Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Transição ecológica: têxteis, moda e luxo enfrentam ponto de viragem

Numa altura em que as catástrofes naturais ligadas às alterações climáticas se multiplicam em todos os cantos do mundo, a transição ecológica já não é vista como uma opção. Há mais de 10 anos que a indústria da moda está empenhada neste combate, mas o desafio continua a ser enorme e parece abrandar num contexto dominado por tensões geopolíticas e por uma conjuntura económica difícil. O terceiro Fórum da Moda Sustentável de Veneza, intitulado “leading re-generation”, realizado na que é conhecida como "cidade do amor", a 24 e 25 de outubro, constituiu uma oportunidade para fazer o ponto da situação. Parece ter chegado o momento de fazer escolhas decisivas para o setor, entre os progressos realizados, os recursos disponíveis, os obstáculos burocráticos e os objetivos a atingir.


Os players da moda reuniram-se em Veneza para fazerem o ponto da transição ecológica - SMI


Esta é a conclusão a que chegou a empresa de consultoria The European House - Ambrosetti, uma das organizadoras do evento juntamente com o Sistema Moda Italia (SMI), a confederação patronal que representa todas as empresas têxteis e de vestuário em Itália, e a associação patronal local Confindustria Veneto Est. A empresa publicou um estudo que propõe uma projeção até 2030, data fixada pela União Europeia (UE) para atingir o objetivo de reduzir as emissões de carbono em 55% em relação a 1990, com vista a atingir a neutralidade carbónica em 2050. O documento tem também em conta o pacote de medidas legislativas novas e revistas, conhecido como “Fit for 55”, adotado pela UE em 2023.

Nos últimos seis anos, a indústria europeia da moda reduziu a sua própria intensidade de carbono em 9,7% por ano, um indicador que mede o rácio entre as emissões totais de CO2 de uma empresa e o seu volume de negócios total. No entanto, de acordo com os cálculos da Ambrosetti, a este ritmo, a indústria não conseguirá atingir os objetivos “Fit for 55” em 2030, mas sim em 2038, ou seja, oito anos mais tarde. “O problema é que este atraso terá um custo significativo para o setor, tendo em conta o impacto socioeconómico das alterações climáticas”, explica Carlo Cici, um dos autores do estudo.

“Este impacto é atualmente estimado em 50 mil milhões de euros por ano para a indústria da moda europeia. A indústria vê-se assim confrontada com duas opções possíveis. Ou investe para recuperar o atraso, tornando as suas empresas mais eficientes do ponto de vista energético, etc., com um custo adicional global estimado em 24,7 mil milhões de euros até 2030, ou será forçada a reduzir a produção para limitar as suas emissões, sabendo que isso custará muito mais, cerca de 157 mil milhões de euros. Estabelecemos os dois cenários extremos. As empresas terão provavelmente de encontrar um equilíbrio entre estas diferentes soluções”, acrescenta o diretor de Práticas Sustentáveis da Ambrosetti.

De acordo com o estudo, das 100 grandes empresas que empregam mais de 250 pessoas e têm um volume de negócios superior a 45 milhões de euros, 28 ainda não têm um balanço ambiental. No entanto, 34 delas estão a descarbonizar ao dobro do ritmo exigido pela UE. Embora alguns destes investimentos possam parecer relativamente acessíveis para os grandes grupos de luxo, são insustentáveis para as PMEs, que representam mais de 90% do tecido industrial, nomeadamente em Itália, a verdadeira fábrica do luxo europeu. Ao examinar os balanços de 2.686 empresas, as conclusões do relatório são incontestáveis: “Para suportar os investimentos suplementares necessários à descarbonização, as PMEs arriscam-se a ter de renunciar a 5,8% das suas margens, quando a sua margem média se situa entre 7% e 11%, e 7% para as mais pequenas”.

No entanto, é difícil para as empresas planearem investimentos sem alguma visibilidade da regulamentação futura. “Estamos empenhados em introduzir sistemas de responsabilidade alargada do produtor para produtos em fim de vida até 2022, lançando assim as bases para uma indústria de reciclagem. À medida que nos aproximamos de 2025, ainda estamos à espera dos decretos de execução. As empresas estavam adiantadas. É a burocracia que está atrasada”, afirma o presidente da SMI, Sergio Tamborini.
 


Os diferentes cenários para a descarbonização do têxtil até 2030 - Ambrosetti


O comissário refere ainda que “a dinâmica de há 10 anos perdeu a sua intensidade. Atualmente, a sustentabilidade está reduzida a normas e protocolos. Mas a transição ecológica não pode ser apenas uma questão de burocracia. Na Europa, temos uma infinidade de regulamentos e certificações impostas aos nossos fabricantes para produzirem de forma responsável. Ao mesmo tempo, estão a entrar no nosso mercado produtos fabricados em condições totalmente contrárias ao que é exigido aos fabricantes europeus. Comecemos por fazer cumprir as leis, que já existem, sem complicar ainda mais a tarefa do empresário”.

“Provavelmente, houve demasiados regulamentos. Demasiados e demasiado depressa. Queremos reduzir a burocracia, o que significa menos regulamentação, por um lado, mas melhor regulamentação, por outro”, resume Dirk Vantyghem, diretor-geral da Euratex. “Inicialmente, tivemos de nos concentrar na mudança verde. Agora temos de perceber como pôr em prática este quadro legislativo, mantendo o tecido industrial. É como um puzzle complexo, em que cada peça representa negociações e processos morosos que temos de finalizar nos próximos anos. Mas, uma vez concluído, este puzzle apoiará toda a indústria têxtil”.

“Temos de conciliar a sustentabilidade e a indústria. O importante é que estas regulamentações não travem a indústria e a competitividade”, explica Barbara Cimmino, vice-presidente da Euratex, referindo-se ao mal-estar atual entre as empresas, que travaram os seus investimentos à espera de um quadro legislativo ‘claro, definido e completo’.  É evidente que as empresas precisam de ter uma perspetiva para poderem investir, e isto numa altura em que os consumidores, por outro lado, não parecem ter alterado o seu comportamento de compra face à emergência climática.

“Contrariamente ao que nos dizem os jornais, não se tornaram mais responsáveis do que antes. É o que resulta do nosso inquérito, que interrogou 26.000 consumidores em todo o mundo. É evidente que, com menos dinheiro na carteira, não vamos pagar mais por um produto que podemos obter por menos”, declara Carlo Cici.

“Inverter uma trajetória de consumo tão elevado será realmente complexo. É verdade que as novas gerações têm princípios e um credo diferentes, mas se olharmos mais de perto para os seus perfis, há uma diferença notável entre uma elite consciente dos problemas associados ao aquecimento global e um núcleo muito mais vasto de 'hiper' consumidores. Por isso, não devemos fazer com que a fast fashion se sinta culpada, mas devemos orientá-la para a circularidade”, afirma Barbara Cimmino, que é também cofundadora da cadeia de lingerie Yamamay.
 
Em 2022, a Comissão Europeia publicou a sua estratégia para os têxteis sustentáveis. Esta faz parte de um pacote mais vasto de medidas que inclui dezasseis novas ações legislativas entre diretivas e regulamentos. “Os regulamentos são aplicados diretamente pelos Estados-Membros da UE. As diretivas, por outro lado, têm um processo legislativo muito mais longo, uma vez que cada nação tem de criar as suas próprias leis, às quais pode introduzir alterações importantes. Daí o problema da harmonização em todo o mercado europeu”, salienta.



As 16 ações legislativas promovidas pela UE para garantir a durabilidade do setor têxtil - Euratex


O custo e os esforços exigidos às empresas de moda para se adaptarem às novas regras recaem principalmente sobre a parte a montante, ou seja, os tecelões, os produtores de matérias-primas e os fabricantes. É um jogo perigoso”, diz Sergio Tamborini. "Porque muitas vezes estamos a falar de empresas com ombros frágeis aos quais se juntam uma série de responsabilidades que nem sempre estão em condições de suportar".

“Hoje, pedem-nos mais do que podemos fazer. Os investimentos só podem ser feitos se tivermos os recursos”, acrescenta Bruno Conterno, diretor-geral do produtor e distribuidor de calçado Nice Footwear. “Para apoiar o nosso desenvolvimento, optámos por abrir o capital em 2021. Passados dois anos, retirámo-nos da bolsa por ser demasiado instável para o nosso modelo de negócio. Tínhamos duplicado as nossas vendas e EBITDA, enquanto o nosso valor de mercado tinha caído para metade! Os empresários têm de perceber quem é o parceiro financeiro certo para o seu projeto. Outro problema é o facto de os investidores não acreditarem nas PMES e nas suas capacidades”, reforça.

É difícil atrair investidores para o setor têxtil italiano, constituído na sua maioria por pequenas empresas, na sua maioria artesanais. O conceito Made in Italy de “small is beautiful” já não é viável. “Atualmente, tornou-se um limite. Temos de mudar o nosso modelo cultural. Os artesãos pensam em seis meses e têm dificuldade em planear os investimentos para assegurar a sua transição ecológica. As PMEs precisam de formar consórcios para poderem confiar nos líderes”, acredita.

Foi o que fez a Beste, especialista toscana em têxteis e acabamentos, ao aderir ao cluster de produção de alta gama Holding Moda em 2023: “Foi um passo necessário e fundamental. Muitas vezes sentimo-nos abandonados, com os políticos a saberem pouco ou nada sobre a realidade da indústria têxtil. E temos de nos defender sozinhos”, lamenta o diretor-geral desta empresa sedeada em Prato. “A entrada na holding deu-nos grandes oportunidades, incluindo junto dos bancos, onde somos agora recebidos com deferência. Temos outras disponibilidades e visões. Por exemplo, estamos a relançar a produção de algodão italiano, o que é de grande interesse para os nossos clientes de luxo”, sublinha.

Para acelerar a transição ecológica das empresas, os setores privado e público devem também aproximar-se e as ajudas devem ser diversificadas. É o que afirma Annalisa Areni, diretora de Estratégia de Clientes do Unicredit Bank: “O papel do banqueiro mudou muito. Já não se trata apenas de financiar, mas de orientar as empresas para o crescimento, ajudando-as a compreender o caminho a seguir e as áreas a melhorar. É fundamental garantir-lhes financiamentos alternativos. Como as mini obrigações setoriais. Mas os bancos, por si só, não podem ajudar todas as PMEs. Uma parceria com o setor público, por exemplo, em termos de isenção fiscal, é essencial”, defende. E admite que, neste momento, “há um travão ao investimento, como em todos os períodos de incertezas”.

Outro obstáculo é a viabilidade do novo modelo económico que está a tomar forma e a preservação dos postos de trabalho. Estes diferentes obstáculos são tidos em conta nas cinco propostas apresentadas pela Ambrosetti para acelerar a transição. No seu relatório, a consultora recomenda a definição rápida do quadro legislativo, a simplificação dos instrumentos financeiros para as PMIs, o incentivo à agregação dos mercados para aumentar a competitividade e a elaboração de planos industriais para o setor da moda a nível nacional, “porque é a esta escala que podemos realmente agir”. A isto junta-se a necessidade de reforçar as competências, bem como a investigação e o desenvolvimento.

“Temos todas as oportunidades para fazer face a esta revolução verde. O que precisamos é de um nível mínimo de sensibilização, comparando os custos da ação com os da inação. Nos próximos 10 anos, os investimentos necessários para combater as alterações climáticas serão substanciais. Mas quanto mais esperarmos, mais pagaremos. Isto não é negociável”, conclui Carlo Cici.
 

TRADUZIDO POR
Helena OSORIO

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