Produtores do interior da Paraíba colhem os frutos do investimento em cultivo do insumo voltado à indústria têxtil premium.
A certificação GOTS é como uma oportunidade de expansão em mercados de alto valor (Crédito: Divulgação)
A certificação GOTS é reconhecida globalmente e impõe padrões ambientais e sociais rigorosos que permeiam toda a cadeia de produção, desde a colheita da fibra de algodão até a comercialização dos produtos finais. A auditoria que avaliará a conformidade do algodão orgânico produzido em Ingá aconteceu em outubro, e, se aprovada, consolidará a cidade como um centro de referência internacional no setor têxtil sustentável.
Mas o “Dia da Colheita” não é apenas uma comemoração. Trata-se do reflexo de uma trajetória que impulsiona a cidade para o mercado global de moda sustentável. A primeira edição do evento, realizada em 2022, marcou a entrada do algodão orgânico de Ingá no circuito industrial, um feito impulsionado pelo desenvolvimento da agricultura familiar e da comunidade quilombola local. Com a visibilidade e a confiança conquistadas, a cidade firmou parcerias com nomes de peso da indústria têxtil, como Companhia Industrial Cataguases (MG), Dalila Têxtil (SC), Natural Cotton Color e Texpar, o que garantiu à Cooperativa dos Agricultores do Município de Ingá e Região (Itacoop) a aquisição de uma moderna máquina de beneficiamento de algodão.
Esse equipamento elevou a produtividade de 225 para 4 mil quilos de rama de algodão por hora, reduzindo o tempo de beneficiamento de meses para apenas algumas horas. O resultado foi o fortalecimento econômico de Ingá e uma verdadeira revolução industrial no campo, que, até então, realizava todo o beneficiamento manualmente. “O interior da Paraíba está recuperando seu status de polo produtor de algodão orgânico global graças ao incrível trabalho que os empresários locais estão engajados”, disse à DINHEIRO RURAL a empresária Francisca Vieira, fundadora e CEO da Natural Cotton Color. Ela também é presidente da Associação Brasileira da Indústria da Moda Sustentável (Abrimos).
Nesse contexto, a assistência técnica fornecida pela Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer Regional) foi essencial para o crescimento da adesão ao cultivo do algodão orgânico, que teve um aumento de 400% nos últimos três anos. Em 2021, eram apenas sete famílias engajadas na produção. Hoje, esse número saltou para 28.
Além disso, o algodão é cultivado em consórcio com outros alimentos, como feijão, milho e jerimum, mantendo a soberania alimentar da região e diversificando a produção agrícola. Esse sistema promove uma sustentabilidade integral, com garantias de compra pelos parceiros do setor têxtil, que reconhecem o valor do produto ao investir na preservação ambiental e na promoção social.
Francisca Vieira destaca que a certificação GOTS é como uma oportunidade de expansão em mercados de alto valor. “O preço por quilo pago pelas empresas envolvidas no projeto já é o maior do Brasil. A certificação GOTS deve garantir acesso a novos mercados nacionais e internacionais, além de ampliar as áreas de cultivo para atender à demanda crescente”, explicou.
Vieira trabalha pela conquista dessa certificação desde 2017, quando iniciou as negociações na Alemanha para trazer o selo para o Brasil, que na época ainda não possuía uma certificadora credenciada.
A obtenção do selo GOTS será um marco, não apenas para Ingá, mas para a indústria têxtil brasileira, que há anos busca alternativas sustentáveis ao modelo de fast fashion. Considerada uma das mais poluentes do mundo, a moda tradicional usa em larga escala o poliéster, um material derivado do petróleo, o que agrava a crise climática e aumenta a poluição ambiental. O cultivo de algodão orgânico representa uma solução viável e com menor impacto, que vem ganhando popularidade entre consumidores e empresas comprometidos com práticas ecológicas.
● O cultivo de algodão na Paraíba remete ao início do século XX, quando o estado era conhecido como a “Liverpool Brasileira” devido à sua importância na produção e exportação de algodão, semelhante ao que a cidade inglesa representava para o comércio global.
● O evento “Dia da Colheita” não apenas celebra o futuro sustentável do algodão, mas também busca resgatar esse passado glorioso, destacando o papel econômico e cultural que o algodão sempre teve para a região.
● A comemoração teve como objetivo inspirar o conceito de economia circular, demonstrando que é possível produzir moda de alta qualidade com base em pilares de sustentabilidade.
● Este modelo inclui o uso de insumos de baixa poluição, reciclagem e reaproveitamento de materiais, além de promover condições dignas para os trabalhadores e agricultores locais.
● Dentro da programação, o momento mais esperado foi o desfile de moda no campo, onde peças confeccionadas com o algodão de Ingá foram exibidas.
“Esse desfile é uma forma de conectar o agricultor ao resultado de seu trabalho, revelando o valor transformador que o algodão orgânico agrega à cadeia de moda sustentável, muito além de ser visto como uma simples commodity”, disse Vieira.
POR HUGO CILO - EDITORA 3
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