas lojas e boutiques de países como Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido. Em 2003, um par de Havaianas chegou a custar em Londres, na Inglaterra, o equivalente a R$ 500.

Atualmente, a Havaianas está presente em 117 países e tem centros de operação em 11 deles: Estados Unidos, Portugal, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Áustria, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Alemanha.

As sandálias ocuparam um espaço que até então estava vazio no mercado mundial. Para isso, Rui diz que dois pilares foram fundamentais: ter feito sucesso no próprio país e entender os mercados locais.

Além das sandálias: a descentralização da marca

Após décadas fabricando somente um produto, a Havaianas começou, timidamente, a marcar presença em outras frentes. Primeiro, foram lançadas toalhas, chaveiros e capas de celular e outros acessórios.

A maior aposta, no entanto, estava reservada às alpargatas, as “Havaianas cobertas”. “Fizemos um teste piloto na Europa, um mercado que necessitava de uma ‘Havaianas de inverno’ e foi um sucesso.”

Depois de ganhar o mercado europeu, a marca trouxe para o Brasil, que fez grande sucesso neste ano. Para apresentá-las aos brasileiros, a Alpargatas não poupou sua fórmula de sucesso: com muita irreverência, as alpargatas foram apresentadas numa campanha em que brinca com a inversão de gênero dos casais Cléo Pires e Rômulo Neto e José Loreto e Débora Nascimento:

Agora, a empresa expandiu para tênis e roupas, que são vendidas em apenas três lojas no Brasil. Os próximos passos são distribuir para as franquias no país, que somam mais de 390, e exportar as primeiras peças para a Europa, onde tem nove lojas próprias.

Em setembro deste ano, a marca anunciou outra novidade: um contrato de licenciamento de marca com a Safilo Group, empresa italiana que atua no mercado mundial de óculos premium. O acordo permitirá a criação e distribuição mundial de uma coleção de óculos da marca Havaianas.

“Óculos tem tudo a ver com a marca, um produto ligado ao verão e ao calor. A marca é bastante conhecida e queríamos expandir para outras categorias”, conta Rui.

Questionado sobre o receio de desvirtuar a marca, Rui esclarece que cada produto lançado passa antes por muitos processos. “A gente faz tudo com muito cuidado. Fazemos testes, pensamos na qualidade. Acho que só afetaria a marca-mãe se o produto fosse mal feito. A gente está livre desse risco.”

Da crise, a oportunidade

Até da crise econômica brasileira a marca conseguiu se salvar. Após um primeiro trimestre ruim, com queda de 8,7% na receita líquida em relação ao mesmo período de 2014, a Havaianas conseguiu voltar a ter lucro graças à…. Desvalorização do câmbio.

Um ano antes da crise dar seus primeiros passos, por volta de 2014, a Alpargatas informava a inauguração da nova fábrica em Montes Claros, Minas Gerais, que ampliou a capacidade produtiva da sandália em 40%, para mais de 102 milhões de pares por ano.

Além de Montes Claros, a marca tem fábrica em Campina Grande, na Paraíba. Mas o aumento da produção em tempos difíceis de vendas acabou sendo oportunidade para explorar ainda mais outros mercados.

“A crise atinge todo mundo, o ano não está uma maravilha. Mas o que nos salvou foi a exportação”, esclarece Rui. “Com a alta do dólar, a exportação foi beneficiada e já no segundo trimestre sentimos um boom nas vendas.”

Segundo Rui, a grande variedade de preços foi outra carta na manga da empresa. “Você tem desde modelos tradicionais que podem ser vendidos por R$ 10 até modelos de R$ 400, toda customizada. Este mix ajuda muito.”

Além disso, aos olhos da marca, a crise é uma oportunidade de consolidar ainda mais a marca. “Os consumidores não querem ousar e preferem recorrer aos produtos que já conhecem. Em crise, se corre para onde tem mais confiança”.

Hoje, a marca Havaianas detém 85% do mercado de sandálias de borracha. Já entre sandálias no geral, ela tem uma fatia de cerca de 50%.

Diante da crise, os planos não foram afetados, garante o consultor.

“A crise não mudou os planos. Inauguramos uma fábrica em Montes Claros e o investimento já foi feito. Temos capacidade de aumentar participação no Brasil e no mundo. Então, não tem como ter crise.”

http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/a-formula-da-havaianas-...


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