Os alquimistas em formação, assim como Sasha Duerr, frequentemente são abordados por desconhecidos que lhes pedem para demonstrar seus poderes aquecendo um caldeirão no quintal. É uma forma de vida, e Duerr geralmente fica feliz em experimentá-la. Recentemente, em uma tarde de segunda-feira, ela tinha providenciado três fogões a propano de acampamento e catado alguns itens para ferver.
Duerr, de 36 anos, pretendia mostrar como é fácil transmutar plantas comuns em corantes de tecidos naturais de rara beleza. A fórmula é um segredo conhecido desde os tempos de Plínio, o Velho: encha uma panela com água, adicione uma cesta de folhas e um lenço de seda, traga a poção para ferver. Espere, então, a mágica acontecer.
Duerr montou sua mesa dobrável na Faculdade de Artes da Califórnia, em Oakland, onde ela é professora de design têxtil.
— Dois anos atrás, fizemos esse jardim — disse ela, caminhando para um canto sombreado, perto de um galpão com suprimentos a ser utilizado em caso de terremoto. Antes disso, o espaço desgrenhado "era uma espécie de lar para projetos rebeldes de arte".
Em três ou quatro canteiros feitos de tijolos recuperados, Duerr plantou uma "linha do arco-íris".
A raiz da garança dá origem a um vermelho profundo. "As raízes de papoula fazem um amarelo alaranjado", disse ela. De vinhas de feijão-fava, vem um verde claro. "Também dá para comer as folhas de fava", disse Duerr, partindo um pouco de folhagem para fazer um lanche rápido.
Do outro lado da rua do jardim, um restaurante Wendy's anunciava um sanduíche de frango crocante a um preço incrivelmente baixo. Duerr acredita que o equivalente do "fast food" é o "fast fashion": um processo industrial feito à base de um consumo excessivo triste e de subprodutos nocivos.
Por outro lado, era seguro para Duerr, grávida, preparar o lote de corantes botânicos daquele dia (ao que parecia, ela estava com cerca de 48 semanas). Quanto ao desperdício, Duerr afirmou:
— Eu quase nunca compro nada novo.
Naquela tarde, por exemplo, ela estava usando um top de grávida de segunda mão, de cor amarelo lima, que tinha tingido com erva-azeda-amarela (também conhecido como erva-canária), uma erva daninha da Califórnia.
Uma abelha pousou em sua camisa.
— Isso acontece o tempo todo quando trabalhamos com corantes naturais — disse ela. — Já aconteceu de beija-flores virem e pousarem no meu ombro. Tenho certeza de que são os feromônios das plantas. Eles veem a cor como algo vivo.
Na verdade, a arte de tingimento natural está praticamente morta desde a era vitoriana. No entanto, a experiência de Duerr tem mostrado que uma nova onda de interesse no cultivo de corantes botânicos têm florescido.
Em um loteamento antes abandonado no bairro do Brooklyn, em Nova York, um novo jardim de corantes e um programa de Agricultura Apoiada pela Comunidade começarão nesta primavera. O Centro de Artes Têxteis, que está ajudando a dar início ao jardim, vai oferecer não apenas materiais vegetais, mas uma oficina e acesso ao seu estúdio. Todos os 10 lotes oferecidos foram vendidos em meados de março.
Os corantes naturais existem ao nosso redor, disse Isa Rodrigues, de 26 anos, que organiza o programa Sewing Seeds do centro, mas "as pessoas não os conhecem". As cores podem vir de flores comuns (como dálias e cravos); folhas de árvores (bordo japonês, árvore-do-âmbar); frutos silvestres (amora, baga de sabugueiro), ervas (hortelã, alecrim), nozes e conchas (bolota, casca de nogueira negra), e cascas (bétula, madrone).
Toda planta é um corante em potencial.
Em manuais antigos, muitas vezes é possível identificar as plantas tradicionalmente utilizadas para tingimento – garança, pastel, índigo verdadeiro – a partir da palavra "tinctoria" ou "tinctorum" na nomenclatura botânica. No entanto, Pamela Feldman, de 58 anos, sempre precisou identificar esses espécimes misteriosos para os jardineiros da comunidade que compartilham o terreno do antigo Sanatório Municipal de Tuberculose de Chicago.
Nesta primavera, porém, suas plantas, cuja aparência lembra a de ervas, podem se tornar algo menos exótico. Na reunião de planejamento anual, Feldman descobriu que "existem outras quatro pessoas no jardim cultivando plantas naturalmente usadas para tingimento".
Os conhecimentos sobre técnicas sustentáveis de tingimento parecem estar se disseminando como se fossem pólen. Durante 17 anos, Feldman publicou o Turkey Red Journal (turkeyredjournal.com), um periódico semestral que aborda temas recônditos, como corantes de lama japoneses e coloração à base de cogumelos escandinavos. Mas a maioria dos tintureiros parece se formar por meio de oficinas ou cursos profissionalizantes.
Por exemplo, Elissa Meyers, de 24 anos, da casa de tingimento Blue Red Yellow, na Filadélfia, estudou no Artisan Natural Dyeworks, em Nashville, no Tennessee. Agora, Meyers e sua sócia, Mira Sophia Adornetto, de 33 anos, estão dando orientações em um novo jardim comunitário de tingimentos, no Oeste da Filadélfia, que vai ensinar o ofício a crianças da vizinhança.
Por sua vez, Duerr relatou que sua pesquisa e grupo de educação sem fins lucrativos, o Instituto Permacouture, foi recentemente inundado por "pedidos de estágios", disse ela.
— Da Finlândia, da Índia.
As pessoas querem entender as origens dos tecidos que vestem. E o interesse vai muito além das províncias de Berkeley e Brooklyn. O público mais entusiasta de Duerr nos últimos anos, contou ela, foi o de uma turma da Universidade do Norte do Texas, nas margens do Fort Worth Metroplex, região metropolitana de Dallas. Os estudantes esperam dar início a um jardim de tingimentos lá em breve.
O que todos esses artistas veem nos corantes naturais?
— Para mim, obter a cor é parte da arte — disse Feldman a respeito dos tapetes que tece. — Caso contrário, seria um trabalho feito por outra pessoa.
Antes de Sasha Duerr se tornar artista de tecidos, ela foi pintora. Mas as tintas a óleo lhe davam náuseas e dores de cabeça. Qual era o sentido de fazer uma arte ecológica, pensou ela, se a toxicidade do processo fazia com que ela adoecesse? (Deixemos esse tipo de arte performática masoquista para Marina Abramovic).
Na faculdade, Duerr começou a pesquisar a respeito de como formular suas próprias tinturas por meio do esmagamento de minerais. Era uma investigação obscura – quase oculta. "Ninguém no meu departamento sabia me dizer realmente como fazer isso", lembrou ela.
Quando ela finalmente encontrou especialistas em cores naturais, eles eram, surpreendentemente, mulheres que ela conhecia desde a infância. Os pais de Duerr haviam seguido o movimento back-to-the-land ("de volta à terra") até uma fazenda na região do leste de Maine. Algumas de suas companheiras de viagem – agricultoras e artesãs – tinham redescoberto os corantes naturais na década de 1970.
No entanto, alguns dos agentes de fixação de cor daquela época eram coisas bastante desagradáveis: sais minerais como o cromo e o estanho. Essas soluções são mordentes e ambas podem intensificar tons e tornar os tecidos mais resistentes à luz e à lavagem. Em seu guia introdutório "The Handbook of Natural Plant Dyes" ("O Manual dos Corantes Naturais de Plantas", em tradução livre), Duerr sugere banhos com soluções mordentes mais leves derivadas do sulfato de alumínio, o que por vezes funciona como uma substância de decapagem.
O ferro é outra opção, e é provável que você não precise comprá-lo. Duerr produziu um frasco que continha uma essência alaranjada, de cor pálida.
— Peguei os pregos do meu marido — disse ela. — Eles estavam em um balde no galpão, enferrujando.
Uma das aprendizes de Duerr, Sierra Reading, de 22 anos, pegou uma tigela de metal em uma das enormes panelas de corante que estavam borbulhando no fogão. Era água de casca de cebola, e tinha cor de mogno. Um respingo do mordente de ferro – apenas algumas colheres de sopa – atingiram o caldo de cebola como se fossem creme no café. De repente, o líquido tinha virado um intenso chá verde.
Um mordente, por si só, pode transformar um tecido. Alyssa Pitman, de 32 anos, estudante e assistente de ensino, abriu sua blusa de moletom e revelou uma camiseta branca que tinha tingido. O corante tinha vindo de ervas daninhas encontradas na beira da estrada; o ferro, de acessórios de barcos antigos. Com o tempo, os tons vegetais tinham desaparecido (um fenômeno chamado de cor "evanescente"). Mas com o uso do ferro, uma estampa básica em forma de anel permaneceu, criando uma camiseta perfeita para ser vendida em um parque temático de Richard Serra.
— Eu acho que o tingimento natural me torna mais consciente do que existe no meio ambiente — disse Pitman. — Tem um monte de coisas enferrujadas no mundo.
Após passar uma hora, Reading pegou um par de pinças e começou a puxar pedaços de seda de diferentes fornadas de tingimento. Ela os colocou sobre a mesa branca e começou a tratar o tecido com suco de limão. Primeiro, o lenço de tecido saído de um ensopado de repolho roxo pareceu turquesa. Porém, assim que um toque de ácido atravessou a fibra, partes dela tinham adquirido cor de ariela. Cinco minutos depois, as manchas ficaram com um rosa vibrante.
— A coisa da alquimia não era brincadeira — disse Duerr.
Ela lançou uma pitada de bicarbonato de sódio em um tecido que tinha sido tingido por flores e folhas de capim-azedo. Ele passou de amarelo para um tom de terra que lembrou a década de 1970, aquele laranja acobreado, digamos, de um terninho de Betty Ford.
— Essa cor pegou bastante neste ano — disse Duerr. — A moda sempre se recicla.
Fonte:|http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/mundo/noticia/2012/04/design-text...