Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

produzindo nossa reportagem especial sobre Mulheres Imigrantes Na Costura, a pesquisa sobre o capital humano na indústria da moda foi ainda mais intensa. Ressignificação de trabalho, indústria 4.0, novos modelos de negócios e organizações sociais, além de como as empresas de moda precisam se engajar para além da geração de renda e da responsabilidade social, delinearam meu entendimento sobre caminhos possíveis para a solução da exploração da mão de obra, principalmente feminina.

A produção da reportagem coincidiu com o momento do primeiro encontro do Laboratório de Moda Sustentável, uma iniciativa inédita da indústria da moda em articular diversos players para a construção de uma moda mais sustentável, justa e ética, da qual tenho a honra de estar participando. A troca intensa com diversos pontos de vista e questões enfrentadas por pessoas e empresas da área, me levaram ainda mais a acreditar nesses caminhos como rotas que precisam ser trilhadas para chegarmos nesse objetivo comum.

Em maior ou menor escala, essas três ações se mostraram imprescindíveis para marcas de moda que desejam ser mais sustentáveis e para as empresas que buscam sua relevância no futuro, mesmo que não se importem com sustentabilidade hoje. Sem dúvidas, são caminhos que extrapolam os limites do lugar comum e do modo como estamos fazendo moda e, em grande parte, até mesmo do modo como estamos fazendo moda “sustentável”, “ética” ou “consciente”. Porém, para mudanças reais e significativas, não há como escapar do fato de que precisamos de um remanejamento radical nas lógicas de produção (que se refletirão, e vice-versa, nas lógicas de consumo), ainda que este seja feito de maneira compassada. Horizontalidade, ressignificação do trabalho e engajamento social estão intrinsecamente conectados entre si e com uma moda sustentável.

Esse artigo está conectado com nossa cartilha “Como Se Engajar”, resultado da reportagem especial Mulheres Imigrantes Na Costura: A Cadeia Produtiva de Moda Sob Uma Perspetiva de Gênero.

Horizontalidade

O estilista Renan Serrano vem articulando sua empresa de forma a quebrar a hierarquia trabalhista vigente. Após ir estudar arquitetura no Japão em 2015, Renan, que é dono da marca de roupas sem gênero Trendt, voltou ao Brasil com novas ideias sobre ética e eficiência para aplicar em seu negócio. Ele dispensou todos os funcionários da antiga fábrica, que ficava entre o Bom Retiro e Brás, em São Paulo, e dividiu o maquinário em três setores: de modelagem, confecção e estamparia, doando-os ao gerente de cada área, que puderam montar suas próprias oficinas de costura. Renan começou a pôr em prática a chamada sociedade horizontal, no qual a hierarquização de cargos não acontece. Na sociedade horizontal, que ele defende como um meio de combater os abusos cometidos por empresas de moda, os trabalhadores tem maior autonomia e a dinâmica da empresa é feita de outra forma.

Quando pessoas são remuneradas apenas como ‘peças’ de uma linha de produção, o capital humano e criativo é desvalorizado.

Talvez um bom exemplo da sociedade horizontal sugerida por Renan e, em partes, já em prática hoje seja a fábrica grega Viome, uma filial que funcionava com 350 funcionários até quebrar completamente em 2011 e a planta ser abandonada pela matriz. Alguns funcionários decidiram continuar trabalhando, mas mudaram totalmente as relações internas e com a comunidade local. Como explica o jornalista Aditya Chakrabortty, que passou dois dias na fábrica para conhecer melhor o seu funcionamento, “ninguém é chefe. Não há hierarquia e todos recebem o mesmo salário. […] todos se reúnem às 7h para um café preto e um bate-papo sobre o que precisa ser feito. Só então as tarefas do dia são divididas. E, sim, eles se revezam para limpar os banheiros”. Eles também deixaram de produzir os químicos para construção altamente poluentes e que agrediam a própria comunidade, e passaram a fabricar sabonetes e produtos de limpeza eco-friendly.

Como aconteceu em Viome, esse modelo de organização horizontal, ou de produção social, acabaria com práticas de trabalho inseguras porque ninguém estará disposto a trabalhar em um local perigoso em uma função extremamente insalubre. Tansy Hoskins lembra que dentro desse modelo de produção o então dono do Rana Plaza estaria trabalhando lá como todos os outros funcionários e sua vida também estaria em risco. A horizontalidade pode trazer outros benefícios como diversificação do trabalho e o fim da superprodução para enriquecimento de quem está no topo.

A grande dificuldade está em pensar numa sociedade horizontal e em métodos de produção social dentro do sistema hierárquico operante. Em lugares onde outros modos de organização se fazem necessários, como no caso da Grécia e nas cooperativas e associações de zonas periféricas, alternativas organizacionais prosperam e funcionam, mas como mudar as lógicas de produção numa indústria como a da moda, que opera a toda vapor gerando lucros milionários?

Para Julia Toro, do Instituto Ecotece, responsável por aproximar marcas de grupos produtivos, é imprescindível balancear as relações de poder na cadeia de produção. Para a moda, isso significa, por exemplo, que estilistas, costureiros, modelistas e afins devem trabalhar de maneira mais próxima, inclusive na parte de criação dos produtos, que normalmente fica a cargo apenas do estilista, designer ou equipe de estilo. O desequilíbrio nas relações de poder reflete inevitavelmente na menor distribuição de renda. Quando pessoas são remuneradas apenas como ‘peças’ de uma linha de produção, o capital humano e criativo é desvalorizado.

Ressignificação do trabalho

Para caminharmos rumo a uma moda criativa, descentralizada e sustentável, é importante entendermos também a necessidade da ressignificação do trabalho. Um trabalho exaustivo e que acarreta danos à saúde física como a costura, precisa ser imbuído com significado. Fundadora do Ethical Fashion Forum/MySource e promotora da moda sustentável há 10 anos, Tamsin Lejune lembra que não basta pensarmos em melhores condições de trabalho – principalmente em tempos de avanço na tecnologia de produção de produtos de moda automatizada – precisamos pensar em trabalho com significado e isso significa incentivo de capacitação das pessoas para trabalhos técnicos, manuais e criativos que não podem ser feitos por máquinas ou não fazem sentido serem feitos por máquinas.

A chamada indústria 4.0 nos obrigará a pensar sobre isso se não quisermos enfrentar os efeitos nocivos da inegável automatização. Em entrevista à Vice, Leila Janah, empreendedora social e CEO da SamaSource, uma empresa que liga comunidades de baixa renda em todo o mundo a melhores empregos, muitas vezes no setor digital, afirma que “qualquer coisa que não seja baseada em habilidades, tudo que suga emocionalmente e seja taxativo, se nós conseguirmos automatizar esse tipo de trabalho, melhor”. Porém, isso requer uma mudança sistêmica. Janah ressalta, por exemplo, que empresas sem pessoas devem pagar impostos maiores para suportar custos de treinamento, renda universal e outras metas sociais. Ela também acredita que as pessoas devem ser encaminhadas para trabalhos dignos, como o design artesanal, trabalhos na área de tecnologia e cuidados com idosos. O trabalho alienante de costurar um lado de milhares de camisetas em um movimento único, dia após dia, acabaria.

Na mesma matéria, Carnegie Mellon’s Bourne, responsável por trabalhar com engenharia e o aspecto econômico da automatização na indústria do vestuário, acredita num modelo que una automação mais ressignificação do trabalho onde robôs e humanos trabalham juntos. “O modelo certo seria descentralizar as fábricas, criando pequenos pólos de fabricação em todo o mundo. Então, as pessoas podem pedir roupas online perto de suas casas, o que seria feito predominantemente por robôs e pessoas nesses centros. Os robôs, nesses casos, podem fazer algumas das maiores tarefas de corte e custura, enquanto as pessoas trabalham nos detalhes mais finos, atendimento ao cliente e design”, afirma ele.

QUALQUER COISA QUE NÃO SEJA BASEADA EM HABILIDADES, TUDO QUE SUGA EMOCIONALMENTE E SEJA TAXATIVO, SE NÓS CONSEGUIRMOS AUTOMATIZAR ESSE TIPO DE TRABALHO, MELHOR.

Apesar de longe de ser predominante, esse caminho já está sendo pavimentado por algumas iniciativas importantes como aponta Regina Magalhães, executiva de sustentabilidade, em seu texto sobre o assunto. O MIT Inclusive Innovation Challenge premia empresas que utilizam tecnologias para promover a inclusão social e 99 Degrees Custom, premiada de 2016 e responsável por produzir para gigantes da moda esportiva, tem 50 empregados que utilizam máquinas de costura ultrassônicas. Como Regina ressalta no texto, a 99 Degrees Custom, precisa de empregados com capacidade de solucionar problemas, que ouçam como empreendedores e pensem como engenheiros.

Entretanto, a ressignificação do trabalho não precisa vir só por meio da tecnologia e altos investimentos financeiros. A estilista Flávia Aranha é um dos nomes que tenta resgatar os saberes têxteis que estão se perdendo e são cada vez menos valorizados por meio da valorização desse conhecimento manual. Outro projeto, a Artesol, tem uma missão parecida: promover e valorizar o artesanato de tradição brasileiro e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico dos artesãos. Afinal, fazer moda em toda sua complexidade social e filosófica deveria ser muito mais sobre significado e muito menos sobre roupas sendo produzidas aos bilhões.

Engajamento social

As marcas precisam ser cada vez mais engajadas, expandindo sua responsabilidade para além da geração de emprego. E isso não significa fazer campanhas de marketing filantrópico – em esquemas compre um doe outro que nada ajudam, de fato, no empoderamento social e econômico das pessoas. Educação, capacitação, distribuição de lucros, apoio ao desenvolvimento familiar dos funcionários, envolvimento com projetos de desenvolvimento social por meio do trabalho, incentivo e desenvolvimento de jovens aprendizes, responsabilidade com equidade de gênero e raça são algumas das medidas que podem ser tomadas por marcas que queiram ser mais responsáveis e sustentáveis.

Fazer moda em toda sua complexidade social e filosófica deveria ser muito mais sobre significado e muito menos sobre roupas sendo produzidas aos bilhões.

Ao invés da responsabilidade social como a conhecemos, normalmente limitada a um departamento que pouco dialoga com a cultura empresarial e com a gestão de quem está no topo, o engajamento social articula para além de ações que buscam criar uma boa imagem e chega a ações que buscam criar uma melhor sociedade, agindo nas causas dos problemas e reconhecendo que, muitas vezes, as empresas em si são responsáveis por perpetuar esses conflitos.

Apesar de longe de serem ações perfeitas, iniciativas de engajamento social nesses âmbitos já existem. É o caso do novo programa da Dior com o Business Of Fashion, que busca desenvolver mulheres líderes na moda e diminuir as desigualdades de gênero dentro da indústria, os programasda C&A e Instituto C&A de empoderamento social e engajamento dos próprios funcionários nas pautas e o modelo de produção da Pano Social são alguns dos exemplos que podem ser replicados ou servirem de certa inspiração para marcas de igual ou menor tamanho. 

SOBRE A AUTORA

Marina Colerato

Fundadora do Modefica interessada em movimentos sociais, é formada em Design de Moda, mas sempre teve um caso sério com o jornalismo. Escreve desde matérias e textos mais sérios, normalmente sobre sustentabilidade na moda, sua área de pesquisa, até artigos descontraídos. Às vezes compartilha suas receitas preferidas também. Você pode segui-la no Instagram e Facebook.

http://www.modefica.com.br/combate-exploracao-de-pessoas-na-moda/#....

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A intenção é boa, mas visitem a feirinha da madrugada no Brás e verão o que é exploração

 e falta de governo.

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