GKay deixou todas as suas máscaras caírem, literalmente, para conversar com o FFW durante uma quase madrugada em Paris. Fenômeno da internet e uma das mulheres mais famosas do Brasil, a humorista Gessica Kayane estava na cidade para acompanhar pela primeira vez a semana de moda.
Acompanhada do stylist Daniel Ueda, ela visitou lojas como Schiaparelli, Comme des Garçons e Balenciaga, onde foi convidada para uma experiência “full on”: ganhou convite para o desfile, hospedagem em hotel cinco estrelas, com direito a uma arara com três looks de Couture pra usar no desfile, conversa com Demna no backstage e uma visita ao ateliê da marca, um espaço inacessível ao grande público e que recebe pouquíssimas mulheres no mundo.
GKay saiu de Solânea, cidade no interior da Paraíba, e começou a fazer sucesso como humorista em 2016. Mas neste ano, sua imagem deu uma guinada após o encontro com Ueda, que constrói looks extravagantes e singulares que, tão logo caem na rede, despertam paixões e até ataques.
Para se diferenciar em um já sobrecarregado mercado de influenciadoras, muitas celebridades têm recorrido a stylists que emprestam sua experiência, criatividade e rede de contatos para criar imagens ultra fashionistas com roupas das marcas mais desejadas e caras do mundo. E, como a gente sabe, a combinação entre looks especiais e 20 milhões de seguidores pode ser bombástica. Hoje, GKay é uma grande cliente e heavy user de marcas como Balenciaga e Mugler e tem alcançado lugares que a maioria das pessoas no mundo da moda apenas sonham.
Nossa conversa aconteceu pelo Zoom, ela e Daniel Ueda em Paris, eu em São Paulo. Era quase meia noite na França, ela entrou na nossa chamada de vídeo, apoiou o celular na pia do banheiro e começou a tirar a maquiagem. Foi interessante acompanhar ela se despindo da “personagem” GKay enquanto também se desarmava a cada resposta. Abaixo, você confere os principais trechos da entrevista:
GKay como foi sua experiência com a Balenciaga em Paris?
GKay: Foi a coisa mais incrível e inesperada. Inexplicável o jeito que eu fui tratada, poder encontrar o Demna, estar nos bastidores do desfile. Eu sentia até dormência na hora, não acreditava que algo tão incrível estava acontecendo na minha vida.
Daniel, por que a Balenciaga virou a marca obrigatória pra influenciadoras?
Daniel Ueda: Acho que é o trabalho que o Demna tá fazendo com a marca, os hits que ele cria, a polêmica… Tudo isso transformou a Balenciaga em uma das principais grifes do mundo. Mas esse amor da GKay com a Balenciaga já vem antes de mim. A Loewe agora virou queridinha de todas também.
GKay, você usa peças super especiais e vemos um esforço na construção de looks inusitados e elaborados. Muita gente te critica por usar marcas caras e por se apropriar da moda pra construir uma imagem fashionista. Por que você sofre esse preconceito?
É claro que existe uma crítica sobre ser uma
mulher nordestina, uma mulher humorista que não ter papas na língua. Desde o início da minha carreira eu sempre fui muito criticada por qualquer coisa que eu fazia. Sou uma mulher independente, me transformo, chamo atenção onde quer que eu vá.
E como você lida com os haters?
Às vezes eu tiro sarro porque tem hater que é muito fora da curva, mas eu penso assim: se eu não tô fazendo mal a ninguém, estou apenas fazendo o meu trabalho, sem depreciar ninguém, então o erro talvez esteja nas pessoas. Comecei a pensar dessa forma pra lidar com essas ondas de críticas e de haters, porque é algo que sempre acontece quando uso um look ou dou uma opinião. Eu não quero viver dando explicação e satisfação e não vou ter medo de ser a Gkay por causa do que as pessoas acham. Porque elas sempre vão achar alguma coisa.
A moda hoje é parte do seu trabalho e da sua persona nas redes. Como ela atravessa seu trabalho artístico e como ela entrou na sua vida?
Sempre tive esse desejo de me relacionar com a moda, mas sempre fui muito cuidadosa com minhas finanças. Esperei chegar numa condição financeira legal pra poder investir nessas marcas históricas. Moda pra mim é a mensagem que você quer passar pras pessoas, é o jeito que você quer se expressar. É uma arte que você pode vestir. A Carmem Miranda tinha um estilo que até hoje é lembrado. É incrível você ter um estilo tão marcante que as pessoas lembrem de você através dele.
Você busca isso?
Eu busco ser reconhecida por um estilo, mas eu quero ser lembrada como a Gkay mesmo, que brincava com a moda. As pessoas ficam nessa rotulação, ‘você tem que ser um fashion icon…’ Não quero viver em função disso. Eu quero ser só a GKay.
O que significa pra você ter acesso a esse pequeno circuito de pessoas que chegam a espaços super exclusivos, como os ateliês de alta costura?
Significa muito pra mim. É essa coisa de sonho. A gente nunca deve desistir porque nessa vida, nada é impossível. E eu tenho lugar de fala pra conversar sobre isso. Vim do interior da Paraíba, de um lugar onde não se tinha acesso algum. Então, poder ter essas coisas hoje é surreal.
Os looks do editorial pro FFW também são surreais e você se mostra muito aberta às propostas do Ueda. Como funciona essa dinâmica?
Eu e Dani temos muita sintonia, trocamos muita figurinha e eu confio no trabalho dele. Você sempre deve ouvir quem entende mais que você e eu sou boa de escutar. O trabalho do Dani é essencial e ele sabe que eu sou corajosa.
Daniel, como você consegue peças tão exclusivas estando no Brasil?
A gente faz contato com as marcas e também temos pessoas fora do Brasil olhando tudo, mandando foto, indo a showroom e encomendando…
O quão importante é conseguir antes dos outros peças do momento, peças mais raras? Existe uma corrida pra ver quem sai na frente pra fotografar determinado look?
Daniel: Acho que sim porque muitos looks são concorridos e se uma pessoa usa, a outra talvez não queira mais usar. Eu não ligo muito pra isso na verdade… Mas como a GKay fica direto pesquisando, ela vai mandando as coisas na frente e a gente vai atrás do look.
E como você define o estilo da Gkay?
Daniel: A gente passeia por tantas skins dependendo do mood. Ela não tem medo de tentar, ousar, se transformar. É uma coisa meio camaleônica e a gente transita muito pelos estilos. Nunca definimos um caminho pensando: olha, seu estilo é esse. Nosso processo é mais intuitivo.
GKay, você já gostava de moda quando morava em Solãnea, mas não tinha acesso? Você via a moda como algo elitista, do qual não fazia parte?
Não é nem elitista, é muito blasé mesmo. Não vejo por aí essa empolgação que eu e o Dani temos. As pessoas ainda são muito blasé e eu acho que isso tem que acabar. Quando você tem paixão por algo, tem que se jogar naquilo e viver o momento.
Por que você acha que as pessoas gostam tanto de te acompanhar pelos passeios mais “fashion”?
Acredito que algumas pessoas gostam desse meu lado fashionista porque eu desmistifico tudo isso. Não é porque a pessoa não tem condição de comprar que ela não pode ter acesso a essa informação. As pessoas querem ver, querem saber como é, mas têm receio porque a galera da moda é fechada e isso causa medo nas pessoas e faz elas acharem que isso não é pra elas. E eu acredito que a moda é pra todo mundo. Estamos num mundo muito globalizado pra impedir a informação das pessoas, só porque apenas algumas pessoas têm acesso, sabe? Isso não combina mais com o mundo que a gente vive hoje. Não é porque eu sou humorista que eu não posso me interessar por moda.
Como você lida com a ultra exposição?
É a minha vida, então não é nenhum esforço. Amo compartilhar minha vida. Fazer conteúdo é a coisa que mais amo fazer no mundo.
Como era sua vida em Solânea?
Saí de baixo e sempre tive o sonho de trabalhar com algo que envolvesse comunicação, mas não tínhamos condições. Nunca cheguei a passar fome, mas éramos muito carentes. Minha vida era muito restrita morando numa cidade pequena, no interior da Paraíba, com menos de 30 mil habitantes. Sempre fui muito estudiosa, desde criança, porque sempre acreditei que o estudo é algo que ninguém pode lhe roubar. E era minha esperança de sair daquela situação.
E como foi sua trajetória de Solânea até virar uma comediante e depois celebridade?
As coisas começaram a melhorar quando eu passei no vestibular pra estudar na capital, João Pessoa. Comecei estudando Relações Internacionais, mas falavam pra eu estudar Comunicação. Quando fui morar em João Pessoa, pedi uma câmera emprestada pra uma amiga e apareceu um menino que disse que editaria meus vídeos de graça (inclusive ele edita até hoje!) E comecei a fazer meus primeiros vídeos. Hoje em dia você chegar e dizer que vai trabalhar com internet é muito mais fácil do que anos atrás. As pessoas nem entendiam o que eu fazia.
Quando você descobriu que tinha jeito pro humor?
Sempre tive esse jeito mais engraçado. Falava muito, era a oradora da classe. Mas quando comecei na internet não vislumbrava nada. Na minha cabeça, eu ia chegar a ter muitos seguidores daqui 10 anos. Não foi algo que pensei: vou trabalhar com internet e ficar rica. Era mais algo tipo: vou tentar alguma coisa e se me der algum dinheiro, ótimo. No começo foi muito difícil porque não tinha ninguém pra me guiar. Sofri muitos golpes, foram muitos percalços até começar a ganhar uma grana.
Quanto tempo levou pra você começar a ganhar dinheiro?
Dinheiro, dinheiro mesmo? Uns dois anos. Uma das primeiras coisas que comprei foi um iPhone usado de um amigo porque meu celular travava muito e apagava tudo o que eu gravava.
Qual a última coisa que você faz antes de dormir?
Amo ver séries e filmes – não consigo
dormir sem antes assistir alguma coisa. Sou aquele meme que diz assim ‘ah vou assistir uma coisinha leve pra dormir’ e entro numa série de psicopata.
Quando você chega em casa, se desmonta, tira a maquiagem e desliga o celular, quem é você?
Eu sou uma menina sonhadora, como sempre fui.
por Camila Yahn
https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/gkay-por-tras-da-construcao-da...