A realidade atual é bem diferente da de 1970, ano da primeira marcha de defesa dos direitos da comunidade LGBT+, altura em que poucas empresas se queriam associar a um evento excêntrico em Nova Iorque, criado para assinalar o aniversário dos motins de Stonewall, escreve a Reuters.
Cinquenta anos depois de Stonewall, pequenas e grandes empresas lutam pelo seu espaço no mercado LGBT+, numa altura em que cerca de 4,5% dos consumidores ocidentais se definem como lésbicas, homossexuais, bissexuais ou transsexuais, muitos dos quais jovens e com um rendimento disponível. «Sinto-me dividido em relação a esse assunto», admite Oliver Rieche, advogado de Londres, copresidente da Prism, iniciativa LGBT+ da empresa de advocacia Reed Smith. «Porque se por um lado é bom, porque é uma forma de difundir informação sobre o mês do orgulho e mesmo acerca da comunidade LGBT+, por outro lado sinto que algumas empresas começaram a apropriar-se do movimento. Quero ver ações concretas», expressa.
Ikea
O mês do orgulho LGBT+ é celebrado anualmente em mais de 60 países, maioritariamente em junho, com as empresas a criarem uma série de produtos especiais para marcar o evento. A retalhista sueca Ikea, por exemplo, lançou uma versão arco-íris do seu popular saco azul e a Calvin Klein propõe várias versões de artigos de roupa íntima dedicados à temática. O elixir da Listerine e a vodka da Absolut estão à venda em garrafas com as cores do arco-íris, enquanto a Disney criou uma versão colorida das orelhas do Mickey Mouse.
Embora alguns ativistas acolham positivamente o crescente interesse das empresas, outros preocupam-se que o marketing não passe apenas disso mesmo. «Ser aliado de uma causa exige, em primeiro lugar, que se esteja presente. No entanto, é necessário que, depois, se seja ativo», considera Jeff Ingold, diretor de comunicação da associação de defesa dos direitos LGBT+, a Stonewall. «É importante que o apoio das organizações vá mais além do que é visível e que estas mostrem um verdadeiro compromisso para com a comunidade LGBT+», afirma.
Tanto a Stonewall como a homóloga norte-americana Human Rights Campaign querem que as empresas que usam o símbolo do arco-íris nos seus produtos se comprometam com direitos da comunidade LGBT+ no local de trabalho, se quiserem realmente associar-se à causa e beneficiar da mesma. Ambas as organizações publicam rankings das empresas no que diz respeito a apoio aos seus trabalhadores gays, bissexuais ou transsexuais e às causas LGBT+.
Disney
Mais de três quartos dos norte-americanos LGBT+ acreditam que «as empresas que apoiam a igualdade da comunidade terão mais sucesso», segundo um inquérito de 2018 da Community Marketing & Insights. No âmbito de um estudo de 2018 da FocusVision, quase 30% dos consumidores norte-americanos admitiram sentir-se mais positivos em relação a uma marca quando esta apoia a comunidade LGBT+ e apenas um quinto dos inquiridos se sentiu mais negativo em relação à mesma. 42% foram neutros.
Esta tendência não passou ao lado das empresas. Coincidindo com as iniciativas de celebração do mês do orgulho, em Londres, a Budweiser lançou copos de cerveja com as cores do arco-íris. A marca de cerveja, que também doou dinheiro a 9 instituições de apoio à comunidade LGBT+, foi criticada online por parte de pessoas que consideravam que esta não deveria associar-se a questões políticas. Outros disseram que os copos não tiveram nenhum efeito no combate à discriminação da comunidade LGBT+.
A Marks & Spencer trocou a sua famosa sandes BLT – bacon, alface (lettuce em inglês) e tomate – por uma especial de alface (L), guacamole (G), bacon (B) e tomate (T) durante o mês de junho, naquele que foi o segundo ano que assinalou o mês do orgulho LGBT+ com recurso à alimentação. A estratégia foi bem recebida pela instituição Albert Kennedy Trust (AKT), que considerou que esta ajudou a que as pessoas que se consideram excluídas sentissem que fazem parte de algo maior. «São parcerias visíveis que podem realmente ajudar jovens LGBT+, como os que nós apoiamos, que muitas vezes são rejeitados pelas famílias por simplesmente serem quem são», acredita Carrie Reiners, diretora de angariação de fundos da AKT. A associação recebeu um donativo de cerca de 10 mil libras (cerca de 11 mil euros) da Marks & Spencer.
Calvin Klein
Contudo, muitos membros da comunidade LGBT+, nas redes sociais, reclamaram o facto de as suas identidades estarem a ser equiparadas a ingredientes de sandes. Outros questionaram por que é a retalhista não doou uma quantia mais avultada porque, no período anual até março de 2019, registou um lucro antes de impostos de 523,2 milhões de libras. «Comparado com as margens de luro da Marks & Spencer, parece um erro de arredondamento», lamenta Ashleigh Talbot, defensora dos direitos transsexuais, de Manchester. «Se querem realmente apoiar a comunidade de jovens sem abrigo LGBT+, têm que o fazer o ano todo e não apenas em junho», defende Ashleigh Talbot.
Um porta voz da Marks and Spender referiu que redes internas na empresa, pertencentes à comunidade LGBT+, «foram consultadas aquando da criação da sandes» e apoiaram a decisão, acrescentando que «os donativos totais comunitários» ultrapassaram as 13,6 milhões de libras no ano passado.
Na corda bamba
Apoiar a comunidade LGBT+ pode ser arriscado para muitas marcas mundiais que procuram um equilíbrio entre responder às necessidades dos mercados cujos consumidores exigem transparência e as exigências dos clientes dos mercados onde ser gay, bissexual ou transexual é controverso e, em alguns casos, considerado crime.
H&M
A gigante sueca H&M tem vivido essa dicotomia. A coleção “Love for All” não está a ser vendida em alguns países, como a Malásia, onde a homossexualidade é punível com 20 anos de prisão. A coleção não está disponível em 20 dos 72 mercados da H&M, incluindo o Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, pois todos eles proíbem as relações entre casais do mesmo sexo. «A H&M tem bem assentes os seus valores de defesa da igualdade de direitos e de oportunidades para todos», garante um porta-voz da H&M. «Não obstante, a decisão de criar uma coleção em específico em mercados diferentes tem como base fatores comerciais, onde nós vemos que há procura pelos produtos», explica.
10% do valor das vendas da coleção será doado para uma iniciativa de defesa dos direitos LGBT+, das Nações Unidas. «Se gostaríamos que a coleção estivesse disponível nos 72 países? Sim, claro. No entanto, o facto de estar a ser vendida na maioria dos mercados da H&M é por si só uma conquista», confessa um porta-voz da campanha “Free & Equal” das Nações Unidas. «Parte de mim enquanto homem gay quer que a H&M defenda a comunidade LGBT+ em todos os seus mercados. Porém, o meu lado realista e prático reconhece a importância deste apoio em países onde é possível fazê-lo», assevera Ian Johnson, diretor executivo da OutNow, uma consultora que trabalha com empresas em questões LGBT+.
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