Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A ideia basicamente é: Se eu, mulher, tenho todas essas ferramentas à minha disposição para transformar meu corpo e minha expressão de mim mesma em algo visualmente interessante, porque eu abriria mão disso pra ficar "bonita" nos padrões sociais? Por que a gente não consegue romper a barreira desse maldito padrão e ir além, ir a fundo, go crazy?

Achei um blog de "looks do dia" que é bem interessante e diferente da maioria que a gente vê por aí. Eu particularmente larguei essa mania de """""ler""""" blogs de moda faz muito tempo porque eles estavam cada vez mais parecidos um com o outro, e porque ficar vendo esse monte de meninas vestindo roupas que elas ganham de presente das lojas tava acabando com a minha própria criatividade pra me vestir; eu precisava sempre ter alguma inspiração ou modelo na internet, e acontece que as roupas que eu tenho no geral não são nada parecidas com as roupas das meninas da internet, então além de eu estar tentando me vestir como uma pessoa que não sou eu, eu tava comprando coisas demais pra tentar suprir a necessidade de ter roupas que eu tinha visto na internet (que normalmente também nem existem na vida real, e esse é o maior problema, porque quando eu via algo que realmente se comunicava comigo, algo que eu realmente queria vestir, eu sabia que jamais acharia pra comprar).

Mas a proposta do artfully awear, da ariel adkins, é diferente. só o nome do blog traz a idéia de que deve-se estar ciente do que se veste, mas não no sentido de regras prescritas por manuais chatos e repetitivos sobre elegância e imagem. Ela está ciente de que se vestir é uma arte, e deve ser tratada como tal. não há regras na arte, não há certo e errado, há apenas arte e arte nem sempre é bonita também, às vezes ela é incomôda, às vezes ela é colorida demais, às vezes ela é só esquisita. A Ariel não está exatamente tentando se vestir bem, ela etá tentando se vestir com algum significado, o que automaticamente a faz se vestir bem.

"As an art historian and vintage enthusiast, one of the most intere...

O blog da Ariel automaticamente me lembrou o man repeller, da Leandra Medine. Se você gosta de moda, curte um bom sartorialismo e o old but gold street style das semanas de moda, você já leu, ou lê com frequência, o man repeller. se não, eu explico: Leandra medina acredita em tratar a moda pela moda. ou seja, ela não se veste pensando na estética que irá agradar aos outros, e não vê suas roupas como uma função social de aceitabilidade ela veste o que quer do jeito que quer, moda pela moda, moda como arte. O que é absolutamente incrível, por um lado. Émuito difícil conseguir desconstruir a função social da vestimenta, pelo menos pra mim. eu não combino muitas das minhas roupas por medinho das reações alheias eu, que gosto de moda, que leio sobre moda, que sou minimamente informada sobre o lado artístico e histórico do que é a moda, não tenho coragem de ir muito além do que me é permitido socialmente quando me visto, imagina as mulheres cuja relação com moda não ultrapassa o limite das lojas dos shoppings. E é por isso que as mulheres acabam todas se vestindo iguais, apesar da altíssima oferta de diferentes estilos, cores, estampas que existem por aí.

Mas a Leandra decidiu que não ia mais se contentar com o lado socialmente aceito das roupas, a ideia basicamente é: Se eu, mulher, tenho todas essas ferramentas à minha disposição para transformar meu corpo e minha expressão de mim mesma em algo visualmente interessante, porque eu abriria mão disso pra ficar "bonita" nos padrões sociais? por que a gente não consegue romper a barreira desse maldito padrão e ir além, ir a fundo, go crazy? é lindo, e ela faz isso muito bem (é claro que quando você é magra e rica fica relativamente mais fácil, mas essa é outra discussão), mas o jeito que ela decidiu expressar isso traz algumas problemáticas que eu acho que deveriam ser discutidas, mas não são, nem por ela, nem por todas as suas leitoras, nem pelas mulheres que apareceram depois dela seguindo o mesmo conceito.

O primeiro problema que eu vejo é que nessa ideia de man repeller a gente divide a mulher heterossexual em dois pólos: a mulher que se veste para atrair o sexo masculino, ou seja, que se veste de acordo com as normas da sensualidade e elegância, dentro dos padrões sociais da moda, e comumentemente, sem muita criatividade; e a mulher que se veste para repelir o sexo masculino, ou seja, a que quebra os padrões e expectativas da moda, que é criativa e inventiva. e vocês acham que a maioria das mulheres cairia em qual das duas categorias? é fácil ser uma man repeller (aka: criativa, inventiva, diferente, interessante) quando seu emprego está atrelado ao mundo da moda onde esse tipo de criatividade é aceito e discutido. mas a maioria das mulheres precisa se vestir "normalmente" para seus empregos padrão com dress codes antiquados, e a vida é assim. a mulher que se veste no padrão não é ou não quer ser necessariamente uma man getter, para usar a mesma expressão da blogueira leandra. ela só precisa se adaptar a vida em sociedade, porque nem todas nós podemos nos dar ao luxo de romper com barreiras sociais todos os dias. além disso, existe o envolvimento da grana né.

Se você não é rica, ou não é amiga de estilistas, ou não tem uma amiga rica de quem você pode pegar roupas emprestadas, é muito difícil sair do padrão. "ah, mas a criatividade está em como você combina as roupas, não nas peças de vestuário per se", diria algum incentivador ferrenho da criatividade ao se vestir. sim e não, né. concordo que combinar as roupas de jeitos diferentes é muito mais importante do que comprar roupas diferentes, mas para poder combinar roupas você precisa ter diferentes peças, e para ter diferentes peças você precisa comprá-las.

A realidade é que a grande maioria das mulheres não pode ter 25 pares de calça para serem combinadas com 35 suéteres que irão por cima de uma das 43 blusinhas, que também poderiam ser usadas com alguma das 67 saias que a mulher criativa tem no armário, e convenhamos, moda barata é moda clássica ou moda tendência. é muito difícil ir além disso quando seu alcance maior são fast fashions. dá pra se vestir muito bem com fast fashions, mas se vestir criativamente é outra história.

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O segundo problema que eu vejo na ideia de man repeller é que ela coloca todos, absolutamente todos os homens heterossexuais numa mesma categoria, que infere que nenhum homem hétero gosta ou entende de moda, e todo homem hétero quer uma menina que esteja adequada ao padrão estético que supõe-se que um homem hétero gosta.

 Eu preciso sequer detalhar a falha dessa tese? homens, assim como mulheres, são dos mais diversos e apreciam as mais diversas coisas, e não necessariamente serão repelidos por uma mulher que se veste de forma criativa ou diferente, deixar implícito que todo homem é repelido por uma mulher que não se adéqua à moda como ela é vendida e oferecida no shopping é uma falha de julgamento, de valores, de conhecimento de mundo.

Mas, falhas e problemas à parte, Leandra Medine se sai muito bem na ideia de moda como arte, e moda pela moda, e ela é muito engraçada então o blog vale a leitura. Além do que, é sempre inspirador ver uma mulher que consegue sair dos padrões da moda e se utilizar de todos os formatos, tecidos, texturas que a moda nos oferece sem medo de errar - porque não deveria haver erro na auto-expressão através da moda.

Já a ariel, do artfully awear - apesar do conceito parecido de romper com o padrões, ou simplesmente não dar a mínima para eles - tem uma ideia um pouco diferente em relação a se vestir, enquanto Leandra está por aí man repelling usando moda como arte, Ariel tomou o caminho contrário e está usando arte como moda. quão incrível é isso? os posts dela, em sua maioria, se dividem em: looks do dia inspirados por algum artista plástico ou alguma obra, looks do dia inspirados por exposições as quais ela foi.

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Eu não sei bem como ela faz isso, acho que ela vai à exposição, depois procura - e efetivamente encontra! - uma roupa adequada, e volta à exposição para tirar as fotos.

Fora os posts de exposição, todos os outros posts de looks do dia tem uma inspiração artística, ela fez uma série de posts em colaboração com a Pantone, em que ela deveria se vestir inspirada por uma paleta de cores, e mesmo nesses posts ela faz questão de referenciar algum artista - que foi lembrado pela cor que a Pantone ofereceu em conjunto com roupa que ela decidiu usar, quer dizer, a textura, a leveza, o caimento da roupa se relacionam com alguma obra de arte.

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O que eu gostei mesmo na Ariel é que ela não está tentando "make a statement" sobre o valor social do que ela veste - como faz Leandra Medina e seu man repeller. ela está simplesmente deixando explícito o valor artístico e histórico do que nós vestimos, trazendo à tona a relação íntima que moda tem com arte - e dizendo que, assim como moda é arte, arte também é moda, e nós podemos e devemos abusar dessa relação e da nossa relação tanto com arte quanto com moda na hora de conscientemente criarmos com as peças de roupas que temos.

A gente tem no blog da Ariel uma chuva de tapa na cara da sociedade, que costuma futilizar a moda e, consequentemente as mulheres que curtem moda. Ariel mostra que não há nada de fútil em gostar de moda, porque o que a gente veste significa alguma coisa - significa alguma coisa além da dicotomia mulher-homem que a Leandra do man repeller carrega por aí. Ariel mostra que moda não é uma régua medidora de futilidade da mulher e do homem, que moda não serve apenas como uma reafirmação ou quebra do papel social feminino e masculino. Moda é arte em sua forma mais pura - mesmo que possua, além do valor artístico, o valor utilitário que é se vestir.

PUBLICADO EM DESIGN POR MELODY VON ERLEA



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Comentário de Romildo de Paula Leite em 21 fevereiro 2016 às 8:34

  Moda não é uma régua medidora de futilidade da mulher e do homem, que moda não serve apenas como uma reafirmação ou quebra do papel social feminino e masculino. Moda é arte em sua forma mais pura , mesmo que possua, além do valor artístico, o valor utilitário que é se vestir.

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