A esperteza chinesa
11 de setembro de 2011 | 0h 00
Suely Caldas - O Estado de S.Paulo
Em discurso transmitido pela TV na véspera do Dia da Independência, a presidente Dilma Rousseff avisou em tom duro e afirmativo, de quem não quer deixar nenhuma dúvida: "Não vamos permitir ataques às nossas indústrias e aos nossos empregos e não vamos permitir jamais que artigos estrangeiros venham concorrer, de forma desleal, com nossos produtos". Empresários industriais aplaudiram. Em seguida ela prometeu: "Vamos ampliar e defender o mercado interno". Mais aplausos.
Divulgado dois dias antes, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre comprovou uma desaceleração não esperada da produção industrial no País. Em compensação, as importações de bens de consumo cresceram 30,9% até agosto e os automóveis, com expansão de 44,4%, foram o item que mais pesou. Será que o aumento do consumo das famílias, detectado na pesquisa do PIB, vem sendo alimentado pelas importações? O economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), é um dos que acreditam nisso. "O repique do segundo trimestre pode refletir um comportamento indesejado da demanda", analisou, ao observar que produtos importados estão suprindo o aumento do consumo.
O governo quer agir, impedir que se espalhe por outros setores industriais a "invasão" de importados até agora restrita. Mas sustenta que vai fazer tudo "dentro da lei", das regras permitidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), e não vai apelar para artifícios de barreiras comerciais, tributárias e outras práticas protecionistas. Se assim for, parece não haver risco de um retrocesso inimaginável de voltar a fechar a economia ao exterior num mundo tão globalizado. Foi o que garantiu o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, na última quinta-feira, ao correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade.
Se quer perseguir tal objetivo, a presidente precisa apontar para dois alvos: dar maior agilidade e eficiência ao funcionamento do nosso sistema de defesa comercial e, dentro dele, conceber tratamento mais duro para produtos originários da China, que aqui chegam a preços imbatíveis na concorrência com similares nacionais. O yuan desvalorizado, os baixos salários dos trabalhadores chineses e a triangulação com a Argentina para se livrar do imposto de importação são algumas das razões que tornam o produto chinês mais barato do que o nacional.
A China é, hoje, o maior parceiro comercial do Brasil. Entre janeiro e julho deste ano, nossas exportações cresceram 46% em relação ao mesmo período de 2010, somando US$ 24,436 bilhões. Embora o saldo - de US$ 6,748 bilhões - seja favorável ao Brasil, não há diversificação da pauta e 80% das nossas exportações estão concentradas em apenas três produtos: minério de ferro, petróleo e soja. São commodities que a China necessita para viver, alimentar-se, desenvolver sua indústria e gerar seus empregos. Aqui, ela não compra produtos industrializados com maior valor agregado. Mas, na direção contrária, os produtos chineses que chegam ao Brasil são manufaturas de alto padrão, como televisores, telefones e telas de LCD, de elevado valor agregado.
São anêmicos os resultados de entendimentos diplomáticos para a China passar a produzir aqui os produtos que exporta. Na visita que a presidente Dilma Rousseff fez a Pequim, em abril, ela assinou 20 acordos bilaterais e promessas de abertura de uma fábrica de soja na Bahia, outra de equipamentos de informação em Goiás e o polêmico investimento de US$ 20 bilhões da Foxconn, empresa que atua na montagem de produtos eletrônicos para as marcas Apple e Sony e que é conhecida mundialmente pelos inúmeros suicídios cometidos por seus empregados chineses. Até agora são projetos em estudo, promessas, nada de concreto.
Fragilidades. Enquanto os investimentos não chegam, as manufaturas chinesas chegam, questionadas por concorrentes nacionais que denunciam "práticas desleais" de comércio. Do total de 140 processos antidumping abertos pelo Brasil, desde 1980, 35% são contra a China. Na terça-feira passada, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) anunciou aumento, para 35%, da tarifa de importação para sete produtos, dos quais cinco originários da China, entre eles porcelanatos, pneus e bicicletas.
Apesar disso, a fragilidade do sistema de defesa comercial do Brasil impede uma reação mais eficaz contra o comércio desleal. Estudo da professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vera Thorstensen, ex-assessora da missão do Brasil na OMC, concluiu que, enquanto a Índia "não se esquiva" de se defender, o Brasil parece ter "politizado" sua defesa contra a China, temendo ferir suscetibilidades de seu maior parceiro comercial. Queixas da indústria nacional não faltam, mas os instrumentos de defesa (direitos compensatórios, antidumping, sobretaxas), além de tímidos, tornam-se ineficazes diante do yuan desvalorizado e do real apreciado, destaca a professora Vera.
Ela cita dados do Banco Mundial para comparar: de 820 investigações abertas contra a China no mundo, entre 1980 e 2010, os EUA lideram com 157; a Índia tem 133; a União Europeia, 130; e o Brasil tem apenas 47, atrás da Argentina e do México.
Diante de uma crise com expectativa de longa estagnação econômica nos países ricos e retração do comércio mundial, a presidente Dilma Rousseff quer, agora, impor maior agressividade na defesa comercial. Terá de derrotar as resistências políticas no governo e passar a tratar a China como parceiro comercial normal, e não especial. E dar musculatura ao frágil, jovem e inexperiente sistema de defesa comercial.
Enquanto em outros países esse sistema existe desde os anos 70, no Brasil sua estrutura só começou a ser montada em 1997, e até hoje é deficiente, precária, até amadora. Exemplo: o governo brasileiro levou 15 anos para descobrir uma desgastada e comum esperteza dos importadores. Enquanto a investigação de dumping rola - e demora -, eles antecipam importações do produto investigado, estocam e, assim, se livram da sobretaxa que vier a ser decidida. Só na última terça-feira a Camex decidiu cobrar retroativamente a sobretaxa.
Para fortalecer essa estrutura, o Ministério do Desenvolvimento diz que vai contratar 120 novos investigadores e tentar encurtar de 18 meses para 10 meses o prazo de conclusão de uma investigação de dumping.
JORNALISTA, É PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO
E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
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