Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Como a Roupa Pode Moldar Uma Criança: A Importância da Ingenuidade e Diversão

O mercado da moda infantil vem se mostrando cada vez mais lucrativo e ganha crescente espaço no varejo nacional, representando uma alta anual de 6% no país, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), e movimentando 8,4 bilhões de dólares em 2018. Porém, diferentemente de outros setores da indústria, o vestuário voltado às crianças deve atenção especial à segurança e diversão, e essa mera construção vai promover um impacto social em longo prazo na vida dos pequenos indivíduos.

Só que essa preocupação nem sempre existiu. Até o século 18, a molecada se vestia com as mesmas roupas para os adultos em tamanho menor. Uma mobilização impulsionada pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau fez com que os trajes proporcionassem a liberdade de deslocamento e tivessem um cuidado específico com o bem-estar. No entanto, antes dos anos 1950, quando a produção passou a ser industrial, a confecção das vestes ainda era artesanal e um ofício majoritariamente doméstico.

Passados quarenta anos do início da massificação da moda, na década de 90, em uma tendência global, os infantes se convertem em alvo da publicidade, com a difusão da propaganda na televisão e internet, o que faz com que eles próprios passem a ter desejos e realizem as suas escolhas nesse segmento.

O público mirim ganha força de consumo na medida em que suas decisões já não são pautadas por seus responsáveis. Ele conquista influência dentro dos lares e impõe seus anseios sobre os adultos. Mais do que nunca, as crianças assimilam depressa o processo de compra e sabem exatamente o que querem. A pesquisa de 2013 O Papel Social da Moda: a Infância e seu Universo Reconhecido mostrou que 50% das meninas e 60% dos meninos, entre 50 entrevistados, são os que selecionam sozinhos os trajes que querem adquirir. Essa opção está baseada em um contato prévio visto nos meios de comunicação ou em colegas. Na hora da aquisição, existe uma propensão dos pais a atenderem aos pedidos dos filhos, várias vezes, na tentativa de compensar a falta de tempo e ausência em casa.

Assim como acontece com os maiores, a roupa de um indivíduo em desenvolvimento vai muito além de proteger o seu corpo, ela se tornou quase uma extensão dele. Antes vista como fútil, a moda está relacionada à construção da personalidade e identidade dos pequenos, que vão entendendo o seu lugar no coletivo por meio da percepção dos outros e de si mesmo. Uma veste pode indicar gênero, idade, religião, status, profissão, nacionalidade, entre diversos aspectos.

Os seres humanos moldam as roupas e, simultaneamente, são moldadas por elas, uma vez que a peça tem ainda o poder de manipular o modo como somos vistos aos olhos do outro, mas também a nossa própria visão do mundo, conforme concluiu Virginia Woolf na obra “Orlando”. Identidade e senso de pertencimento são importantes. No entanto, o vestuário é o nosso contato inicial com as demais pessoas e isso vai disparar julgamentos que, com frequência, não correspondem à realidade.

Desde os primeiros meses de vida, as crianças observam, incorporam e reproduzem comportamentos, sendo adaptadas pelos costumes de uma sociedade. Cada opção de cor, estampa, personagem vai impactar na formação intelectual e no estado de espírito dos meninos e meninas. E, como sujeitos em desenvolvimento, eles não nascem com preconceitos, por isso, vão querer explorar uma variedade de possibilidades que, se reprimida ou se sofrer desaprovação e rejeição de seu grupo social, pode prejudicar o amadurecimento e criar barreiras emocionais.

Portanto, os pais devem oferecer o livre-arbítrio e estimular as tomadas de decisão e o autoconhecimento na infância, que fortalecerão a autoestima e autoconfiança. Dessa maneira, nas próximas fases, mesmo com as pressões coletivas, os indivíduos terão critério por entenderem que seguir as normas do vestuário faz parte de uma escolha.

Questão de gênero

Assim que uma mulher fica grávida, entra em discussão qual o sexo biológico do bebê. Há toda uma impaciência em torno dessa descoberta antes mesmo do parto. E logo no anúncio, nos “chás de revelação”, surge um binarismo que se expressa no uso das cores: o rosa, se for uma menina, e o azul, se for menino. A notícia tem como consequência imediata a seleção do enxoval e de todos os outros artigos que cercarão a vida do neném, como a decoração do quarto e os brinquedos.

Até os anos 80, essa atitude não era comum, já que não se conhecia a genitália do feto previamente ao seu nascimento, então, as vestes de maternidade eram neutras. Agora, com um preparo, essa informação entra para o inconsciente coletivo da família, que vai carregar um conjunto de expectativas sobre gostos, formas de agir e sexualidade, reforçando preconceitos e limitando as escolhas pessoais.

A divisão marcante é esperada pela sociedade, de modo que ao reconhecer um gênero, sabe que palavras utilizar em um discurso. O livro “Mulheres de Papel: Representações do Corpo nas Revistas Femininas”, da jornalista portuguesa Alice Marques, cita um estudo no qual um mesmo bebê era mostrado a adultos. Sem dizer o sexo da criança, quando vestida de azul, ela fazia os indivíduos inconscientemente usarem o pronome masculino, e termos femininos no momento em que vestia rosa.

Tal comportamento varia no decorrer do tempo e nas culturas, só que no continente americano o contraste é visível: a maioria das lojas insiste em não apenas separar as peças entre “roupas de menino” ou “de menina”, mas também em seguir padrões como vestidos floridos, laços, babados, cores claras e bastante rosa para o sexo feminino, e bermudas, cores escuras, estampas de barcos, carros, esportes para o masculino. Como consequência, os trajes vão ensinar, desde muito cedo, que há uma oposição entre homens e mulheres, e isso resultará em distintos papéis sociais e perspectivas para o futuro.

O artigo O Gênero e as Roupas: a Moda Infantil na Categorização dos Corpos, escrito pelos graduandos da Unicamp Cassia Maschietto, Clarita Ferro e Gabriel Santos, analisou marcas tradicionais do vestuário e percebeu que a divisão entre os gêneros está presente em inúmeros aspectos. As peças femininas estão sempre ligadas a uma delicadeza e isso se reflete inclusive na publicidade, que exibe meninas fotografadas em poses calmas e leves, como com as mãos na cintura. Em contrapartida, a classe masculina tem o apelo mais agressivo, com designs simples e com uso de materiais grosseiros; as poses em que eles se encontram nas imagens costumam denotar movimento, como, por exemplo, com os cabelos bagunçados. Melhor dizendo, espera-se que o garoto seja o ativo e corajoso, e a garota seja passiva e doce, mas com certa sexualização e erotismo devido ao uso de vestes curtas e justas logo nas idades mais jovens.

Embora amplamente discutido no âmbito adulto, é no domínio dos infantes que o sexismo se depara com um terreno para fincar suas raízes. O estudo Design e Gênero: Diretrizes Metodológicas para Validação do Uso da ..., realizado por Marcela Bezerra, constatou que a percepção de gênero está presente a partir dos cinco anos e, mesmo com o passar do tempo, ela tende a permanecer imutável.

Ao observar a comunicação visual na indumentária infantil, Marcela notou que personagens tipicamente femininos, como princesas e bailarinas, geravam repulsa nos rapazes, enquanto as pequenas mulheres declaravam que trajes com corações e flores “só são usados pelas meninas” ou são “coisa de menina” por serem “românticos”.

Porém, para além das estampas está a cor, que é o primeiro fator decisório das crianças durante a escolha de uma peça. Apesar de as garotas serem mais receptivas em relação às tonalidades, existe uma preferência evidente pelos tons de rosa e lilás. Em oposição, os representantes masculinos se mostraram resistentes aos padrões cromáticos, optando pelo azul, verde e uma paleta sóbria, negando imediatamente qualquer associação ao universo feminino.

POR ISABELLA GALANTE

ILUSTRAÇÕES: VICTÓRIA LOBO

https://www.modefica.com.br/roupa-crianca-genero/#.X1I83lVKi1s

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  Embora amplamente discutido no âmbito adulto, é no domínio dos infantes que o sexismo se depara com um terreno para fincar suas raízes. O estudo Design e Gênero: Diretrizes Metodológicas para Validação do Uso da ..., realizado por Marcela Bezerra, constatou que a percepção de gênero está presente a partir dos cinco anos e, mesmo com o passar do tempo, ela tende a permanecer imutável.

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