Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Conheça a geração de fashionistas que não tem vontade de entrar em uma loja nem pagar por uma roupa; prefere trocar, alugar, herdar e ressignificar

Jovens da geração Z vão aquecer o mercado de aluguel de roupas, que tem previsão de crescimento de 1,8 bilhão de dólares até 2023.

artista plástica Joana Uchoa,de 23 anos, não entra em uma loja de roupa há mais de cinco anos. E isso não quer dizer que ela não goste de moda ou seja basiquinha. Ela simplesmente não quer estar dentro do modelo convencional de consumo, em que é preciso pagar um preço alto por peças novas lançadas em ritmo frenético e “homogenizam o vestir”. Em seu armário, há itens emprestados da mãe, do pai, do avô, das amigas ou garimpados. “Comecei a me desinteressar pelas roupas das lojas de maneira natural, achava as peças dos armários dos meus pais e dos brechós mais legais. Há uns 3 anos comecei a pesquisar sobre a cadeia de produção da modae, desde então, faço questão de não participar desse processo”, conta Joana que lista o impacto ambiental, o trabalho escravo e o processo de propaganda como principais motivos de sua decepção. “O movimento de conscientização é enorme, há uma geração que quer saber tudo sobre o que consome e busca por empresas responsáveis . Por isso, também é muito importante ficar de olho quando marcas começam a usar essas bandeiras na comunicação mas não na prática”. Ou seja, precisamos ter cuidado para não corroborarmos com casos de pink money e greenwashingtermos usados para descrever empresas que se utilizam de bandeiras LGBTQI+ e da ecologia para lucrar.

De cima para baixo: a artista plástica Joana Uchoa, o designer João Incerti, a estudante Francesa Pomposelli e a estilista Mayra Sallie Foto: Julia Pavin

De cima para baixo: a artista plástica Joana Uchoa, o designer João Incerti, a estudante Francesa Pomposelli e a estilista Mayra Sallie Foto: Julia Pavin

Um dos grandes aliados da geração consciente é a customização. Pintar, cortar, costurar. Joana tem até hoje uma camiseta manchada que pegou do pai e ilustrou duas mãos para disfarçar. Postou no Instagram e começou a receber pedidos. “Não esperava esse retorno, foi uma surpresa. Mas fui no fluxo e acabei fazendo bastante. Vendia direto e fui chamada para collabs com marcas como Garimppo, Void, D.A.M.N Project, Lab 77, Ahlma, Malha, Projeto Gaveta e Superga. Até que um dia pensaram que eu era estilista e percebi que estava me distanciando do meu trabalho de artes plásticas. Parei e voltei a focar na arte”, comenta ela, que guarda poucas peças pintadas e, no dia da foto, estava usando a cueca Calvin Klein do namorado como top de um ombro só. Também está amando usar um blazer do lado avesso para destacar o forro colorido. “Gosto de figurino. Acompanho o que acontece na moda, mas não sigo. Me visto para me divertir. Já fui toda elegante para o boteco e skatista para um casamento .”

Joana faz parte da geração Z (nascida entre 1994 e 2010), que, de acordo com a pesquisa do escritório de previsão de tendências WGSN, não frequenta shoppings, pensa no impacto ambiental e social e quer assinar a co-criação do que compra. “Essa geração, que chamamos de Z-we, não faz questão de ter e sim de ser. Prefere gastar dinheiro com a experiência e não com a posse, busca ser sustentável e compartilhar”, diz Daniela Penteado, especialista do WGSN. Não por acaso, um dos formatos de negócio que mais deve crescer nos próximos anos é o de aluguel de roupas. “Isso irá, inclusive, chegar às peças de fast fashion . É uma turma que deseja a novidade, não o vintage . A previsão é que o formato de aluguel cresça 1,8 bilhão de dólares até 2023 .”

Detalhe de um macacão todo desenhado pelo designer de estampas João Incerti: virou a sua peça preferida Foto: Julia Pavin

Detalhe de um macacão todo desenhado pelo designer de estampas João Incerti: virou a sua peça preferida Foto: Julia Pavin

O designer João Incerti , de 23 anos, faz parte da equipe de estamparia da Farm. Acompanha as semanas de moda, assiste aos desfiles e, apesar disso, em seu armário, só há peças de segunda mão. “Eu ligo muito para tendências, afinal, trabalho com isso e preciso criar desejo. Sei a cor, a silhueta, o acessório do momento. Mas o que eu visto é atualizado por mim mesmo. Há um ano e meio não me encaixo no modelo convencional de consumo . Parei de comprar em lojas porque achava tudo caro demais. Comecei a customizar e percebi que esse é o modelo que me representa. É engraçado que até mesmo quando uso algo desenhado por mim para a Farm não acho que seja a minha cara”, confessa João. Fã de um macacão branco que encontrou na Praça XV, o designer pintou a peça e estampou atrás a frase “tira o olho, curiosa”. “Notei que podia criar uma peça estilosa, bonita e com a minha personalidade usando sobras, coisas que iriam para o lixo”. No Instagram de João (@o_incerto), há um espaço para suas dicas de onde comprar e como transformar. “Percebo um boom de pessoas querendo quebrar com o modelo clássico de consumo.”

Mayra Sallie e Joana Uchoa não consomem roupas em lojas convencionais há anos e usam a customização para dar um refresh no armário Foto: Julia Pavin
Mayra Sallie e Joana Uchoa não consomem roupas em lojas convencionais há anos e usam a customização para dar um refresh no armário Foto: Julia Pavin

Em 2013, a consultora de branding Giovanna Nader , de 30 anos, lançou o Projeto Gaveta, que trouxe o conceito de “clothing swap”, de trocas de roupas, para o Brasil. A aposta foi certeira: o primeiro evento teve apenas 75 participantes e 2 mil peças circuladas. Cinco anos depois, são mais de 7 mil participantes e 65 mil peças circuladas. A próxima edição acontece no CRAB -RJ, no dia 6 de junho. Não à toa, Giovanna foi convidada para apresentar o programa “Se essa roupa fosse minha”, do GNT, sobre moda sustentável. “Marcas se movimentam para serem mais justas. As que ainda não são, estão perdendo espaço”, percebe ela, que nunca mais comprou roupa em lojas. “Confesso que não é fácil, já que trabalho com moda, mas me policio, é um esforço diário”. Giovanna conta ainda que atualmente a sua quedinha é pelos produtos que iriam para o lixo. “ Acho fantástico conseguirem fazer dinheiro a partir de resíduos .”

A troca de roupa com as amigas é o maior trunfo da estudante Francesca Pomposelle , de 16 anos, para manter seu armário fresco. Raramente compra alguma coisa, precisa fazer muito sentido para que tope investir. “Adoro trocar. Isso mantém nossos armários vivos. Hoje,quando entro em uma loja, nada me convence . Prefiro costurar, pintar e mudar uma peça antiga para ela ter a minha cara. No meu grupo, vamos muito mais ao armário da amiga do que a uma loja. Fico muito aliviada da minha relação com a roupa ser essa e não uma de consumo desenfreado.”

Detalhes das peças usadas pela turma que não consome: a chamada geração Z-we Foto: Julia Pavin
Detalhes das peças usadas pela turma que não consome: a chamada geração Z-we Foto: Julia Pavin

A estilista Mayra Sallie , de 26 anos, não é acostumada com uma roupa nova. Desde sempre lhe é natural usar as peças repassadas por irmãos, primos e tias. “Sou nascida e criada na Zona Oeste e, por lá, temos esse costume de reuso. O mais velho passa para o mais novo e vamos trocando. Conheci o mundo fashion como modelo e depois estudei Moda”. Foi durante o curso que a Mig Jeans nasceu: no começo, era um brechó com peças jeans. “Escolhemos esse material por conta de sua resistência. Mas, como o processo de fabricação é super danoso à natureza, é preciso alongar a sua vida útil para minimizar os estragos de produção ”. Elas não tinham a pretensão de virar uma marca, mas as coisas foram acontecendo e vieram prêmios e colaborações (Ahlma, Redley, Levi’s e Hering só para citar algumas marcas). “Hoje, não temos mais um acervo de roupas, nós vendemos o nosso serviço de projetos e experiências com foco em upcycle ”, conclui Mayra.

De acordo com uma pesquisa do Box 1824, empresa que estuda tendências, “ o consumismo é um comportamento ultrapassado do qual logo sentiremos vergonha ”. Para eles, nos próximos anos, “o mercado assumirá o papel de requalificar o desejo, deixando-o menos associado ao excesso. O consumidor, cada vez mais consciente, abraçará as alternativas de novos modelos mercadológicos capazes de atender às suas necessidades e vontades de uma maneira menos nociva.”

E o usado se tornará o novo preto.

https://oglobo.globo.com/ela/gente/conheca-geracao-de-fashionistas-...

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  A estilista Mayra Sallie , de 26 anos, não é acostumada com uma roupa nova. Desde sempre lhe é natural usar as peças repassadas por irmãos, primos e tias. “Sou nascida e criada na Zona Oeste e, por lá, temos esse costume de reuso. O mais velho passa para o mais novo e vamos trocando. Conheci o mundo fashion como modelo e depois estudei Moda”.

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