Natália, tem 33 anos, é fotógrafa e vinha de 10 anos de trabalho na área. Foram quatro anos no departamento de fotografia da companhia de cruzeiros Regent Seven Seas, onde era responsável pelas imagens feitas durante as viagens e pela venda de câmeras e outros equipamentos nos navios. Depois que enjoou do mar, passou um curto período no Brasil e logo partiu para outro trabalho no exterior, em Puerto Vallarta, no México. Lá, liderou uma equipe de fotógrafos registrando casamentos, mergulhos com golfinhos e festas.
A Maya Lingerie usa alças largas, abertura fácil para amamentação, mas não deixa de lado as rendas.
De volta ao Brasil, foi convidada para dar aulas de fotografia na unidade Tatuapé do Senac, na Zona Leste da capital paulista. Neste período também cursou uma pós em gestão cultural, fez frilas na produtora de uma amiga, alguns ensaios fotográficos avulsos, mas nada que a deixasse realmente satisfeita profissionalmente. Ela relembra o período:
“Engraçado que só hoje eu percebo o quanto estava triste e insatisfeita. Enquanto você está no meio do furacão, não se dá conta de que está vivendo no automático” Nesta fase, mesmo sem ter consciência da infelicidade que vivia, a ideia de empreender surgiu e aos poucos foi ganhando forças. Em conversas com Stella, que à época estava amamentando o pequeno Tomás, Natália percebeu — e, mais tarde, outras futuras mães — como era escassa a oferta de moda íntima para elas. Notou, também, que nas listas de maternidade nunca entram mais que um sutiã de amamentação e duas calcinhas, enquanto a roupa do bebê é a maior preocupação. Estava ali uma oportunidade e um propósito.
“Na gravidez todos os olhos se voltam para o bebê, ninguém lembra da mãe que está ali muitas vezes cansada, sem dormir, sentindo-se pouco bonita. Usar uma lingerie confortável e que fuja desses padrões tão iguais é uma forma de recuperar a autoestima, que nessa época de sentimentos intensos fica tão abalada”, diz Natália.
QUERO EMPREENDER: E AGORA?
Depois de passar pelo Empretec, curso do Sebrae bem conhecido dos empreendedores iniciantes, começou a fase da pesquisa de mercado. Ela viajou para conhecer a Curve, feira de moda íntima que acontece em Nova York, e lá conheceu algumas marcas que fabricavam e vendiam lingerie para futuras e recém mães, como a You! Lingerie, seu principal benchmarking. “Passou pela minha cabeça me tornar representante deles. Mas, mesmo fabricando peças bonitas e de bom gosto, muitas não vestem bem a mulher brasileira”, conta.
Stella e Natália, irmãs e sócias na empreitada de criar e vender lingeries bonitas para gestantes.
O caminho era solo mesmo. Criar um negócio do zero. Constatação feita, Natália deu adeus aos frilas, retomou os acertos com a irmã – que se tornaria sua sócia-minoritária – e pediu ajuda aos pais, que deram apoio incondicional ao projeto.
Para ter um capital inicial, ela devolveu o apartamento que alugava em São Paulo, voltou a morar na casa dos pais em Pirassununga (a 200 quilômetros da capital paulista) e vendeu seu carro. O investimento de 60 mil reais cobriu a pesquisa, a contratação dos profissionais de confecção (estilista, modelista, piloteira e costureira) e o desenvolvimento do site.
O ESTRANHO MUNDO DOS FECHOS E RENDAS
Desbravar um horizonte novo, com códigos completamente desconhecidos foi um dos principais desafios de Natália. Logo no início de sua pesquisa ela visitou a cidade de Juruaia, no sul de Minas Gerais, um dos polos de fabricação de lingerie no Brasil. Lá, teve uma “verdadeira aula” de como se faz uma peça de lingerie: aprendeu sobre os tipos de barbatanas, quantas peças compunham cada modelo de sutiã, como poderiam ser os fechos etc.
Com a estilista Andreza Zan, profissional indicada por uma amiga, a jovem empreendedora fez uma outra imersão no fantástico mundo dos tecidos para lingerie. “Ela me pegou pela mão, me levou no Bom Retiro e me apresentou para cada um dos tecidos: essa é a renda, esse é o algodão, aquele ali é a tela. Ela foi muito generosa em compartilhar esse conhecimento comigo de uma forma muito tranquila”, conta Natália.
Um tutorial no site ensina quais pontos a cliente tem de medir do corpo para escolher o tamanho certo de lingerie.
Outro ponto importante para que as coisas saíssem do mundo das ideias e migrassem para a prática foi a rede de contatos. Da estilista ao desenvolvedor do site, todos eram amigos ou outros pequenos empreendedores cujos contatos vieram por meio de indicação. De mesma forma, a modelo Julia Hohagen e a fotógrafa Mariana Valverde, que fizeram as fotos do site e dos materiais impressos da marca fazem parte do círculo de Natália. Sem falar das futuras mamães amigas: o desenvolvimento dos produtos teria sido bem mais difícil, pois delas é que vieram feedbacks mais importantes sobre as peças da Maya.
Natália também teve a preocupação de mapear toda a cadeia em busca de parceiros que tivessem uma postura ética, como não utilizar trabalho escravo (questão infelizmente recorrente no setor de confecção) e que tivessem alguma preocupação com o meio ambiente. Um exemplo é que os tecidos usados nas embalagens dos produtos da Maya vêm do projeto Banco de Tecido, que coloca novamente em circulação materiais que sobram de coleções passadas de diversas marcas e indústrias têxteis brasileiras.
As peças da Maya custam entre 34 reais (calcinhas) e 99 reais (alguns dos modelos de sutiã). Os valores podem ser altos se comparados aos praticados por grandes cadeias como C&A e Renner, mas a exclusividade na modelagem – pensada para diferentes tipos de corpos femininos – justifica o investimento, diz a empreendedora. No site da marca há um tutorial ensinando que pontos do corpo da mulher precisam ser medidos para ela saber qual tamanho comprar.
Pequenos detalhes fazem a diferença, como o fecho do sutiã ter seis opções de ajuste nas costas, as alças serem mais largas (para acomodar o peso do seio sem machucar ou marcar os ombros), a abertura ampla da taça (fácil de manipular com apenas uma mão). Esses atributos, digamos, “técnicos” vêm em estampas alegres, rendas, cores. Por que não? Nos canais da Maya nas redes sociais há mensagens como “Grávidas merecem muito mais que bege!”.
Até hoje, o maior volume de vendas da Maya vem do e-commerce, mas Natalia também tem participado de feiras de artesãos e eventos apresentando a marca, além de contar com a constante ajuda dos amigos. “Sempre tem alguém que quer presentear alguma futura mãe”, conta.
COMEÇAR PEQUENO, ERRAR POUCO
Nesses três meses iniciais de operação, a Maya segue no azul: não deu lucro e nem prejuízo. Natália acredita que o planejamento financeiro da implantação foi bem feito e os erros, até agora bem poucos. “Perdi no máximo mil reais na compra de materiais, que no fim das contas vou poder aproveitar em outras coleções”, afirma.
Para o ano que vem ela quer aumentar a coleção, passando a fabricar também pijamas e camisolas, sempre pensadas para atender a “mulheres de verdade”, como diz sobre aquelas que, além de mães, não se esqueceram de que também são mulheres. Natália tem percebido a si mesma como uma nova mulher:
“Estou feliz e, de verdade, apaixonada pelo que estou fazendo” -
Ela prossegue: “Nunca imaginei que tanta gente gostaria das minhas criações e se sentiria feliz e bonita com elas. Claro que tenho muito o que trabalhar e aprender, mas finalmente estou fazendo algo que acredito”. Mesmo tendo voltado a morar com os pais, vendido bens e estando ainda nos primeiros passos de uma jornada que é longa, para a fundadora da empresa, o projeto Maya foi um feliz encontro. Na antiga civilização greco-romana, Maya era a deusa da terra, da primavera, do renascimento. É este o efeito que as lingeries tão bonitas quanto confortáveis devem causar. É isso que já está acontecendo com ela.
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