Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

De Maria Antonieta aos dias de hoje, entenda a obsessão com figuras e conceitos da nobreza.

Perucas empoadas, rostos maquiados e vestidos que beiram a teatralidade compõem a imagem tradicional de uma classe aristocrática que parece perdida no passado. De fato, para os estetas modernos, o estilo perdeu espaço para os visuais menos rocambolescos, mas não desapareceu do imaginário pop muito menos do de moda.

Nas passarelas, esse universo estético é fonte inesgotável de inspiração. John Galliano referenciou o visual em sua coleção de alta-costura para a Dior, no inverno de 2000, e Raf Simons, seu sucessor na maison, resgatou igualmente a silhueta de corte do século 18 para criar modelos, em 2014 (hoje o estilista é codiretor de criação da Prada).

Chanel, Louis Vuitton, Alexander McQueen, Moschino e Vivienne Westwood são apenas alguns dos nomes que, ao longo das últimas décadas, também reconheceram a influência de uma classe que, por séculos, consumiu e incorporou os ideais de luxo e beleza. "Toda geração tem a sua própria interpretação da aristocracia", comenta a historiadora Caroline Weber, autora do best-seller Rainha da moda: Como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução, lançado em 2005.

Dior, inverno 2000 alta-costura.Foto: Getty Images.

Madonna na apresentação do VMA, em 1990.Foto: Reprodução

A rainha francesa, já evocada por Madonna, Galliano, Kylie Jenner e Dua Lipa, tornou-se símbolo máximo de uma classe decadente. Longe de incorporar tradição, conservacionismo, decência e modéstia – "ela era o exato oposto de tudo isso", lembra a historiadora –, a estética de sua vida excêntrica inspirou gerações. "Entre as coisas que mais atraem a nossa imaginação estão os absurdos", diz Weber.

O fascínio com a aristocracia criou raízes tão profundas no imaginário cultural que não apenas sobreviveu ao fim de sua influência política como também assumiu novas dimensões. Nas reflexões de Weber, "o paradoxo é que, no final do século 19, nunca houve tanto prestígio atrelado aos títulos e ao privilégio aristocrático, mesmo com a perda significativa de poder político. Eles se tornaram símbolos ainda mais fortes de classe e elegância exclusiva, tão admirados e desejados pelas pessoas."

O momento marcou o surgimento das "princesas do dólar", herdeiras norte-americanas que se casavam na Europa para somar prestígio e títulos de nobreza às suas fortunas. Amy Fine Collins, jornalista e historiadora de arte, argumenta que "essas mulheres tinham toda a riqueza do mundo e ainda assim eram consideradas selvagens pela Europa, o berço do luxo. Casar-se na nobreza era uma forma de diminuir essa diferença social".

Alexander McQueen, pre-fall 2020.

Acompanhando o novo prestígio social, o guarda-roupa das novas princesas também exigia referências à aristocracia. Nos anos 1920, por exemplo, a estilista e condessa Jeanne Lanvin criou o robe de style, inspirado em antigos vestidos aristocráticos e recentemente revisitado por Sarah Burton na coleção de pré-fall 2020 da Alexander McQueen.

A partir daquela década, o allure da nobreza ganhou ainda mais prestígio com a internacionalização da alta-sociedade, que passou a ser conhecida como Café Society. A alta-costura cresceu consideravelmente com o apoio de novos mecenas, incluindo as herdeiras americanas casadas na aristocracia, como Mona Von Bismarck (mulher do conde alemão Albrecht Eduard von Bismarck-Schönhausen) e Barbara Hutton (esposa do príncipe geórgico Alexis Midvani).

Personagens como elas se tornaram menções frequentes na respeitada Lista Internacional dos Mais Bem Vestidos, organizada desde 1940 pela lendária publicitária americana Eleanor Lambert. Após sua morte, em 2002, Amy Fine Collins tornou-se uma das responsáveis por dar continuidade à catalogação. Revisitando nomeações passadas, ela ressalta a importância da década de 1950 no fortalecimento da aristocracia no cenário da moda.

O Baile de Beistegui, em Veneza, 1951.Foto: Getty Images

Nessa época, a lista transbordou com títulos de nobreza, desde princesas notórias, como Margaret Windsor, irmã da rainha da Inglaterra, e Grace Kelly de Mônaco, ex-estrela de Hollywood, até aristocratas mais discretas, como a jovem atriz e filha de uma baronesa holandesa Audrey Hepburn, que encontrou seu lugar na moda ao lado do conde e costureiro francês Hubert de Givenchy.

Até a metade do século 20, o fascínio da moda com a aristocracia dependeu, em larga escala, do prestígio de títulos. Quase como um acessório exclusivo, eles eram ostentados e atraíam olhares interessados, ainda que fossem meramente "vestigiais" e sequer "associados a um país ou governo existente", como lembra Collins.

A rebeldia jovem dos anos 1960 trouxe para o comportamento aristocrático uma mudança inédita. Os filhos das mesmas famílias tradicionais, que construíram a imagem do luxo inalcançável, conduziram a transição direto de Paris. Na década de 1970, discotecas como Le Palace, Castel e La Main Bleue fervilhavam com a juventude ilustre. Nas pistas de dança à noite e nas ruas pela manhã, eles flertavam com círculos mais mundanos de artistas e burgueses, explorando a arte, a moda, a sexualidade e as drogas, em uma imagem consideravelmente menos fria e ostensiva que a de seus antepassados.

A Princesa Diane de Beauvau-Craon, em 1976, fotografada por Robert Mapplethorpe.Fotos: Mapplethorpe Foundation

A Princesa Diane de Beavau-Craon com Jacques de Bascher.Foto: Reprodução

Melhores amigos e ícones da noite parisiense, Jacques de Bascher e Xavier de Castella, de antigas famílias francesas, são exemplos do espírito da nova aristocracia. Divertidos e sedutores, de Castella conquistou o coração do estilista japonês Kenzo Takada, enquanto de Bascher foi disputado por Yves Saint Laurent e Karl Lagerfeld e encontrou seu reflexo na jovem princesa francesa Diane de Beauvau-Craon.

Ainda nos primeiros anos de vida, Diane representou o oposto dos seus iguais em gerações passadas (os príncipes de Beauvau têm raízes históricas no reinado de Luís XV, em 1722, mas a família remonta do século 15). "Com origem tradicional, eu definitivamente não me comportava como deveria. Raspei minha cabeça e era totalmente livre", conta.

Apaixonada pela liberdade desde muito pequena, ela garantiu para si um entourage igualmente disposto a aproveitar os prazeres da vida. A rotina e o comportamento rebeldes renderam a ela o apelido de "princesa punk", mas ela defende que "era mais selvagem do que punk. Dançava loucamente e me vestia de um jeito muito particular. Sempre fiz o que quis e tive experiências extraordinárias, mas nunca me identifiquei como 'punk'".

Depois de conhecer e encantar o estilista americano Halston, Diane se mudou para Nova York para trabalhar para o designer. Dividia noites de festa com Bianca Jagger, Andy Warhol, Robert Mapplethorpe, Tim Leary e Margaux Hemingway.

Loulou de la Falaise e Yves Saint Laurent, 1978.Foto: Getty Images

Em Paris, a cena da moda também vivia a influência de uma nova geração de aristocratas. Filha dos condes Alain e Maxime de la Falaise, Loulou de la Falaise foi musa de Yves Saint Laurent e assumiu a direção de acessórios de seu ateliê. Poucos anos antes, em 1968, a modelo Veruschka, filha do conde Heinrich von Lehndorff-Steinort, da Prússia, posou com a jaqueta-safári, umas das criações mais icônicas do estilista.

Ainda que a efervescência jovem fosse a novidade em voga, ela continuou dividindo espaço com personalidades mais tradicionais. "Há pessoas como a condessa Jacqueline de Ribes ou a minha madrasta [a princesa Laure du Temple de Rougemont] que estão sempre perfeitas, em alta-costura, trocando de roupa três vezes ao dia. E há algumas criaturas como eu", diz Diane.

O contraste entre o seu estilo e aquele dos "tiré à quatre épingles", expressão francesa para falar sobre figuras impecavelmente elegantes, foi um dos grandes chamarizes para Karl Lagerfeld, de quem se tornou muito próxima. Apesar de ter o ateliê de alta-costura da Chanel à sua disposição, Diane preferia jeans apertados e sapatos esquisitos. "E o Karl adorava!"

A relação da princesa e do estilista foi tão significativa que serviu de inspiração para a temporada de alta-costura do inverno 2020 da Chanel, elaborada por Virginie Viard, a sucessora do estilista alemão na casa.

Chanel, inverno 2020 alta-costura.Fotos: Divulgação

A veia disruptiva e rebelde que parte da nobreza assumiu a partir da metade do século 20 é um dos pilares que sustenta sustenta o fascínio da moda com esse universo. Para além da beleza clássica imutável (uma insistência anacrônica em alguns cantos da esfera do luxo), a paixão pela quebra de expectativas sociais e culturais é um sentimento que ambos os mundos têm em comum – ainda que bastante apegados a privilégios e noções datadas de exclusividade e comportamento.

E o deslumbre continua em alta, apesar dos discursos por mais diversidade, inclusão e igualdade praticado por muitas marcas. No fim de 2020, a princesa monegasca Charlotte Casiraghi, neta de Grace Kelly, se tornou embaixadora da Chanel. Em 2021, Charles de Vilmorin, estrela Gen-Z da moda e membro da tradicional família francesa de Vilmorin, foi recém-nomeado diretor criativo da Rochas. Mais recentemente, o príncipe Nikolai da Dinamarca foi convidado para desfilar nas passarelas da Dior. A maison francesa também conta com as primas Victoire e Cordelia, da histórica família de Castellane, na direção dos ateliês de joalheria e artigos para casa e crianças, respectivamente.

Se a imagem da aristocracia, hoje, se apresenta distante dos clichês fantasiosos e teatrais, seu allure ainda é bem próximos de valores cada vez mais em choque com princípios sociais mais democráticos. Em tempos em que se discute tanto o futuro da moda, se debruçar sobre o que ainda encanta e inspira parte dessa indústria e mercado se mostra cada vez mais urgente.

https://elle.com.br/moda/o-que-ha-por-tras-do-fascinio-da-moda-com-...

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