O relatório “Fossil Fashion: The Hidden Reliance of Fashion on Fossil Fuels”, elaborado pela Changing Markets Foundation, ilustra como a utilização de fibras sintéticas, particularmente o poliéster, duplicou na indústria têxtil nos últimos 20 anos, um valor que deverá continuar a crescer até representar quase três quartos da produção total das fibras globais em 2030. Neste caso, o poliéster será responsável por 85% dessa fração, ainda que já esteja presente em mais de metade dos tecidos.
Segundo o relatório, apesar da pegada da produção em 2015 ter sido equivalente a 700 milhões de toneladas de CO2, o que equivale ao total de emissões anuais do México ou de 180 centrais térmicas a carvão, esse valor deverá duplicar até 2030.
Práticas ecológicas não vão resolver o modelo do fast fashion nem conter o crescimento do uso de fibras sintéticas. Atualmente, menos de 1% do vestuário é reciclado para fabrico de novas roupas e a percentagem de poliéster reciclado está em decréscimo, devendo representar 7,9% da produção total de poliéster até 2030 em comparação com os 14% evidenciados em 2019.
«Poucos consumidores estão cientes de que a fast fashion se baseia em combustíveis fosseis. O vício das marcas de moda por poliéster e outras fibras derivadas do petróleo chega numa altura em que o mundo se está a afastar dos combustíveis fósseis. Mas em vez de se afastar das fibras sintéticas que estão a causar um desastre ecológico, as marcas querem que pensemos que têm tudo controlado e que podem continuar a produzir cada vez mais roupa», explica Urska Trunk, diretora de campanha da Changing Markets Foundation, ao just-style.com.
O relatório apela à Comissão Europeia (CE) para delinear um plano abrangente que vise a redução da taxa de consumo de vestuário quando a estratégia têxtil for apresentada ainda este ano. Esta redução pode ser conseguida se a indústria de moda deixar de ter ligação aos combustíveis fosseis, aumentando a qualidade dos materiais, por exemplo, através do design dos produtos, exigindo também que este sector seja responsável pelo fim de vida dos artigos. Deste modo, as roupas devem ser recolhidas separadamente, reutilizadas e também reparadas, recorrendo também a tecnologias fidedignas de reciclagem de fibra a fibra.
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Na perspetiva da Changing Markets Foundation, a CE deve assegurar que todos os fundos do Covid Recovery Package sejam aplicados para que as marcas se tornem mais sustentáveis ao invés de serem usados para «sustentar o modelo falhado do fast fashion», que é prejudicial tanto para o meio ambiente como para os trabalhadores da cadeia de aprovisionamento e os próprios cidadãos.
«Estamos a comprar mais, a usar menos, a deitar fora mais rápido e isso vem cada vez mais de combustíveis fósseis. Sabemos que a indústria da moda não vai resolver esse problema sozinha. A Comissão Europeia precisa de avançar com uma estratégia têxtil abrangente que revise a dependência da moda dos combustíveis fósseis e coloque a indústria num nível mais sustentável. Como um dos maiores mercados têxteis, a UE tem uma excelente oportunidade para resolver um problema que está a pôr em perigo a nossa capacidade de viver dentro dos limites do planeta», alerta Urska Trunk.
Recomendações a seguir
O relatório destaca algumas recomendações específicas para a estratégia têxtil da UE. Usar materiais circulares não tóxicos e implementar medidas para um design ecológico dos produtos de modo a evitar combinações de materiais que possam ter substâncias nocivas do ponto de vista da circularidade é uma das medidas destacadas pela Changing Markets Foundation, assim como estabelecer estratégias que reduzam a poluição pelo despreendimento de microfibras e fibras sintéticas, usando também o princípio da precaução.
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Implementar um imposto sobre o plástico virgem bem como no uso de fibras sintéticas no sector têxtil é outra das recomendações, uma vez que o uso de embalagens plásticas não deve ser incentivado. Estabelecer o conceito de responsabilidade alargada do produtor para diferentes tipos de têxteis, em que os produtores são responsáveis pela gestão e pelos custos do tratamento do final de vida de um determinado produto que colocam no mercado é outra das medidas sugeridas no documento. O objetivo é garantir uma mudança no mercado em direção a um modelo de negócio mais durável e com uma qualidade superior, a partir de metas específicas como a eliminação de substâncias danosas, incluindo as microfibras, promovendo também práticas da reciclagem e reutilização.
No que diz respeito à recolha e triagem, de acordo com a legislação de resíduos atualizada, a CE deverá considerar a definição de metas para a reutilização e reciclagem de têxteis, enquanto os estados-membro devem implementar sistemas para a recolha separada de têxteis até 2025. Muitos dos têxteis aplicados, contudo, são misturas de baixa qualidade, o que dificulta este tipo de processo, pelo que será necessária uma ação mais ambiciosa.
Entre as recomendações constam ainda o incentivo a modelos de negócio circulares como o aluguer de vestuário e também sistemas de reutilização e reparação, a definição de padrões de produção que incentivem melhores cadeias de aprovisionamento, através da tecnologia, e ainda assegurar que o apoio de recuperação da UE, face à crise causada pelo Covid-19, para a indústria de moda é condicionado pelo cumprimento das metas de redução de carbono pelas empresas e também por uma redução da dependência do sector por combustíveis fósseis.
Para as marcas e para as retalhistas de moda, as recomendações centram-se em muitas das medidas mencionadas, que promovem o afastamento do fast fashion, mas a análise da Changing Markets Foundation promove ainda compromissos ou iniciativas voluntárias ambiciosas por parte das empresas, sem recorrer todavia ao greenwashing.