Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Entenda o boom das movimentações de grandes grupos de moda no Brasil

Como há mais de uma década não se via no País, a indústria da moda brasileira passa por novo boom nas movimentações dos grandes grupos, impulsionando o crescimento e o fortalecimento das marcas.


Força motriz (Foto: Getty Images)

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Nos meses de maio e junho, Bernard Arnault, dono do grupo LVMH, ultrapassou (ainda que por apenas algumas horas) o fundador da Amazon Jeff Bezos como o homem mais rico do mundo. Informação que reflete como, apesar da pandemia ter impactado a indústria da moda, não significa que afetou o setor como um todo. No caso do mercado de luxo, global se tornou “glocal” (com as compras que eram feitas em viagens transferidas para o país de origem dos consumidores), formatos de comunicação foram adaptados e investimentos em e-commerces acelerados.

No Brasil, um outro fenômeno vem tomando a moda nacional: fusões e aquisições, como não se via há mais de uma década. Ao longo do último ano, pesos-pesados como o Grupo Arezzo & Co e a Reserva e o Grupo Soma e a Cia Hering se uniram, e marcas nativas digitais que vinham se mostrando um fenômeno de business, caso da NV e da BAW Clothing, foram adquiridas por grandes holdings. “Com a pandemia, surgiram oportunidades para empresas que tinham um fluxo de caixa mais saudável e maior poder de investimento”, explica Guilherme Machado, analista sênior de Fashion & Beauty da Euromonitor, empresa de pesquisa estratégica de mercado.

Entre 2004 e 2008, a moda brasileira passou por um aquecimento semelhante, mas que acabou com os estilistas deixando as grifes que levavam seus nomes (ou lutando para comprá-las de volta) e marcas fechadas, causando um certo trauma na indústria nacional. Tal situação, porém, não deve se repetir: nas novas consolidações, vem-se enfatizando o quanto o fundador é o segredo por trás do DNA do negócio. Prova disso é o modelo mais adotado nas atuais transações, por meio do qual os (até então) donos das marcas se tornam também sócios dos grupos que as incorporam.

Os R$ 210 milhões pagos pela NV, por exemplo, eram divididos entre dinheiro e ações do Soma. Do acordo de R$ 715 milhões pelo grupo Reserva, apenas R$ 225 milhões foram recebidos em dinheiro, tornando os antigos sócios da Reserva donos de 8,7% do Arezzo & Co. “Nosso mercado foi machucado por consolidações no passado. Todas bem-intencionadas, mas faltou preservar o valor dos fundadores das marcas. O grande problema foi acreditar que uma marca funciona sem pessoas. Se você as tira, ela deixa de ter valor, de ter alma”, diz Rony Meisler, que agora responde como CEO do AR & Co, braço de vestuário e lifestyle do Arezzo.

PRINCIPAIS MOVIMENTAÇÕES
Capitaneado por Alexandre Birman, o grupo Arezzo & Co (que tem capital aberto desde 2011) registrou receita líquida de R$ 553 milhões no segundo trimestre de 2021, em uma alta de 214,2% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as vendas pelos e-commerces das marcas cresceram 254% em relação a 2019. “Para mim, as táticas que mais geram resultados têm como origem questões de cultura. A agilidade em se adaptar e tomar decisões é mera consequência da nossa essência”, diz Alexandre. Ao invés de pisar no freio, o empresário acelerou: em agosto do ano passado, deu os primeiros sinais de que estava interessado ir além do setor de calçados e acessórios com o lançamento do ZZ Mall, marketplace que hoje reúne mais de 60 etiquetas de moda, joias e beleza, como Ginger, Jack Vartanian e Sisley – se utilizando da base de clientes do grupo como um de seus maiores ativos.

Em novembro, em mais uma operação do ZZ Ventures (fundo de corporate venture para iniciativas de capital de risco), adquiriu 75% da plataforma de resale Troc. Assim, fincou os pés também no mercado de revenda, setor que promete valer US$ 77 bilhões no mundo até 2025 e ter o dobro do tamanho do fast-fashion em 2030. Em julho deste ano, comprou a marca de sapatos My Shoes, que estava inativa há três anos, agregando uma nova fatia de mercado, voltada às classes B- e C+, que representa cerca de 44% do consumidor nacional. Junto com a consolidação, o grupo firmou uma parceria estratégica com o Mercado Livre, que será responsável pela venda e logística de produtos MyShoes.

Um novo passo foi iniciado em outubro do ano passado, com a aquisição do grupo Reserva (Reserva, Reserva Mini, Oficina Reserva, Eva, Reserva Ink e Reserva Go). “Em 2019, já sabíamos que estávamos chegando perto de um altíssimo market share no segmento de calçados femininos e que, para seguirmos expandindo a longo prazo, iríamos entrar no vestuário”, diz Alexandre. Da sinergia entre duas potências da indústria brasileira, Alexandre e Rony Meisler, nascia o AR & Co. “O mercado está muito machucado e queremos fazer a nossa parte na reconstrução, na recuperação da autoestima da moda nacional”, diz Rony. Em junho, o braço de vestuário do Arezzo & Co anunciou a primeira aquisição: a grife de streetwear BAW Clothing, empresa de lifestyle jovem que estima faturar cerca entre R$ 80 e R$ 100 milhões em 2021. Nativamente digital, é um fenômeno entre a geração Z.

Com o apoio do Arezzo & Co, a BAW deve ganhar suas primeiras lojas físicas e estrear no universo dos sneakers casuais. “Temos um mosaico de marcas complementares e estamos olhando para várias grifes”, conta Rony, que já teve tempo de ver a Reserva se beneficiar do ingresso no grupo: as vendas cresceram 60%, enquanto as da marca de workwear Oficina Reserva quadruplicaram. “Dentro do modelo de gestão do Arezzo & Co, um dos diferenciais é o ciclo de negócios, que aposta em lançamentos contínuos. Na Reserva, também ajudamos com a diversificação de categorias e com a gestão de merchandising”, diz Alexandre. “Agora, estamos de olho em uma maior penetração no mercado de moda feminina, através da difusão de marcas do Arezzo & Co ou de novas aquisições”, adianta o empresário.

Entrar para uma grande holding como o Arezzo & Co ou o Soma não representa apenas uma injeção de capital, mas uma oportunidade de se favorecer da estrutura do grupo. É o caso também da NV, marca fundada por Nati Vozza e o ex-marido Antonio Junqueira, que vinha crescendo a alta velocidade, e começou a enfrentar dificuldades para que sua cadeia de produção acompanhasse seu potencial. “Nosso maior desafio no curto prazo estava relacionado a toda parte de gestão e controle, e o Grupo Soma nos disponibilizou uma plataforma de controle que precisaríamos de, pelo menos, dez anos para desenvolver”, diz Nati.

A NV faturou R$ 158 milhões em 2020 e deve chegar ao dobro deste valor em 2021. “O segredo ao adquirir uma marca é apenas entender onde aquele ativo precisa de ajuda para soltar seu crescimento, e não chegar com um playbook. Nossa missão ao fazer aquisições é que o público consumidor nem perceba que aquela grife ganhou um investidor por trás”, diz Roberto Jatahy, CEO do grupo Soma. “A NV é um dos maiores fenômenos da moda brasileira nos últimos anos. O endereço do Shopping Leblon, inaugurado em junho, vendeu R$ 3,8 milhões apenas nos primeiros 25 dias. Nosso plano é ter lojas grandes, em menor quantidade. Mesmo assim, podemos esperar uma operação de 25 lojas pelo Brasil, nas principais cidades. A velocidade com que a NV vai crescer no Soma é muito grande, a operação vai chegar rapidamente a R$ 1 bilhão de faturamento”, completa Roberto.

Nascido em 2010 a partir da fusão de Animale e Farm, o grupo carioca Soma (que compreende ainda Fábula, Foxton, Cris Barros, A.Brand e Off Premium) tinha acabado de anunciar a incorporação da Maria Filó quando a pandemia começou. Em março deste ano, adquiriram ainda (por meio do Soma Ventures, voltado a marcas menores) a etiqueta esportiva Lauf, criada em 2010 pelas empresárias Anna Guinle e Marina Rovery. O maior investimento de capital foi dedicado, no entanto, à Cia Hering, incorporada em abril por R$ 5,14 bilhões (montante pago em dinheiro e ações). “Faltava no nosso portifólio uma marca mais acessível, que funcionasse como a base da pirâmide. Da minha irmã Claudia Jatahy à Cris Barros e à Katia Barros (fundadora da Farm), todo mundo guarda boas recordações da Hering. Tal percepção fazia dela quase um ativo único no mercado”, conta Roberto. Com 736 pontos de venda pelo Brasil, projeta-se que a Hering deva responder por 38% do faturamento do Soma em 2021. “Nosso plano é, ao longo dos próximos três anos, repaginar a Hering em termos de produto. Vamos manter o preço baixo, mas deixá-lo mais contemporâneo e atrativo.”

O capital para a transação da Hering veio do IPO realizado pelo Soma em julho de 2020, que levantou R$ 1,823 bilhão. Preparada inicialmente para março, a abertura de capital foi suspensa com o início da pandemia, mas logo retomada. “Mesmo com a pandemia, nossas performances não foram ruins, pois já tínhamos maturidade digital, investimos há muito tempo tanto em tecnologia quanto em mindset e [segundo a divulgação de resultados do segundo trimestre de 2021 do grupo, as vendas nos canais digitais cresceram 248,2% em relação a 2019] - e isso chamou a atenção do mercado”, diz Roberto.

Comandado por Alexandre Menegotti, o grupo catarinense AMC Têxtil tem uma longa experiência em termos de aquisições. No ano 2000, Alexandre decidiu transformar o negócio da família (as Malhas Menegotti) em um grupo, por meio da compra de marcas como a Colcci (incorporada em 2000), a Sommer (em 2004), a extinta Carmelitas (em 2005) e as irmãs Forum, Tufi Duek e Triton (em 2008). Após mais de uma década, retoma agora o planejamento de consolidações: em novembro de 2019, adquiriu a Skazi (alvo de uma investigação do Ministério Público de Minas Gerais em junho deste ano, o grupo respondeu em nota que estava colaborando com as autoridades). No início deste ano, incorporou a pequena marca de resortwear Oasis. O grupo também está lançando duas novas grifes: a L’Cecci (tendo à frente Adriana Zucco, que a comandará em paralelo à Colcci) e a Isy (de responsabilidade de Bianca e Camila Bastos, as irmãs por trás da finada Espaço Fashion).

Força motriz (Foto: Getty Images)

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BENEFÍCIOS E O QUE VEM POR AÍ
O IPO do Soma não é caso isolado e faz parte de um movimento que compreende também marcas como Vivara (que abriu seu capital em 2019), Track & Field (2020) e a plataforma de resale Enjoei (2020). “É uma onda que ainda deve durar muito tempo. Quanto mais e melhores empresas chegarem e estiverem dispostas a participar de todo esse processo, mais bons estreantes virão”, diz Ana Laura Magalhães, especialista em investimentos, criadora do @ex.... Se o primeiro ciclo de aquisições brasileiras, nos anos 2000, deixou uma imagem no mercado de que o vestuário era um setor complicado, a última década vem provando que é definitivamente uma opção de investimento. “No passado, alguns dos consolidadores vinham do mercado financeiro e não tiveram a sensibilidade de entender a indústria, que é criativa. Nos últimos anos, temos visto grupos com um olhar mais maduro com cuidados necessários para que uma marca não perca sua alma. Um IPO como o do Soma traz visibilidade de como é possível um grupo dar certo como consolidador”, diz Roberto Jatahy. “É interessante lembrar que, no mercado global, a indústria da moda, principalmente a de luxo, foi um dos setores de maior resiliência durante a pandemia”, frisa Ana Laura.

“A moda no Brasil é extremamente fragmentada e, por conta disso, tem poucos dados públicos disponíveis. Com grupos mais fortes, tenderemos a ver um desenvolvimento de fornecedores, proteção da cadeia de abastecimento local e gestões mais profissionais”, diz Guilherme Machado, da Euromonitor. Enquanto novas consolidações não são anunciadas, nos bastidores sabe-se que conversas vêm acontecendo pela indústria. “A gente pode esperar por aquisições que acelerem uma expertise, caso de startups de tecnologia que possam ajudar a potencializar a presença do grupo no canal digital”, finaliza Guilherme.

Colaborou: Alice Coy

https://vogue.globo.com/Vogue-Negocios/noticia/2021/10/entenda-o-bo...

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