O Passaporte Digital de Produto (Digital Product Passport, DPP) é o nome dado para um conjunto de dados de fomento à sustentabilidade e à economia circular. “Essa ferramenta fornece aos consumidores e empresas total transparência sobre o ciclo de vida do produto. Seu objetivo é fazer todo o mapeamento da cadeia de valor de um produto e que se consiga, a partir desse dispositivo, rastrear todos os fornecedores, inclusive a cadeia final, que são os usuários. A gente consegue mapear todo o ciclo de vida do produto e também ter as informações da pegada ambiental que ele tem”, explica Danielly Mendes
“Se você estiver andando com uma bolsa Louis Vuitton falsa em Paris, pode ser preso, assim como no Japão. Se tivesse um registro na bolsa sobre a produção dela etc, a gente acabaria com esse tipo de problema: a falsificação. Vamos chegar lá? Vamos. Esse é um caminho sem volta: o registro dos produtos. Nós não temos passaporte, uma identidade pessoal? Os produtos também devem ter esse registro, é uma necessidade”, frisa Sergio Baltar, falando sobre o Passaporte Digital de Produto (Digital Product Passport, DPP) durante sua participação na roda de conversa promovida pelo SENAI CETIQT, dentro das atividades da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Professor do curso de Engenharia de Produção, Baltar foi um dos palestrantes ao lado de Danielly Mendes, integrante do time do Núcleo de Sustentabilidade e Economia Circular, (NuSEC), fruto de parceria com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT); do coordenador da área de Inovação e Fibras do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras (ISI), do Cetiqt, Adriano Passos; e do professor do curso de Engenharia Química da Faculdade do SENAI CETIQT André Simões.
O Passaporte Digital de Produto é o nome dado para um conjunto de dados de fomento à sustentabilidade e à economia circular. “Essa ferramenta fornece aos consumidores e empresas total transparência sobre o ciclo de vida do produto. Seu objetivo é fazer todo o mapeamento da cadeia de valor de um produto e que se consiga, a partir desse dispositivo, rastrear todos os fornecedores, inclusive a cadeia final, que são os usuários. A gente consegue mapear todo o ciclo de vida do produto e também ter as informações da pegada ambiental que ele tem”, explica Danielly Mendes.
O Passaporte Digital de Produto faz parte de um plano muito maior e mais amplo para fomentar a economia circular que vem sendo capitaneado pela União Europeia. “Tem gerado um debate muito intenso nos últimos meses porque esse projeto está em discussão no Parlamento Europeu para começar a ser exigido de forma obrigatória a partir de 2024 para alguns produtos-chave. Entre eles estão os têxteis”, afirma Danielly Mendes.
A proposta de Regulamento sobre Design Ecológico para Produtos Sustentáveis (ESPR) fornece diretrizes firmes sobre design ecológico para grupos de produtos específicos, como têxteis e moda para que as marcas possam fazer progressos significativos em direção à sustentabilidade.
A pauta ESG (Environmental and Social Governance) está no centro da discussão mundial. Isso porque os impactos sociais de governança e, principalmente ambiental, gerados por indústrias ficaram mais evidentes para o mercado global. Tais medidas já têm resultado em mudanças reais na cultural organizacional de negócios. A transparência da cadeia de valor proporcionada pelo DPP é fundamental para esta mudança de modelos regenerativos.
Impacto Global – Incentiva um ciclo de vida circular do vestuário estendido, fornecendo informações detalhadas sobre os materiais do produto. Como resultado as informações sobre como reciclar, reutilizar e reparar;
Reprime o greenwashing, incentivando as marcas a serem mais transparentes em cada ponto de fornecimento, tornando mais fácil para os auditores externos medirem os seus esforços e progressos.
Cadeia global impacto a nível mundial.
Para André Simões, o Passaporte Digital de Produto fornece a consumidores e empresas total transparência sobre o ciclo de vida do produto, o impacto ambiental e informações que podem ajudar a reparar ou reciclar uma peça de vestuário de forma responsável:
Ele está trazendo para o usuário a cadeia produtiva. Esse é um assunto que se pega da base filosófica tratando de que não se descarte de maneira incorreta porque, tendo esse passaporte digital, vamos saber quem é o responsável por poluir algumas áreas – André Simões
André Simões relatou um case interessante no qual o Passaporte Digital de Produto teria sido importante. Ele contou que o presidente da Electrolux estava visitando uma fábrica no Brasil e viu muito isopor (polietileno expandido) utilizado para embalar eletrodomésticos espalhado e prestes a ir para o rio. Ele perguntou por que a marca estava ali, com isopor descartado sem responsabilidade, e logo começaram a fazer uma busca por solventes mais verdes para que pudessem aproveitar esse material polimérico.
O “case” do professor Sergio Baltar também impressiona – e também é mais um caso testemunhado por um estrangeiro: “Há alguns anos, eu recebi um amigo japonês e, andando pela área do Maracanã, nos deparamos com um sofá vindo pelo rio. Ele brincou dizendo que nós não usávamos barcos, mas sofás. Para explicar para ele como aquele móvel foi parar ali… Quem foi o responsável por aquilo? Aqui a gente se desfaz do problema, entrega para o catador ou para o Estado. O Passaporte Digital de Produto é fantástico, é muito mais do que se vê, é uma filosofia para mudarmos a cultura da nossa sociedade. Poderíamos ter algum código que nos dissesse de quem era aquele sofá”.
Adriano Passos, coordenador da área de Inovação e Fibras, fala sobre a necessidade de um processo de conscientização das pessoas:
Esse projeto começa lá atrás para que as pessoas tenham compromisso e engajamento. Começa na infância e vai conscientizando. É necessário rastrear, concordo, mas tem que fazer um trabalho educacional também. E esse passivo que nós temos exposto na natureza, como eu consigo trabalhar isso, que solução eu consigo dar? Esse passaporte vem para agregar – André Passos
Sergio Baltar conta que, no começo de sua carreira como desenvolvedor de produto, um dos trabalhos que pegou foi orientar alunos que queriam reciclar copinhos de sorvete. “Eu disse que era mais fácil não usar o copinho e que há 50 anos eu tomava sorvete na casquinha de biscoito. Eles ficaram me olhando e eu perguntei por que não faziam a proposta de voltar à tradição. ‘Vocês não têm estrutura para fazer a reciclagem dos copinhos’. O desenvolvimento de produtos vai muito além de pensar em reciclar lá na ponta algo que produziu, mas em estruturar para aquilo não causar dano no futuro. Quando falamos de desenvolver produto, já temos que pensar nisso”.
O Passaporte Digital de Produto vai ajudar muito a dar responsabilidade às pessoas com relação às coisas. É disso que a gente está falando aqui, de filosofia e de cultura, e é disso que precisa – Sergio Baltar
Danielly Mendes concorda. Ela acredita que a entrada da obrigatoriedade do Passaporte Digital vai causar essa transformação no início do processo, no design, no nascimento do produto:
Os produtores já vão começar a pensar a longo prazo em todo o percurso que o produto vai percorrer durante a vida inteira já que, agora, ele terá a obrigação de ter a sua rastreabilidade aberta ao acesso dos consumidores e dos fornecedores; ou seja, a toda a sociedade. Esse dispositivo vai ajudar também os empresários, as indústrias a protegerem seus produtos, porque o investimento em inovação, em novos produtos é muito grande. E vai proteger o consumidor, que terá a garantia de que aquele produto cumpriu todos os requisitos normativos e de obrigatoriedade para que pudesse estar na prateleira com a qualidade necessária – Danielly Mendes
Outra boa ideia é fazer o registro dos produtos na blockchain. “O que é registrar na blockchain? É como se eu tivesse uma nuvem e um computador central no qual tudo que foi usado na produção de um óculos, por exemplo – o insumo, o processo produtivo, as pessoas que trabalharam – estivesse registrado. E o que está na blockchain não pode ser mudado.
A partir do momento em que você produz algo e registra na blockchain, não há como voltar atrás. Isso dá muita confiança naquilo que você está usando e acabaria com a pirataria – Sergio Baltar
Então como uma pessoa que usa um macacão de tyvek ou um uniforme anti-chama vai reaproveitar isso? Fazendo pano de chão? “Não. Mas pode levar para outros segmentos, pode valorizar esse tipo de material, já que é um material nobre. ‘Ah, tem fibra e celulose, vamos retornar isso para roupa?’ Também não. Pode fazer tijolo, piso, madeira plástica, um compósito utilizando essa fibra para poder usar como reforço. Tem muita solução. E fica um gancho, a parte de bioeconomia. O Brasil é rico, com vários subclimas que têm diversos tipos de materiais com potencial de uso. E isso pode substituir um pouco que se tem e ter algo mais leve gerando oportunidade”, observa Adriano Passos.
“Sempre que se cria uma tecnologia alguém fala que pode acontecer alguma coisa. Quando estamos diante de algo novo, tudo pode acontecer”, diz o professor Sergio Baltar, aproveitando para contar uma história interessante sobre a criação do automóvel: “Quando os carros começaram a circular, bandidos usaram aquele tipo de veículo para assaltar bancos. A sociedade reagiu afirmando que tinha que acabar com os carros porque estavam sendo utilizados para roubar bancos. Não era isso, era porque a polícia não tinha automóvel. Então, os policiais passaram a ter também. Quando se desenvolve um produto, ele pode ser utilizado por todos os lados. Nós pensamos sempre positivo, não vamos trazer para o lado negativo”.
A moderadora Danielly Mendes gostaria de avaliar os impactos dessa tecnologia fazendo um recorte para a nossa indústria têxtil. “Eu vejo que essas tecnologias vão trabalhar muito com os três pilares, os três Rs (Reciclar, Reutilizar e Reparar), forçando as empresas a fornecer informação sobre como atuar dessa forma. A canequinha do NuSEC é um bom exemplo. Foi feita com fibra de coco. Agregada a ela há uma etiqueta com uma utilidade: carregar uma semente para plantarmos. Até na etiqueta desse produto foi pensado o que vai ser feito. Isso tem tudo a ver com economia circular”.
Já sobre os impactos globais para a indústria têxtil, o coordenador da área de Inovação e Fibras, Adriano Passos, ressalta que é preciso entender o que está acontecendo lá fora: “Entendendo os passos, as estratégias, a gente traz para o Brasil e vê o que faz sentido. Nós temos uma diversidade de oportunidades (vários têxteis, corantes, compósitos). A gente precisa fazer um plano de ação para saber o que pode fazer de imediato. A gente tem aqui cacau, açaí, castanha do Pará. O Brasil tem e no exterior não tem. Será que a regulamentação que está se colocando lá fora se encaixa à nossa realidade?”
E não podemos esquecer do greenwashing, aquela estratégia que algumas empresas usam de criar uma falsa imagem de responsabilidade ambiental para se passarem por verdes enquanto praticam atividades nada sustentáveis por trás de suas publicidades, propagandas etc. O professor André Simões dá o exemplo de uma marca de celulares que afirmou que estava pensando na sustentabilidade ao não incluir os carregadores como acessório obrigatório. “É muita cara de pau”, observou.
O professor Sergio Baltar também tem um case interessante sobre greenwashing para contar: “Eu estava dando uma aula de desenvolvimento de produto e disse aos alunos que eles podiam mascar o papel que envolvia o chiclete Trident, pois também era comestível. Mas a marca tinha parado de fazer assim. Passei por um greenwashing porque acabei comprando a ideia da empresa e não tinha nada daquilo, eles tinham parado. Essa é uma prática muito comum de algumas companhias quando necessitam mostrar sua marca: ‘Eu sou verde, meu produto acaba naturalmente’. O Passaporte Digital vai acabar com esse tipo de coisa”.
É bom, porque o nível que o Brasil aumentou utilizando sua biodiversidade é impressionante. “Os valores de exportações e importações consequentemente tiveram um grande aumento com as novas descobertas. Há diversas empresas conhecidas do ramo de cosméticos que descobriram uma série de novos produtos da biodiversidade. A própria indústria têxtil tem a questão de novos insumos com alguns aditivos, alguns corantes, alguns pigmentos. Isso tudo veio da natureza e isso aumenta mais ainda a questão da produtividade”, afirma o professor da Faculdade SENAI CETIQT.
Ele lembra, ainda, que quase perdemos o açaí por uma questão de patente: “Alguém patenteou o nome açaí lá fora. Se tivesse uma blockchain na época seria bem interessante”. Sergio Baltar dá o exemplo da cachaça: “É um exemplo de produto que perdemos e está sendo vendido no exterior. Temos uma biodiversidade muito grande. Precisamos aproveitar isso e a blockchain sendo esse registro vai dar mais segurança para a indústria nacional com relação a colocar produto lá fora. Porque existe muito isso hoje, você fazer alguma coisa aqui, vai para fora e é um grande download. Copiam e o registro acaba ficando para outro. O passaporte digital vai dar uma segurança maior para o próprio fabricante”.
A pirataria é também uma questão de consciência. Passa por conscientização, estruturação. “É necessário conscientizar mais as pessoas sobre o que está acontecendo. Quando compramos uma calça de 150 reais por 50 reais, que é um terço do preço, estamos tirando um pai de família de dentro de uma fábrica, é uma fábrica que estamos fechando. E vai impactar na economia local e numa série de desdobramentos”, acredita Adriano Passos. “Quando se fala do passaporte é muito mais profundo. Não é só o fato de valorizar o material fazendo um direcionamento responsável. Na verdade, estamos mexendo com vidas”.
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