O carioca Fábio Bastos, 35, trocou os dias de sol e praia no Rio de Janeiro pela cinzenta paisagem de Pequim, na China por conta de uma missão, a princípio, inusitada: ele pretende trabalhar com o governo chinês em um projeto para substituir as lavouras de algodão do país por plantações demaconha. Entretanto, isso não significa que o rigoroso regime comunista está abrindo as portas para hábitos mais liberais. O objetivo real é inserir a fibra do caule da Cannabis sativa, também conhecida como cânhamo, na dinâmica do agronegócio e da indústria têxtil.
Bastos é dono da multinacional uruguaia Sediña, especializada na produção e exportação do cânhamo. Apesar de não plantar maconha recreativa, aquela que provoca “um barato” em quem a consome, a empresa também vende produtos voltados para os apreciadores da erva, como papel seda, isqueiros e piteiras. Presente em 18 países no mundo todo, como Brasil, Estados Unidos, Alemanha e Índia, a Sediña faturou aproximadamente US$ 2 milhões em 2015, e pretende neste ano aumentar este valor para US$ 5 milhões. Em alguns destes países, por conta de restrições legais quanto ao cânhamo, as exportações da marca são restritas aos artigos de tabacaria.
Há quatro anos, Bastos não imaginava o quanto a indústria da maconha legalizada poderia se tornar um bom negócio. Após 20 anos trabalhando com jornalismo, encontrou no vizinho Uruguai a chance de melhorar de vida. “Quando o Mujica (ex-presidente do Uruguai) liberou a maconha em 2013 pensei: imagina o quanto os uruguaios vão fumar! Resolvi vender papel seda para suprir a essa demanda, mas a verdade é que com a legalização nada mudou quanto ao consumo”, afirma.
Se os vizinhos do Brasil não enrolaram mais cigarros do que o esperado, ao menos o país ainda tinha portas abertas para o plantio legalizado. Após passar por rígidos processos de regulamentação, o empresário investiu o cultivo de cânhamo, abrindo oficialmente as portas da Sediña em meados de 2014.
O cultivo do cânhamo não é algo novo no mundo, e há registros de plantações milenares em regiões da Ásia. A partir do século 14, a fibra da maconha se popularizou em parte da Europa como matéria prima para a fabricação de cordas e velas de navio, e foi largamente usada por países navais como Portugal.
Apesar de ser da mesma família botânica, a maconha recreativa e o cânhamo apresentam diferenças tanto na forma de cultivo quanto na composição química. O cânhamo tem baixos teores de THC, substância responsável pelos efeitos psicotrópicos, e os produtores utilizam técnicas simples de plantio – “basta jogar a semente no chão que ela cresce. Não precisa nem se preocupar com pragas, pois é a planta mais resistente do mundo”, brinca Bastos. Ao contrário, a maconha recreativa necessita de maiores investimentos por parte dos produtores, além de precisar de cuidados especiais, como o cultivo em estufas, para que os resultados certos de THC sejam alcançados. No Brasil, ambos os cultivos são proibidos por lei.
O sucesso da Sediña nos primeiro anos trouxe para Bastos a oportunidade de trabalhar em conjunto com o China's Hemp Research Centre, órgão do governo chinês responsável por pesquisar sobre as propriedades e o uso da Cannabis Sativa.
Quem acende um cigarro de maconha na China ainda tem grandes chances de ser preso. Ainda assim, a planta é uma oportunidade de produzir matéria prima para a indústria têxtil com uma produtividade maior por hectare do que o algodão.
De acordo com o China's Hemp Research Centre, 1,3 milhão de hectares de maconha plantada seriam suficientes para fornecer, em cânhamo, material equivalente ao colhido nos mais de 5 milhões de hectares destinados ao algodão – que, caso o plano do governo de plantar Cannabis sativa funcione, teria parte de suas terras substituídas pelo plantio de gêneros alimentícios comosoja e trigo. Hoje, a tonelada do cânhamo está cotada no mercado internacional entre US$ 5 mil e US$ 10 mil, enquanto a do algodão fica em aproximadamente US$ 100 por tonelada.
Para Bastos, com o avanço da legalização da maconha pelo mundo, o cânhamo surge como uma boa oportunidade ao agronegócio. “O custo benefício em relação ao algodão é 60% melhor”, conta o brasileiro, que não considera que a maconha recreativa em curto prazo possa seguir o mesmo caminho como uma cultura agrícola de larga escala. “Por envolver também a indústria farmacêutica, a planta com THC mais alto ainda precisa de estudos sobre suas formas de utilização antes de pensarmos em produção industrial.
Em relação ao processo de legalização, Bastos critica a situação no Brasil, a qual classifica como “hipócrita”. “Muitas autoridades disseminam a desinformação ao considerarem o cânhamo e a maconha recreativa como uma mesma coisa. Mesmo países que proíbem o uso da planta como psicotrópico estão ao menos legalizando a produção da fibra. A cada declaração errada das autoridades estamos andando cinco anos para o passado”.
Entre as folhas verdes escuras das plantações de maconha, Bastos continua seu trabalho a frente da Sediña e se mantém a frente da batalha pela legalização mundial: “Alguns países como o Uruguai estão vinte anos no futuro. É um primeiro passo par um avanço mundial da descriminalização da maconha.
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