A Nike tem vindo a trabalhar com a Flex, a empresa de produção de alta tecnologia conhecida pela fabicação das pulseiras fitness Fitbit e dos servidores da Lenovo, para introduzir uma maior automação no processo de produção de calçado, de outra forma intensivo, analisa a CNBC.
Gradualmente, as instalações da Flex, no México, tornaram-se uma das unidades produtivas mais importantes para a Nike, responsáveis não apenas por uma fatia crescente da produção da empresa, mas também por um conjunto de inovações, como o corte a laser.
O vínculo com a Flex tem ainda um eco social e político. Nas últimas duas décadas, a Nike foi uma das pioneiras na subcontratação da produção nos países em desenvolvimento, onde tem sido alvo de acusações de recurso ao trabalho infantil e de outros tipos de exploração.
No entanto, muitos desses países temem agora que os robots os privem da oportunidade da industrialização. Se a Nike apostar numa maior automação e acabar por cortar na produção na Ásia, a empresa poderá encontrar-se no epicentro de uma controvérsia política com outra escala.
A Nike tem afirmado que o crescimento das vendas permitirá que a empresa abrace a automação mantendo a força de trabalho atual. Contudo, a empresa é uma das maiores empregadoras multinacionais, com mais de 493 mil trabalhadores em 15 países envolvidos na produção do calçado desportivo da Nike. Na globalidade dos produtos do grupo, as fábricas subcontratadas empregam 1,02 milhões de trabalhadores em 42 países.
Sridhar Tayur, professor de gestão na Tepper School of Business da Carnegie Mellon, considera que as decisões tomadas pela Nike sobre a automação serão um marco para a indústria.
A Nike tem sublinhado constantemente os seus esforços para posicionar-se como um negócio ético e sustentável, mas qualquer desvio dessa narrativa pode vir a motivar uma reação negativa em cadeia.
«O consumidor nos EUA tornou-se muito mais sofisticado na compreensão das injustiças», refere Tayur. «Imagine-se a reação, se a promessa não for cumprida», acrescenta.
Correr atrás de soluções
Não obstante, a Nike precisa de um impulso nas vendas.
Antecipando 34,4 mil milhões de dólares em vendas para o ano fiscal de 2017, o grupo tem um longo caminho a percorrer para atingir a ambiciosa meta dos 50 mil milhões em 2020. Mark Parker, CEO da marca, fixou o objetivo em 2015, numa altura em que a Nike liderava o caminho na tendência de athleisure. No entanto, a empresa tem sentido dificuldades em alavancar o crescimento face a uma competição feroz e a um ressurgimento da Adidas na América do Norte.
O potencial da automação é, por isso, significativo para a Nike.
Os analistas do Citibank estimam que, ao usar o processo produtivo da Flex para produzir as Nike 2017 Air Max, uma das linhas mais vendidas, o custo do trabalho pode diminuir até 50% e os custos dos materiais cairem aproximadamente 20%. Isso equivale a um aumento de 12,5 pontos percentuais nas margens brutas para os 55,5%, segundo os analistas Jim Suva e Kate McShane.
Se a Flex assumir 30% das vendas de calçado da Nike em território norte-americano, a marca pode poupar até 400 milhões de dólares em custos com mão-de-obra e materiais, representando um benefício de 5% no lucro por ação, de acordo com as estimativas do Citibank.
Todavia, o ímpeto para usar a automação não se esgota nos custos: também permite responder às exigências dos consumidores.
Atualmente, os retalhistas mais bem-sucedidos são aqueles com um fluxo constante de novos produtos para atender aos gostos e aos hábitos de compra em constante mudança. Não obstante, as empresas tardaram em adaptar o calçado, devido aos processos produtivos morosos.
O novo processo de fabrico desenvolvido pela Flex introduziu duas ideias outrora consideradas impossíveis: o processo de colagem foi automatizado e os lasers são usados para cortar o material Flyknit.
A produção mais próxima dos principais mercados também pode ajudar a gigante desportiva a satisfazer parte dessa procura. No entanto, para empresas como a Nike, esta estratégia traz novas questões políticas aos países onde atua há duas décadas. A empresa corre o risco de ser atacada por privar os trabalhadores asiáticos de emprego.
A Organização Internacional do Trabalho estima que cerca de 56% do emprego no Camboja, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietname corra o risco de ser automatizado nos próximos 10 a 20 anos, com os empregos na produção de vestuário e calçado entre os mais atingidos. Mais de 75% dos trabalhadores da linha de calçado da Nike trabalham no Vietname, Indonésia e China.
A Nike ressalva que, se as vendas continuarem a crescer, os empregos na sua cadeia de aprovisionamento estão garantidos.
Já Jae-Hee Chang, coautora de um relatório da Organização Internacional do Trabalho sobre o emprego na Ásia, assevera que se as mudanças forem lentas e comunicadas de forma clara e se as fábricas tiverem a oportunidade de implementar as mudanças, as perdas de postos de trabalho decorrentes da automação não serão tão graves quanto se esperaria.