Roupas produzidas em tempo recorde, com mão de obra explorada, são descartáveis e usam tecidos com fibras de plástico que se soltam na lavagem, diz Francisca Dantas Mendes.
Nos anos de 1970, em pleno tremor econômico causado pela crise do petróleo, surge um modelo de produção que prometia viabilizar lucro e democratizar a moda com roupas mais baratas, produzidas em tempo recorde e em maior escala: o Fast Fashion. O modelo se alastrou pelo mundo e, no Brasil, foi adotado por marcas de varejo.
O setor da moda foi impulsionado pela onda de compras on-line durante a pandemia do coronavírus, com vendas que chegaram a R$ 38,8 bilhões entre janeiro e junho de 2020 – 90,8 milhões de compras apenas no primeiro semestre –, de acordo com a pesquisa elaborada pela Ebit/Nielsen. O crescimento foi de 47% em relação ao mesmo período de 2019. Acompanhando a demanda, o Fast Fashion se popularizou nas redes sociais e cresceu ainda mais, mas esse modelo de produção traz consigo muitas anomalias.
Francisca Dantas Mendes, professora do curso de Têxtil e Moda na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e coordenadora do Núcleo de Apoio à Pesquisa Sustentabilidade na Cadeia Têxtil (NAP SUSTEXMODA), explica que o Fast Fashion é um modelo em que os produtos são produzidos, consumidos e literalmente descartados em um curto período de tempo, tanto pela má qualidade das roupas quanto pelas constantes mudanças de tendências de moda. Os principais pontos de contração do sistema Fast Fashion estão nos âmbitos social e ecológico.
Do ponto de vista social, “como não há garantia de volume de produção de roupas, as empresas prestadoras desse tipo de serviço mantêm um número reduzido de funcionários contratados e, quando a demanda pela produção aumenta, ocorre a quarterização e até a quinterização do serviço, sendo que nestes dois últimos casos o processo ocorre de forma informal e com preços ainda mais reduzidos”, explica a professora. Nesse ambiente de exploração do trabalho, a mão de obra análoga à escravidão prolifera. Alguns dos focos de trabalho escravo estão na China, Bangladesh e Camboja, mas também em países da América. O debate sobre a origem das roupas produzidas em lojas de e-commerce como a chinesa Shein, que não dá detalhes sobre os locais e condições de manufatura, foi levantado nas redes sociais em tom crítico. Em 2011, a Zara admitiu em depoimento à CPI do Trabalho Escravo da Assembleia Legislativa de São Paulo que uma empresa terceirizada de confecção realizava trabalho escravo e que não havia monitoramento dos fornecedores.
Dentro do universo de produção em massa de vestuário de moda, direitos autorais são constantemente violados. No processo criativo, é comum que lojas se apropriem de designs desenvolvidos por outras marcas e as revendam por um preço extremamente competitivo – em sua essência, o Fast Fashion reproduz o que se consome nas marcas renomadas e expande versões de qualidade inferior. Para Francisca, “a qualidade de um produto produzido por esse tipo de marca não atinge a qualidade dos produtos das principais marcas de moda. São produtos sem qualidade e não possuem durabilidade”.
O sistema Fast Fashion tem assídua colaboração no encurtamento do ciclo de vida do produto, na obsolescência programada – que propositalmente torna o material obsoleto ou não funcional em pouco tempo –, “além da sensação de que os produtos que acabaram de ser lançados são mais atualizados que os adquiridos anteriormente”.
Para que o preço do vestuário seja menor, a matéria-prima também deve ter o custo reduzido e, dessa forma, as fibras naturais perdem espaço para as fibras químicas, que adquirem características muito próximas das naturais. O poliéster, um plástico, é a fibra química mais utilizada no processo e leva cerca de 200 anos para se degradar. Esses fios são a matéria-prima principal dos tecidos, que, por sua vez, são matéria-prima principal do vestuário de moda. “O problema é que ocorre a dispersão de um grande volume dessas micros e nanopartículas nos processos de tingimento, estamparia e, principalmente, na lavagem doméstica pelos consumidores”, como explica a professora.
Dados da União Internacional para a Conservação da Natureza confirmam a existência de micros e nanopartículas de plásticos que chegam aos oceanos e mares. Cerca de 35% dessas partículas vêm de roupas com tecidos sintéticos que se soltam na água durante o processo de lavagem das roupas, o que ocasiona o consumo de grandes quantidades desses plásticos pelos animais marinhos e também colabora para a ingestão de plástico na água consumida pelos humanos.
O setor da moda é considerado o segundo maior poluidor do planeta. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil aponta que foram produzidas um milhão e 32 mil toneladas de vestuários no Brasil em 2019. “Se o processo produtivo gera 15% de resíduo, a conta resulta em 150 mil toneladas de resíduos gerados em 2019. É muito importante a gente lembrar que esses são dados da economia formal e que uma característica desse segmento de confecção é a informalidade”, afirma a professora. Segundo ela, as microempresas representam cerca de 70% do total do setor, “podemos então afirmar que a quantidade desses resíduos é muito maior”. Pesquisas do NAP denunciam que as calçadas dos bairros do Bom Retiro e Brás, em São Paulo, recebem diariamente cerca de 36 toneladas de resíduos provenientes da produção de roupas essencialmente confeccionadas em poliéster. Na lei do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, nº 235/2010, não consta a palavra “têxtil”, apenas afirma que todo produtor é responsável pelo descarte adequado dos resíduos gerados na sua produção. “Não há, no entanto, qualquer vigilância nas indústrias, basta uma nota fiscal de alguém ou uma MEI [Micro Empreendedor Individual], que diz que comprou ou recebeu o resíduo, e tudo está resolvido”, conta Francisca.
A principal preocupação do Slow Fashion é o design, que busca aumentar o ciclo de vida do produto, produzido com tecidos menos agressivos ao meio ambiente e com tingimento natural. O termo ficou conhecido em meados de 2004 através de um movimento que promove consciência socioambiental, um sistema embutido em produções transparentes e com menor espaço entre produtor e consumidor. Nesse sistema, o modelo de indústria Cradle-to-Cradle – C2C ou “do berço ao berço” – disponibiliza vestuário que, ao invés de ser posteriormente descartado, volta para a indústria para ser reaproveitado. É crescente, também, o número de brechós on-line, comercializando roupas de boa qualidade e por preços acessíveis.
Para a professora Francisca, a mudança de paradigma no sistema de produção Fast Fashion implica impactos econômicos, mas não drásticos. “O maior impacto seria na redução dos lucros excessivos para os grandes magazines”, afirma. Para ela, “deveria ser implementado o respeito pelo custo real do tempo de produção, uma melhoria na qualidade do produto, no ganho de produção em massa e uma revisão no formato de marketing promocional, visando à redução de custos”. Como consequência, menos produtos estariam disponíveis no mercado, porém com melhor qualidade, maior ciclo de vida e preço mais justo. “Os produtores teriam seus retornos financeiros reais pautados na venda de menor quantidade, porém, de valor um pouco maior, mantendo o retorno financeiro sem exploração. O consumidor teria produtos menos efêmeros, e eu acredito que esse seria o equilíbrio”, conclui.
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Professora Francisca, Tita, para os colegas da Anhembi e FMU. Toda a razão nos efeitos do Fast Fashion. Há uma vantagem, porém: para o varejo foi fundamental: Não precisar empatar o capital na compra prévia de uma coleção toda considerando as alterações e clima outono-inverno nem sempre frios no Brasil. Estoques parados sem giro. Ligar para as confecções ou atacado para renegociar pagamentos, entregas, promover liquidações para salvar o caixa. Fast Fashion deu ao varejo mais elasticidade de pagamento e capitalização, por comprar apenas o giro a curto prazo.
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