Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Desfile da coleção primavera/verão 2012 de Jean Paul Gaultier: França tem hoje só 12 grifes de alta-costura e a do estilista está entre as 4 internacionalmente famosas

Há anos os pessimistas no mundo da moda proclamam que a alta-costura francesa vai acabar. Apesar de seus preços exorbitantes, ela é conhecida por ser cronicamente deficitária. Por isso, as profecias de apocalipse volta e meia reaparecem, sobretudo quando os problemas envolvem nomes lendários. Em 2002, com prejuízos anuais de € 10 milhões, o dobro de seu faturamento, Yves Saint Laurent foi obrigado a pendurar as tesouras. Em 2009, Christian Lacroix faliu. Mas, para não sair de vez das passarelas, a alta-costura soube adaptar-se e ganhou dinamismo com a entrada de uma nova geração nesse clube seleto de costureiros, que integra também o brasileiro Gustavo Lins.

As regras estritas da alta-costura, que datavam da década de 1940, foram bastante flexibilizadas em 2001 para permitir o ingresso de novos talentos. O número mínimo de modelos que devem ser exibidos em cada desfile parisiense, por exemplo, passou de 50 para 25, o que representa uma economia considerável de custos de produção. Os ateliês de costura precisam ter pelo menos 15 funcionários, ante várias dezenas anteriormente.

Mas para evitar a saída de um membro, mesmo essas novas condições podem não ser respeitadas. O ateliê da estilista Adeline André, por exemplo, não possui o número de costureiras exigido e não realiza dois desfiles anuais, como estipulado, mas somente uma coleção. Uma exigência importante para se tornar membro da alta-costura foi, no entanto, mantida: a necessidade de realizar as peças à mão. As regras relativas à qualidade, como tecidos e materiais suntuosos e técnicas da costura sob medida, se tornaram preponderantes na escolha da nova geração de estilistas.

O número de marcas encolheu nas últimas décadas como uma camiseta chinesa de má qualidade, principalmente por motivos financeiros

"Os critérios quantitativos correspondiam à alta-costura nos anos 40. Eles se tornaram um freio para a entrada de novas marcas. Quem quisesse abrir um ateliê acabaria falindo", disse ao Valor Didier Grumbach, presidente da Federação Francesa de Costura e também da Câmara Sindical de Alta-Costura. "Ter novas grifes é fundamental para o setor da moda", afirma.

E a alta-costura, denominação protegida por lei na França, precisava efetivamente de novos talentos para evitar o declínio. O número de marcas encolheu nas últimas décadas como uma camiseta chinesa de má qualidade. As razões são diversas, como a morte do fundador, mas isso ocorreu principalmente por motivos financeiros. Das cerca de 60 grifes de alta-costura que existiam após a Segunda Guerra, hoje somente 12 têm o status de membro permanente da câmara sindical do setor, sendo mais da metade delas desconhecida do grande público. Entre os novos nomes, estão Stéphane Rolland, Franck Sorbier, Christophe Josse, o mineiro Gustavo Lins (o primeiro latino-americano a integrar o seleto clube) e Giambattista Valli, eleito neste ano e considerado a nova coqueluche.

Apenas 4 das 12 grifes atuais de alta-costura com sede na França são famosas internacionalmente: Chanel, Dior, Givenchy e Jean Paul Gaultier. Até o fim dos anos 80, ainda existiam 24 casas de alta-costura no país, o dobro do número atual. Além de Yves Saint Laurent e Christian Lacroix, outras marcas famosas, como Lanvin, Balmain, Courrèges, Jean-Louis Scherrer, Thierry Mugler e Paco Rabanne abandonaram essa atividade nos anos 90 ou 2000 e, em alguns casos, mantiveram o "prêt-à-porter".

John Galliano entre modelos da coleção outono/inverno 2009 para a Dior: na época de Christian Dior, morto em 1957, os desfiles apresentavam 100 peças; hoje, têm no máximo 40

"Fazer alta-costura é algo excessivamente caro nos dias de hoje em razão dos preços da mão de obra altamente qualificada, dos custos dos desfiles e de todos os serviços anexos para servir uma clientela que reside em diferentes países", diz o consultor de moda e luxo Jean-Jacques Picart, que foi sócio-fundador da alta-costura de Christian Lacroix, criada em 1987.

O fechamento de várias "maisons" históricas poderia desencorajar os jovens estilistas. Mas muitos sabem que fazer parte da alta-costura é um trampolim para obter rapidamente maior visibilidade. É bem mais difícil conquistar um lugar ao sol no lotado calendário da temporada de "prêt-à-porter", com quase uma centena de desfiles. Como diz o presidente da câmara sindical de alta-costura, uma nova marca de "prêt-à-porter", pequena, tem poucas chances de se destacar num universo dominado pelos grandes grupos globalizados de moda.

"O objetivo foi criar uma marca de ponta, ainda que de pequeno porte, que aparecesse nesse universo com ideias personalizadas e uma identidade precisa", diz Gustavo Lins, que se tornou membro permanente no ano passado, após desfilar quatro anos como convidado pela câmara sindical, e ficou conhecido por suas peças inspiradas em quimonos japoneses.

Essa nova geração que está revitalizando a alta-costura cria modelos que exigem o mesmo tipo de trabalho artesanal e materiais nobres. Ela também busca, com peças exclusivas e em boa parte dos casos dificilmente reproduzidas industrialmente, o mesmo conceito de raridade das grandes grifes históricas. Isso não quer dizer que as roupas não possam ser usadas no dia a dia. Lins aposta em modelos práticos e "simples" e diz que "a peça de alta-costura que leva centena de horas para ser realizada é algo que corresponde ao século XIX".

Com peças exclusivas e dificilmente reproduzidas de modo industrial, os novos buscam o mesmo conceito de raridade das grifes históricas

Mas, além dos preços bem menores do que os das marcas famosas (com valores que começam, como no caso da Chanel, a partir de € 80 mil), há outra diferença importante: os novos costureiros não têm capacidade produtiva para vender em grandes quantidades nem dispõem de salões suntuosos em endereços míticos de Paris ou podem oferecer os serviços prestigiosos das grandes grifes. Em contrapartida, eles têm relação mais próxima com a clientela. Stéphane Rolland, que se tornou membro permanente da alta-costura em 2009, conta que toma o avião e vai visitar a cliente em seu país para fazer as provas do modelo.

Para alguns analistas, as marcas jovens estão redefinindo o espírito da alta-costura. Há dez anos, antes da flexibilização das regras de admissão, pouco restava dos tempos áureos do setor, que duraram até os anos 60, apesar de os desfiles continuarem sendo espetáculos mostrados nas TVs e jornais do mundo todo.

Grandes nomes da história da moda, como Elsa Schiaparelli, Jacques Fath, Madeleine Vionnet e Paul Poiret desapareceram e hoje criações dessas grifes podem ser vistas apenas em exposições de museus. Outras, como Carven, retornaram recentemente ao mercado com coleções de "prêt-à-porter".

O "ritual" de três ou quatro provas do modelo e o tempo de espera para receber a roupa, que no caso das grandes grifes pode superar um ano, é outro problema da alta-costura apontado por analistas. Em um mundo onde tudo circula mais rápido, a demora pode afastar a clientela. Para acelerar o processo, a Chanel criou um site onde as clientes podem colocar suas medidas, o que permite iniciar mais rápido a produção e exige menos viagens a Paris.

Gustavo Lins no desfile de sua grife neste ano em Paris: "ideias personalizadas e identidade precisa" são o objetivo do mineiro, o primeiro latino-americano a integrar o seleto clube

Na época de Christian Dior, que morreu em 1957, os desfiles chegavam a durar duas horas, com mais de cem modelos apresentados. Hoje, em média, as grifes apresentam suas roupas de alta-costura em 20 minutos, com um número máximo de cerca de 40 peças, no caso das grandes grifes internacionais.

Isso também corresponde às mudanças nos hábitos da sociedade. "Antes as coleções tinham vestidos de coquetel, modelos para essa ou aquela ocasião. Mas ninguém mais troca de roupa várias vezes por dia", diz Didier Ludot, especialista em alta-costura que possui três brechós em Paris com raridades criadas pelos antigos grandes costureiros.

Há várias décadas, Coco Chanel, Balenciaga, Christian Dior ou Yves Saint Laurent - responsáveis pela notoriedade internacional da alta-costura francesa - não poderiam imaginar que grandes marcas teriam de fechar suas portas e a atividade em Paris se resumiria a uma dúzia de estilistas. Nos ateliês de alta-costura, a mão de obra totalizaria hoje apenas algumas centenas de pessoas.

Nos anos 20, havia 300 mil costureiras na França, conta Grumbach, da federação francesa e autor do livro "A História da Moda", publicado no Brasil pela editora Cosac Naify. Claro, nem todas essas artesãs trabalhavam para a alta-costura. Havia inúmeros negócios semelhantes ao de uma costureira tradicional nos dias de hoje que se limitavam a copiar modelos. O setor de roupas sob medida era uma verdadeira e poderosa indústria no país.

A alta-costura é o último grande luxo para uma clientela privilegiada e para as marcas que preservaram a atividade

Foi a criação do "prêt-à-porter", em meados dos anos 60, impulsionada por estilistas como Saint Laurent, que começou a criar dificuldades para a alta-costura, diz Grumbach. Antes, não existia praticamente outra opção: havia a alta-costura para as pessoas com maior poder aquisitivo ou o sob medida da costureira do bairro para os demais. Com as roupas de confecção industrial, a alta-costura perdeu bastante terreno. As grifes de "prêt-à-porter" de grandes nomes da moda passaram a ser cada vez mais criativas e a clientela foi deixando a alta-costura para eventos mais excepcionais.

Além disso, até os anos 90, grifes como Yves Saint Laurent ou Christian Dior produziam apenas suas coleções de alta-costura. Elas haviam concedido inúmeras licenças de fabricação de diversos produtos, o que permitia injetar recursos na atividade principal. Nos últimos anos, elas adquiriram de volta essas licenças para controlar todo o processo produtivo e a imagem de suas marcas. Nesse meio-tempo, essas grifes tradicionais se transformaram em grandes grupos industriais exportadores de "prêt-à-porter", perfumes e acessórios, que se tornaram o carro-chefe de suas vendas.

"O modelo da alta-costura mudou", diz Grumbach. "Ela não é mais uma indústria. Ela representa o conhecimento de técnicas que dão outro tipo de imagem à empresa que realiza esse tipo de trabalho", afirma o presidente da federação francesa. Em vez de ser uma atividade comercial, ela seria vista hoje como uma profissão artística.

A alta-costura representa sobretudo uma vitrine excepcional para as vendas de perfumes, bolsas, óculos e modelos de "prêt-à-porter". É uma poderosa ferramenta de marketing que promove e valoriza a imagem da marca. Os desfiles de grandes grifes, que podem custar milhões de euros, são um investimento com impacto direto nas vendas de produtos a preços mais acessíveis.

Grumbach, da Câmara Sindical de Alta-Costura

A alta-costura mantém a diferença entre uma grife de altíssimo luxo e as outras marcas de luxo, dizem os analistas. Na prática, isso significa que quem ainda faz alta-costura pode ser considerado em uma categoria superior no mercado da moda.

Picart afirma que a alta-costura deixou de ser uma atividade comercial rentável, apesar de algumas grifes registrarem um faturamento significativo nesse setor. A alta-costura, diz ele, é o último grande luxo para uma clientela privilegiada e também para as marcas que preservaram a atividade. "Dior, Chanel, Givenchy e Jean-Paul Gaultier mantém a alta-costura porque fazem muito sucesso com os produtos derivados, principalmente perfumes e acessórios." O consultor defende que a alta-costura deva ser considerada uma exceção cultural. Ou seja, uma atividade artística que não deve ser submetida às regras de tratados internacionais, principalmente da Organização Mundial do Comércio.

Paradoxalmente, se foi o surgimento do "prêt-à-porter" que criou dificuldades para a alta-costura, hoje ela não pode se expandir sem o "prêt-à-porter". "Sem a associação com o 'prêt-à-porter', a alta-costura de uma marca não consegue crescer. Ela pode sobreviver, mas não se enriquece", diz Grumbach. Quem cria apenas peças exclusivas feitas à mão permanece uma marca confidencial, voltada para um mercado de nicho.

A nova geração é considerada algo intermediário entre o artesanato de luxo e as grandes grifes de alta-costura. Quando o sucesso chega, é necessário redefinir o desenvolvimento da marca. "Os jovens costureiros optam geralmente pela produção semi-industrial e, mais tarde, pelo 'prêt-à-porter' de luxo", diz Picart.

Modelo com roupa da nova coleção de Stéphane Rolland: "Ter novas grifes é fundamental para o setor da moda"

O lançamento de uma linha de "prêt-à-porter", além de acessórios e um perfume, neste ano, é justamente a meta do costureiro Stéphane Rolland, que antes de lançar a própria marca, há cinco anos, criou durante dez anos as roupas de alta-costura da grife Jean-Louis Scherrer. Os modelos de Rolland, com preços médios entre € 28 mil e € 45 mil, que podem, porém, atingir € 250 mil, são comprados sobretudo por clientes do Oriente Médio, que representam mais da metade das vendas. Há também brasileiras, mas apenas três, diz ele.

Rolland afirma ser um "caso à parte" na alta-costura porque consegue equilibrar suas contas. "Não há lucro, mas sem perfumes nem acessórios, somente com a alta-costura, consigo manter a empresa há cinco anos." Fato raríssimo no setor, ele revela seu faturamento: € 5 milhões em 2011 e prevê aumento de 10% a 20% das vendas neste ano.

O brasileiro Gustavo Lins já possui coleções de "prêt-à-porter" masculinas e femininas, que representam 80% de suas vendas (não reveladas), mas busca uma parceria com um grupo industrial financeiro para obter visibilidade internacional e dar impulso às suas atividades com o lançamento de linhas de acessórios, sapatos, perfumes e outros produtos.

A clientela da alta-costura, estimada em 200 ou 300 mulheres no mundo (algumas centenas a mais se incluídas as que compram esporadicamente) está mudando com o surgimento de novas milionárias em grandes países emergentes como China, Índia e Rússia. Brasileiras também não hesitam em gastar dezenas ou mais de uma centena de milhares de euros, mas em menor escala. Na Chanel, a clientela é principalmente europeia.

Não é apenas para os grandes grupos que manter a alta-costura é um fator estratégico. A atividade está ligada à imagem da França no exterior e contribui para a exportação de produtos de luxo em geral, item que registra forte superávit na deficitária balança comercial do país. A lista de estilistas de alta-costura é, aliás, publicada pelo Ministério da Indústria.

"O risco de não investir em alta-costura atualmente é ver grandes redes, como Zara, H&M e C&A, ocuparem o lugar de marcas de criação no imaginário coletivo", diz Lins.

"Em 1925 já se dizia que a alta-costura iria acabar. Em 2025 ainda dirão isso", afirma Grumbach. Por enquanto, as profecias de desgraça das "Cassandras" da moda não se realizaram.

Fonte:|http://www.valor.com.br/cultura/2534516/para-poucos-e-muito-bons

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