Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Como a moda se adaptou ao novo cenário com "escapismos possíveis”

Desfiles de Nova York deram o start para os novos rumos da moda pós-pandemia no próximo verão, sem largar as mãos do que é seguro. Uma nova definição para os “escapismos possíveis”.

Escapismos possíveis (Foto: Divulgação/ THOM BROWNE)
Escapismos possíveis (Foto: Divulgação/ THOM BROWNE)

Quando Albert Camus escreveu sobre Sísifo, aplicando a antiga teoria do eterno retorno à imagem do mito grego, refletiu sobre a imagem do mortal que desafia os deuses e se vê condenado a passar a eternidade rolando uma pedra montanha acima só para vê-la escapar de suas mãos e ter de começar novamente. Em dado momento, o escritor faz provar que, apesar do absurdo da missão repetitiva, Sísifo é um símbolo de resiliência e, a seu modo, carregado de felicidade por conseguir enfrentar o peso da pedra contra a dureza da montanha, adotando a criatividade na repetição. Ao contrário do planejado pelos deuses com o castigo, ele é dono do próprio destino. 

As semanas de moda também têm seu lado de recorrência perpétua – e, como Sísifo, seguem tentando. Especialmente agora, depois de tantas temporadas cheias de restrições por conta das urgências pandêmicas, os desfiles ganham um gosto a mais de libertação. Por isso a NYFW, que abriu a temporada internacional de verão 2022, é tão simbólica. Não só por conta do retorno possível às apresentações presenciais, que deve se repetir em maior ou menor escala nas próximas fashion weeks ao redor do mundo – possivelmente, inclusive no Brasil –, mas também por um esforço deliberado de trazer de volta a Nova York estilistas americanos que desfilam em outras paragens, iniciativa que tenta reviver o combalido soft power do vestuário dos EUA

Um dos modistas “reimportados” é Tom Browne, que deixou de desfilar em Paris para armar espetáculo figurativo e atmosférico que reflete bem como a moda vem ruminando sobre esse mundo pós-pandemia. Além de sua alfaiataria impecável, Browne contou a história de um casal de gênero difuso que, isolado em casa, sente um mix de pavor e saudade do que há fora de seu jardim. É essa busca de “um lugar além do mundo externo”, como o estilista definiu, que norteou boa parte das coleções mais importantes de Nova York. Apesar de a cidade ter um retorno à realidade cotidiana ligeiramente controlado (ainda mais em comparação com a brasileira), o risco das novas variantes, os gráficos de infectados e as campanhas antivacinas deixam essa normalidade um tanto quanto difusa – e isso se refletiu nas passarelas. Se o mundo lá fora não parece tão bom, o que há além dele?

Escapismos possíveis (Foto: Divulgação/ Tom Ford)
(Foto: Divulgação/ Tom Ford)

Essa névoa sobre como será o ambiente daqui a um ano serviu para trazer os criadores mais perto do chão. Lembra as últimas temporadas, ainda digitais, quando muitas marcas investiram em superproduções oníricas e surrealistas, apostando e sonhando que estaríamos (hoje) em um mundo já liberto e libertino? Pois esse flop mostrou que a realidade é outra – e, ao botar os pés nas ruas, viu-se que as coisas não mudariam tão rapidamente. As crises amainaram, mas não desaparecerão no médio prazo. E lá foi Sísifo, buscar a pedra novamente.

Podemos ler como um escapismo possível, uma digressão controlada, uma vontade de dar certa graça na dura realidade. O mood é de roupas confortáveis, deixando os rigores da forma um pouco de lado

A moda para o verão 2022, segundo Nova York, é um mix de “estamos livres” com “nem tanto, mas daremos um jeito de viver mesmo assim”. Por isso, tanta gente baixou o tom de sua moda. Podemos ler como um escapismo possível, uma digressão controlada, uma vontade de dar certa graça na dura realidade. O mood é de roupas confortáveis, deixando os rigores da forma um pouco de lado. Depois de tanto tempo presas em casa, as pessoas querem é liberdade de movimento e leveza sobre os ombros. O tanto de franjas, estampas florais, vichy rosa e tons de cores alegres são as provas físicas dessa busca idílica. 

Não faltam exemplos, entre os lumiares do calendário, que se adaptaram a esse escoamento. A Rodarte, por exemplo, ressurgiu em versão amainada, cheia de vestidos prontos para montar uma seita de mulheres em um luau ao som do último disco da Lorde. A dupla da Proenza Schouler, olhando para o Havaí, desabalou a rigidez de suas silhuetas.

Escapismos possíveis
(Foto: Peter Do)

Tom Ford foi um dos raros que tentaram trazer um pouco mais de festa a essa nova versão de escapismo, no último show da temporada. “Going with a bang”, como eles dizem: prometendo uma reviravolta daqui a um ano, o veterano vê festa nas ruas e propõe joggings brilhantes e paletós ultracoloridos, misturando básicos e paetês no tapete vermelho da padaria.

Outros se aterraram como puderam. Michael Kors se apossou do Central Park, símbolo máximo da liberdade upper class local, enquanto Wes Gordon, diretor criativo da Carolina Herrera, comemorou 40 anos da marca revivendo os arquivos com leveza. A uruguaia Gabriela Hearst, que também assina a Chloé, se fortaleceu com presenças indígenas em colaborações criativas para sua label. Peter Do, comandando brilhante estreia na semana, falou sobre suas origens vietnamitas via trabalho de alfaiataria – e aproveitou para dar representatividade à massa de imigrantes orientais presente nos EUA, depois de tanta discussão recente por lá sobre preconceito racial contra essa comunidade. Em comum, cada um se conectou com suas bases e cuidou das raízes, como a experiência da quarentena mostrou ser essencial.

A ideia de empurrar um fardo morro acima repetitivamente pode não parecer agradável, ainda mais sabendo que ele pode escapar a qualquer momento. Mas a moda já soube resistir a tempos piores. Entre vírus e novas ondas, ela vai dando um jeito de se reencaixar, ainda tentando entender para onde vai a estética dos cancelados anos 2020. O sonho acabou? Não necessariamente. Ele só parece ter se tornado um pouco mais… palpável.

por Eduardo Viveiros

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