Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Marcelo Gomes revela em Berlim a dura vida da 'capital do jeans'

'Estou me guardando para quando o carnaval chegar' é o primeiro documentário do diretor.

Cena do filme: dois trabalhadores de Toritama, “uma China com um carnaval no meioCena do filme: dois trabalhadores de Toritama, “uma China com um carnaval no meio" Foto: Divulgação

BERLIM — Sentado no mesmo lounge do hotel onde, dois anos atrás, recebeu a imprensa internacional para falar sobre “Joaquim”, que competiu pelo Urso de Ouro em 2017, Marcelo Gomes parece mais relaxado e confiante. Desta vez, ele está na cidade para promover “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, seu primeiro longa-metragem desde o drama histórico sobre o mártir da Inconfidência Mineira. A estreia foi anteontem, com sala cheia e aplausos, na mostra Panorama do Festival de Berlim, cuja 69ª edição termina no próximo domingo (17).

— Estou mais velho e, portanto, mais maduro. Dois anos atrás, estava aqui competindo pela primeira vez em um grande festival estrangeiro. É uma experiência meio assustadora, há todo um protocolo a ser seguido, e há uma expectativa muito maior sobre o seu filme. Acho que também estou mais seguro enquanto diretor, sabendo que escolhi o momento certo para fazer meu primeiro documentário, inspirado em minha memória afetiva — explica o cineasta pernambucano de 55 anos, conhecido por títulos como “Cinema, aspirinas e urubus” (2005) e “Era uma vez eu, Verônica (2012).

“Estou me guardando para quando o carnaval chegar” documenta a peculiar realidade econômica de Toritama, pequena cidade do agreste pernambucano conhecida como “a capital do jeans”. Até os anos 1980, a localidade que Marcelo conheceu garoto, ao acompanhar as viagens de trabalho do pai, um inspetor de impostos, era uma tranquila comunidade rural, com biblioteca, atividades culturais e religiosas. Hoje, a maior parte de seus 37 mil habitantes vive em função da indústria têxtil.

A maioria, autônoma, trabalha até 16 horas por dia, seis dias por semana, esperando o único momento de lazer: o carnaval. E parecem satisfeitas com isso.



— Fiquei com um nó na cabeça para desvendar, e estou passando esse nó para o público — conta Gomes. — Filmes sobre sweatshops ( as "fábricas de suor", onde  trabalha-se à exaustão e em condições precárias ), mostrando como os trabalhadores braçais são vítimas do capitalismo, já há vários por aí. O que temos em Toritama é uma situação complexa, não queria vitimizar ninguém. O que me interessava era ouvir os desejos e sonhos dessas pessoas que se apegam à ideia da autonomia, de ser o próprio patrão, sem perceber que estão sendo escravizadas por elas mesmas. É um filme que expõe a farsa do neoliberalismo. Fala de um Brasil que ninguém conhece. Toritama é uma China com um carnaval no meio.

Gomes diz que o fenômeno de Toritama é fruto de “um processo industrial que derrubou várias etapas, chegando a uma situação esdrúxula”. Alguns personagens chegaram a trabalhar em grandes fábricas de jeans da região apenas para juntar dinheiro e abrir sua própria oficina de produção, ou “facção”.

A maioria dessas pessoas, no entanto, dedica a maior parte de seu dia às linhas de produção dessas fábricas de fundo de quintal. Uma delas explica para a câmera, sem interromper sua atividade, que trabalha das 6h às 22h, com pequenas pausas para tomar o café da manhã, o almoço e o preparo do jantar.



— Eu pergunto: “É bom? Depois de um pequeno silêncio, ela responde: “É bom, porque a gente ganha mais”. Em seguida, deixo um silêncio para que a gente possa refletir sobre o que aquela pessoa está fazendo de sua vida, com o seu tempo — diz o diretor, que ficou intrigado com a mentalidade da população. — Eles juntam e não fazem planos para gastar, a não ser no próprio negócio ou no carnaval. Tem a ver com o pensamento protestante. Até 30 anos atrás, havia duas igrejas católicas em Toritama. Com o neoliberalismo, as igrejas evangélicas se multiplicaram. A realidade de Toritama daria vários filmes.

Estreia em maio

O título do filme é tomado emprestado da canção “Quando o carnaval chegar”, que Chico Buarque lançou em 1972. Um dos versos diz “E quem me ofende, humilhando, pisando/Pensando que eu vou aturar/Tô me guardando pra quando o carnaval chegar/E quem me vê apanhando da vida/Duvida que eu vá revidar/Tô me guardando pra quando o carnaval chegar”. O filme foi inscrito no festival É Tudo Verdade e estreia nos cinemas brasileiros em maio.

— A letra não tem nenhuma relação com a situação de Toritama, mas, como todos os personagens com quem conversei falam dessa expectativa da folia, lembrei que a frase “tô me guardando pra quando o carnaval chegar” da música do Chico caía como uma luva. Fiz uma homenagem a ele colocando a música inteira nos créditos.



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  A maioria dessas pessoas, no entanto, dedica a maior parte de seu dia às linhas de produção dessas fábricas de fundo de quintal. Uma delas explica para a câmera, sem interromper sua atividade, que trabalha das 6h às 22h, com pequenas pausas para tomar o café da manhã, o almoço e o preparo do jantar.

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