Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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A 24 de janeiro de 2018, a fábrica da Triumph encerrou. Mais de 460 trabalhadores ficaram sem emprego. Durante 20 dias, as mulheres que lá trabalhavam guardaram as instalações para garantir que conseguiam recuperar os salários em atraso e as indenizações a que tinham direito. Mónica foi um dos rostos desta luta.

Foto: Diana Quintela/Global Imagens


"Mónica Antunes, 42 anos, trabal... ex-trabalhadora da Triumph Internacional". Mónica ainda hesita em dizer que é "ex". "Foram 18 anos, não foram 18 dias. De vez em quando ainda dizemos que somos trabalhadoras. Mas não - ex-trabalhadora". Fala de cabeça erguida; o orgulho e a confiança de quem permaneceu 20 dias, à chuva e ao frio, a guardar a fábrica para garantir os direitos dela e de outros 462 trabalhadores.

As ameaças começaram em 2015. Foram dois anos de angústia até janeiro de 2017, quando a empresa foi comprada pela Gramax TGI. "Se até aí era estranho, a partir daí ficou pior. Nós não fomos vendidas ou compradas - fomos doadas. Ainda por cima a uma empresa que não tinha historial nenhum no setor têxtil, nem tinha clientes". O trabalho era cada vez menos e no final das férias de verão em 2017, a situação agravou-se. "As pessoas estavam paradas a olhar umas para as outras. Dias e dias sem fazer nada. E uma pessoa que está habituada a trabalhar numa linha de produção, com um ritmo intenso, de repente vê-se parada, a olhar para o ar...".

Não havia nenhum sinal de que as coisas iam melhorar e no final do ano o salário deixou de cair na conta. No regresso das férias do Natal, a 5 de janeiro, o pior aconteceu. Mónica lembra-se bem, estava numa consulta médica e o telefone não parava de tocar. Uma colega da fábrica ligava para dizer que alguém estava a tentar levar da fábrica material e máquinas. Nesse dia, perceberam que tinham de ser elas a assegurar os seus direitos. Perder o material que ainda restava podia significar perder os salários em atraso e as indemnizações de anos de trabalho. Era preciso lutar. Entre elas, organizaram turnos de 4 horas para guardar a fábrica. Dia e noite, à chuva, ao frio. Cedo perceberam que o processo ia demorar. "Ao princípio foi fácil. Mas ao fim de uma semana, 12 dias...".

Mónica não esquece o apoio que tiveram, que chegava de todo o lado, de pessoas que nunca tinham visto. "Até as crianças que nos viam na televisão pediam aos pais para irem lá porque lhes fazia confusão estarem ali mães", conta. Foi uma luta de mulheres. "Tenho um orgulho imenso de ter conhecido mulheres com tanta força. Nunca subestimem a força da mulher! Aqueles 20 dias à porta da empresa abriram também caminho para outras mulheres porque têm sido sempre as mais prejudicadas, mesmo em termos de trabalho e de remunerações".

Na primeira semana, a adrenalina e o sentido de justiça iam buscar forças onde pareciam não existir. Mas os dias foram passando. Foi a energia que passaram umas às outras que lhes permitiu aguentar. Mónica não se esquece de um dia em particular, 15 de janeiro, quando a empresa deixou de dar o almoço às funcionárias. "E agora o que é que se faz? Havia cenouras, umas deram um euro, outras o que tinham à mão e foram ao supermercado comprar legumes, Fez-se ali uma sopa... estava maravilhosa! Nunca chorei e às vezes com um cansaço, com uma revolta... Em frente das minhas colegas, nunca chorei. Naquele dia, pego na minha tigela de sopa e desvio-me para um canto. E uma lágrima estava a querer correr pela cara. Aquela imagem magoou-me tanto... Fazia lembrar o tempo dos meus avós. Como é que era possível chegarem ao ponto de nos tirar a comida! Mulheres que deram uma vida por aquela empresa e é-lhes cortada a alimentação. É de uma falta de humanidade e de respeito, que por muitos anos essa imagem vai-me perseguir".

Ao longo de 20 dias, não descansaram. Deram entrevistas, criaram uma conta solidária para apoiar as colegas que mais precisavam, pediram uma audiência ao Presidente da República, foram ao Conselho de Ministros lembrar que existiam, que estavam lá, que não iam baixar os braços. No dia 24 de janeiro, um carro estacionou à frente da barreira que impedia a entrada da fábrica. Era a administradora de insolvência. "Foi assim um boom!". Já podiam descansar; a fábrica estava segura. "A partir dali já podíamos respirar. Já não ia depender de nós. Era aquilo que queríamos. Nós fizemos o papel do Estado e da Polícia. Eles é que deviam guardar, não nós".

Um ano depois, a luta ainda não terminou. Falta pagar as indemnizações às funcionárias. "Queria que o processo já tivesse completo, para as pessoas poderem seguir em paz porque algumas ainda estão presas ao passado", desabafa. "Não é o meu caso; eu quero seguir em frente, pôr uma pedra".

Um ano depois, a vida de Mónica mudou. Deu palestras em universidades, fez formações, teve aulas de inglês, agora está a terminar o 12.º ano e depois, a Faculdade. Não quer voltar para a costura - quer olhar em frente, sem baixar os braços, como uma mulher da Triumph. "Eu e as minhas colegas vamos continuar sempre a ser as trabalhadoras da Triumph. Independentemente do que nos fizeram, sempre tivemos muito orgulho do que fomos e fizemos", garante, "acredito que as mulheres da Triumph fizeram História, contribuíram para a História do nosso país".

https://www.tsf.pt/sociedade/interior/as-mulheres-da-triumph-fizera...

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  Um ano depois, a luta ainda não terminou. Falta pagar as indenizações às funcionárias. "Queria que o processo já tivesse completo, para as pessoas poderem seguir em paz porque algumas ainda estão presas ao passado", desabafa. "Não é o meu caso; eu quero seguir em frente, pôr uma pedra".

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