Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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‘O Homem Associa a Opção Sexual à Roupa’, Diz Estilista João Pimenta

Estilista, que faz uso de sua origem pobre para questionar o que é chique, também mistura feminino e masculino na moda para homens

Roupa para homem é feita como item de necessidade, mais que de desejo. Basta ter uma calça e uma camiseta para vestir e eles já se dão por satisfeitos, ao contrário das mulheres, que gostam de experimentar e de inventar personagens para si mesmas. Foi essa percepção que guiou o estilista João Pimenta, 44, quando ele decidiu fazer moda masculina. “O homem associa a opção sexual à roupa”, diz. “Eu faço roupa para o homem que valoriza o diferente.”

Vindo de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, João Pimenta foi mecânico e motoboy antes de enveredar pelo mundo dos tecidos. E antes do glamour da SPFW (São Paulo Fashion Week), onde desfila desde 2010, fez muitos modelos em manequins das Casas Pernambucanas e vestidos de noiva na famosa rua São Caetano, no Bom Retiro, em São Paulo. “Quando tinha 16 anos, participei de um projeto de primeiro emprego em Ribeirão Preto. Fui trabalhar nas Casas Pernambucanas e comecei a ter contato com tecido e a desenhar”, conta.

Pimenta apresenta nesta segunda-feira na SPFW a sua nova coleção, inspirada em monstros que, segundo ele, todo príncipe carrega dentro de si (fotos acima). "Cheguei a um estilo muito legal, o steampunk, que usa uma imagem do século XIX com tecnologia moderna", diz. Confira abaixo a conversa do estilista com o site de VEJA.

Você já se identificava com moda quando começou a trabalhar na área? Quando adolescente, eu tinha afeição por artes e pensava em ser cenógrafo ou ator. Decidi vir para São Paulo aos 17 anos para tentar o teatro. Fiz testes com (o diretor teatral) Antunes Filho. Quando vi que a realidade era diferente, que eu precisava trabalhar e não tinha o dia livre para o teatro, desisti. Aí, fui para a rua São Caetano fazer vestido de noiva.

Como você decidiu fazer apenas moda masculina? Quando abri minha loja na Vila Madalena, há dez anos, descobri essa deficiência do mercado masculino. Os meninos entravam na loja e não encontravam uma boa variedade de peças. Foi aí que caiu a ficha.

Como você se preparou para atuar na área? Não tive formação acadêmica, fui aprendendo na prática, o que é bom por um lado e ruim por outro. Quando você estuda, fica muito direcionado, acaba se inspirando em um estilista e usando-o como modelo. Quando você é mais livre, ousa mais. Não ter formação fez com que eu errasse muito até aprender como fazer. Mas ser autodidata me fez criar do meu jeito.

Como você define a moda que faz? Existe um preconceito enorme em relação ao guarda-roupa masculino. O homem associa a opção sexual dele à roupa. A mulher, não: ela se diverte, acorda cada dia de um jeito e se veste conforme o humor. Na roupa da mulher, você vê busto e quadril. No figurino masculino, a roupa não tem modelagem. Percebi que os homens queriam formas, também, queriam valorizar o corpo. Eu faço roupa para o homem que valoriza uma camisa mais acinturada, com gola redonda. Faço ternos de moletom, com um bolsinho diferente. Tenho clientes que compram saias. Tive um noivo que se casou com uma saia toda plissada.

Você consegue apenas criar, deixando a área comercial a cargo de uma equipe? Infelizmente, eu não tenho essa visão empresarial, não tenho sócios. Esse lado comercial não me atrai como me atrai mexer na roupa. Isso faz com que eu não evolua muito financeiramente, a marca não apareça muito. Mas meu preço é competitivo, e até menor que o da Zara. Uma calça de alfaiataria de linho custa 170 reais, uma camisa, 130. Consigo fazer esse preço porque tenho vários apoiadores de tecido, e também porque demorei muito tempo para ter coragem de me assumir um estilista. Não vejo sentido em aumentar 500%, 600%, 700% o preço de uma roupa por causa do design. Não quero ver minha roupa caríssima, isso porque foge do meu conceito de vida.

Por que você demorou a se assumir estilista? Não pensava que uma pessoa com as minhas raízes pudesse dizer o que é chique ou não é. Não faço parte do metier do mundo da moda, meu pai é da roça. Em um certo momento, percebi que podia usar isso como tema. Trabalho muito o contraponto masculino x feminino, mas também o pobre x rico.

Como foi chegar à SPFW? Eu me sinto diferente de todo mundo ali. Acho bacana ter a oportunidade de estar lá e ser uma marca menor, sem pretensão industrial. Abriram espaço para as minhas ideias. Consigo fazer desfile porque conto com o apoio de todos os profissionais. Consigo fazer um fashion show de 300.000 reais.

O que você vai apresentar na semana de moda paulistana? Sempre falo muito de príncipes e tive a vontade de ver o que aconteceria se eu conseguisse colocar para fora o monstro que todo príncipe tem. Cheguei a um estilo muito legal, o steampunk, que usa uma imagem do século XIX com tecnologia moderna. Fiz todos os meus tecidos no tear, fio a fio. Usei cortes arredondados, peguei um pouco da moda feminina e transpus para a masculina em mangas, golas, recortes. O homem dessa coleção é forte e bem rock’n’roll. A minha cartela de cores é de contrastes de escuros. A coleção é quase toda preta. Como fiz tecido, misturei os fios. Vinho, marrom, cinza chumbo. Tenho muitas cores, mas o efeito final é de um grande escurão, um clima meio sinistro.

Por que você optou por produzir os próprios tecidos? Tecido masculino você não compra no mercado brasileiro. Tem que comprar tecido italiano, o que é um absurdo. Eu quis valorizar a mão de obra nacional, contando com os trabalhos de um tecelão do norte e de bordadeiras de bairros simples. Nunca tive pretensão de fazer parte da história da moda brasileira. Mas agora quero muito fazer parte desse movimento, quero buscar nossa autenticidade, parar de olhar para fora, olhar para dentro e perceber que dá para tirar todas as coleções da vida daqui, para construir essa moda com o DNA brasileiro.

Em que você se inspira? Cada coleção é uma continuidade da outra. Fico digerindo o raciocínio. O que me inspira é propor variações para o masculino. O trabalho de pesquisa é quase todo no Google, fico na internet esmiuçando o tema até achar o que me interessa.

Como você se veste? Sou muito reservado, tímido, não sou ousado, a roupa não me seduz. Estou quase sempre de calça e camisa pretas.

Fonte:|http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/%E2%80%98o-homem-asso...

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