Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A Indústria da Moda Brasileira e Seus Principais Desafios Para Sustentabilidade

A indústria da moda brasileira é bem particular. Tendemos a pensar que a roupa que compramos aqui é produzida em outros países, principalmente países asiáticos. Porém, a verdade é que a indústria da moda brasileira é um pouco mais complexa do que isso.

Os últimos dados divulgados pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), de 2017, totalizaram 8,9 bilhões de peças produzidas e 6,71 bilhões de peças consumidas em solo nacional, com uma porcentagem tímida de cerca de 15% de itens importados. 1 Além de sermos autossuficientes na produção de vestuário, o Brasil é hoje o 5º maior produtor têxtil e 4º maior confeccionista do mundo 2.

Esses números são aproximados, mas ajudam a esclarecer a realidade: produzimos o que consumimos. Com exceção de alguns tipos de tecidos, que têm uma alta taxa de importação de fato, nossa moda é majoritariamente feita no Brasil. “A gente tem todos os elos da rede produtiva aqui. Desde a produção de algodão, se a gente estiver falando de uma fibra natural, até o mercado consumidor. Poucos países do mundo têm todos esses elos inseridos dentro de uma mesma região”, explica Edmundo Lima, diretor executivo da ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil). 

Porém, fazer nossa moda “dentro de casa” não significa que não temos problemas. Temos. Eles são diversos e desafiadores. A desigualdade social do país (que coloca pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica suscetíveis a trabalharem em condições degradantes), produção pulverizada, informalidade, equipamentos tecnológicos caros e um desconhecimento de como trabalhar com novas tecnologias, e dificuldade de união e articulação do setor pelos próprios desafios geográficos são alguns deles. Enxergar e entender nossas particularidades é um caminho necessário para traçar soluções efetivas. 

Produção fragmentada, informalidade e condições de trabalho 

Uma característica marcante da indústria da moda brasileira é que as quase 30 mil empresas responsáveis pelas confecções das peças são micro ou pequenas. Essa realidade dá margem para algumas questões não reproduzidas no exterior, como a separação das etapas produtivas. Em países asiáticos, por exemplo, é mais comum que uma peça inteira seja feita no mesmo parque fabril. Já no Brasil, a norma costuma ser o oposto disso. Uma empresa corta, a outra costura, a outra faz a lavagem do jeans, a outra estampa. 

Além da questão logística, essa fragmentação ajuda no fortalecimento do mercado informal com terceirizações e quarteirizações, dificultando a rastreabilidade da rede produtiva e compliance 3. Quando uma grande varejista terceiriza a confecção de, digamos, 20 mil peças do mesmo modelo, muitas vezes a fábrica contratada vai repassar essa produção para outras empresas menores para dar conta do pedido. No processo de terceirização e quarteirização, o risco dessas peças irem parar em oficinas completamente informais e até mesmo em trabalho doméstico 4 é gigantesco. 

Entrar no setor de confecção da moda não é difícil, basta uma máquina de costura e um pouco de habilidade. Os perfis das trabalhadoras e trabalhadores nessas condições variam, mas há dois grupos mais vulneráveis que se destacam: mulheres em condições de trabalho doméstico espalhadas pelos mais diferentes pólos produtivos do país e imigrantes latino-americanos nos grandes centros urbanos, principalmente em São Paulo. 

Ao olharmos para toda rede produtiva, a confecção é o setor mais sensível e vulnerável. Giuliana Ortega, Diretora Executiva do Instituto C&A, comenta alguns dos riscos encontrados nesta etapa de produção. “No Brasil, ainda temos desde questões mais graves e mais urgentes, como a existência de trabalho infantil e escravo, sendo as pessoas imigrantes as maiores vítimas, até outras questões muito sérias como o trabalho doméstico, onde as trabalhadoras ficam sem os seus direitos garantidos e fazem jornadas excessivas, dentro das suas próprias residências, sem controle algum de horas trabalhadas”, explica ela. 

O desafio do mercado informal

Outra particularidade nossa é que o varejo, ou seja, a venda de roupas, não está concentrada na mão das grandes redes e grupos varejistas como acontece nos Estados Unidos e Europa. Segundo dados da ABVTEX, grandes lojas de departamento representam cerca de 25% do varejo brasileiro. A outra parcela está majoritariamente nas mãos das micro e pequenas empresas, além do mercado informal. 

Camelôs, sacoleiros, a Feira da Madrugada, em São Paulo, ou portinhas espalhadas pelo Brasil e existindo na informalidade representam ⅓ do mercado 5 da moda brasileira. São peças produzidas e vendidas sem nenhuma regulamentação. Nesses locais, muitas vezes, é onde se encontram os piores casos de trabalho forçado. Por não estarem vinculados a grandes marcas, eles costumam passar despercebidos pela sociedade.

Além disso, Lima destaca que o comércio informal abre um vácuo na concorrência entre empresas que seguem todos os regramentos legais e as que não seguem. “Muita gente vem de ônibus, compra uma quantidade grande de produtos, seja no comércio legal ou não, voltam às suas cidades para comercializar essa mercadoria de maneira completamente informal, com sonegação de imposto, sem registro dos trabalhadores envolvidos”, explica. Por sua vez, quem consome essa roupa não faz a menor ideia sobre como ela foi produzida. 

O trabalhador que se sujeita a estas condições, muitas vezes, não possui outro modo de subsistência e passa a alimentar um comércio ilegal. “Para um camelô abrir uma banquinha, não é algo poético como ‘estou precisando, pego umas roupas para vender’. Hoje, para ocupar um espaço público não é simples, envolve muitas questões, desde segurança pública, informalidade, pirataria, até corrupção”, reforça Lima.

Uma rede produtiva pulverizada, informal e pouco fortalecida não resulta apenas num problema de ordem social. Se as pessoas não entram na conta, o meio ambiente menos ainda. Em grande parte dos casos, não há controle sobre resíduos da produção, uso de água e de químicos, muito menos qualquer possibilidade de se falar em logística reversa ou redesenho de modelo de negócio. 

Outros desafios: tecnologia, atuação em silos e modelo de negócio 

Saindo do âmbito da fragmentação e informalidade, há outros desafios. Um deles é uma dose de amadorismo que permeia o setor, tornando-o pouco apto para responder com agilidade às demandas do mercado. Para Christina Rangel, Consultora Técnica do Senai-CETIQT, “grande parte das empresas não sabem entender seu público e não têm nenhuma definição [desse público]. Como você vai produzir algo pra quem você nem sabe quem é?”. 

Análise de dados pode ajudar nesse processo, mas isso ainda é distante da realidade da indústria nacional e é algo que o Senai-CETIQT tem tentado trazer mais pra perto das empresas. É preciso aprender fazer uso dos recursos tecnológicos já disponíveis para entregar produtos mais assertivos. Isso diminui estoques e perdas, economizando uma boa dose de recursos naturais e financeiros. 


Para ocupar um espaço público não é simples, envolve muitas questões, desde segurança pública, informalidade, pirataria, até corrupção.

EDMUNDO LIMA

Depois de produzir peças que realmente contemplem os desejos do público, o desafio é quebrar a mentalidade e atuação linear da moda.  Um desafio que não se limita ao âmbito nacional, mas à indústria da moda global. Extrair, produzir e descartar é um modelo que está deixando de fechar a conta, mas os desafios para circularidade da moda vão além da responsabilidade extendida pelo produto. “Você tem que repensar escolhas dos materiais, trocar o algodão por algodão orgânico, usar menos químicos e químicos mais seguros, usar menos água no processo, pensar num produto que, ao final do seu uso, possa voltar para o ciclo”, destaca Ortega.

Muitos desses desafios estão tentando ser superados em silos, ou seja, cada um fazendo a sua parte. Os problemas são compartilhados, mas as soluções normalmente não são. Um macroambiente alinhado com todos os conceitos da sustentabilidade depende de uma grande conexão com todos os elos da rede produtiva, indo até o varejo como salienta Fernando Pimentel, Presidente da Abit, ao afirmar que “a visão de sustentabilidade tem que ser uma visão sistêmica. Não é só um elo, são todos os elos trabalhando juntos para que as estratégias de atuação convirjam e se materializem”.

Texto
  • Marina Colerato
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