Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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A “nova informalidade” do mundo do trabalho – Aspectos da reforma trabalhista no Brasil

Diferentemente da velha informalidade, a ausência de registro na carteira de trabalho que garantia direitos trabalhistas e previdenciários, a nova informalidade implodiu a base da regulação propriamente dita: salário, jornada e local de trabalho. Assim, a relação de exploração instaurou novos fundamentos pós-salariais que ocultam os vínculos de subalternidade estrutural entre capital-trabalho. É a negação do capitalismo no interior do próprio capitalismo por meio da ideologia da liberdade e do empreendedorismo.

Em vigor desde 1º de novembro de 2017, a Lei 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista de 2017, regulamentou novas modalidades de contratação trabalhista que criaram a base jurídica para a expansão da “nova informalidade” do mundo do trabalho no Brasil. Desse modo, ao lado da Lei 13.429/2017, conhecida como Lei da Tercerização, que permite de modo geral e irrestrito a contratação terceirizada de força de trabalho, a Reforma Trabalhista de 2017 regulamentou novas formas de contratações precárias como trabalho de home office ou teletrabalho e o trabalho intermitente (o trabalhador exerce suas atividades apenas quando convocado pelo empregador, recebendo por período trabalhado, não mensalmente).

Na verdade, desde a década de 1990 tem-se ampliado o menu de formas de trabalho flexível como as modalidades pós-modernas de informalidade (além do contrato-padrão por tempo indeterminado, oferece-se uma ampla variedade de formas flexíveis  ou precárias: estágio, jovem aprendiz, contratação temporária, terceirização, home-office, trabalho intermitente, trabalho eventual, autonômo, em regime de tempo parcial).

Pode-se explicar a ânsia voraz de flexibilização da contratação de força de trabalho no Brasil pela necessidade candente de o capital dar base jurídica para a superexploração da força de trabalho nas condições da crise estrutural do capitalismo brasileiro. Pelo Gráfico 1 percebe-se que desde 1974, com a crise do modelo nacional-desenvolvimentista, as taxas de lucro no Brasil caem – até 1990[1]. Entretanto, com as reformas neoliberais dos governos Collor e FHC, a lucratividade voltou a subir, embora num patamar bastante inferior àquele do “milagre econômico” de 1971. A partir de 1998, com a crise da economia brasileira, a lucratividade voltou a cair, tendo uma brevíssima recuperação em fins da década de 2000, caindo logo a seguir no começo da década de 2010.

Gráfico 1
Taxa de lucro no Brasil

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Diante da queda estrutural da taxa de lucratividade, o capital no Brasil sentiu a necessidade candente de aumentar a taxa de exploração, aprofundando desse modo a flexibilização da contratação da força de trabalho. A construção da nova precariedade salarial é feita institucionalmente pela ação do Estado neoliberal. Por isso, a demanda da Reforma Trabalhista, em fins de 2012, inscrita no documento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e apresentada ao governo Dilma, representou o grito de guerra da classe dominante brasileira contra as políticas de valorização do salário mínimo, salário de referência da exploração do trabaho no Brasil, contra direitos trabalhistas que oneravam o custo Brasil. A burguesia brasileira, diante das políticas de proteção do trabalho dos governos do PT, afirmou sua consciência de classe e “expulsou” o governo neodesenvolvimentista com o golpe de 2016.

Com a crise da economia, e depois do golpe de 2016, tivemos o retorno do elevado desemprego – em torno de 12% sob o governo Temer, quando em 2014 a taxa de desemprego estava em torno de 7%; a fragilização do sindicalismo (outro objetivo da Reforma Trabalhista de 2017) significou efetivamente o aumento do poder do capital em deter acordos coletivos acima da inflação.

Portanto, a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização de 2017 representam importantes passos para recompor a lucratividade capaz de atrair investimentos e fazer com que a economia volte a crescer de forma sustentável. Entretanto, é improvável que isso ocorra, tendo em vista outros fatores mal-resolvidos para um crescimento sustentável da economia nas condições de um capitalismo altamente financeirizado e com baixa capacidade de investimento público.

Em 2018, a informalidade bateu recorde no país e já atinge 43% dos trabalhadores, diz o IBGE[2]. O pequeno crescimento do emprego ocorrido em 2018 foi puxado pela “velha informalidade laboral” que sempre caracterizou a “miséria brasileira” dos alienados à margem da regulamentação trabalhista (o trabalhador assalariado, por conta própria, doméstico ou do setor púbico sem carteira de trabalho). Entretanto, os efeitos da Reforma Trabalhista e da Lei da Tercerização devem ampliar, ao lado da velha informalidade, a nova informalidadade caracterizada pelo trabalho flexível regulamentado e com carteira.

http://www.comciencia.br/wp-content/uploads/2018/11/ga02-300x140.jpg 300w, http://www.comciencia.br/wp-content/uploads/2018/11/ga02-768x357.jpg 768w, http://www.comciencia.br/wp-content/uploads/2018/11/ga02-24x11.jpg 24w, http://www.comciencia.br/wp-content/uploads/2018/11/ga02-36x17.jpg 36w, http://www.comciencia.br/wp-content/uploads/2018/11/ga02-48x22.jpg 48w" sizes="(max-width: 701px) 100vw, 701px" />

Iremos tratar, neste breve ensaio, de duas modalidades de contratação típicas da nova informalidade do capital no Brasil – a informalidade regulamentada do novo capitalismo flexível: o contrato de trabalho de home office ou teletrabalho; e o contrato de trabalho intermitente. Elas são expressões acabadas da forma de contratações próprias da nova precariedade salarial. Não iremos tratar da Lei da Terceirização que regulamenta, na mesma direção, o desmonte da relação salarial moderna no Brasil do século XXI (com implicações na negociação coletiva e representação dos trabalhadores assalariados, massa salarial e contribuições sociais e previdenciárias).

A nova informalidade representa a reposição da superexploração do trabalho nos moldes pós-modernos. Em sua fase de crise estrutural, o capitalismo dependente brasileiro necessita articular cada vez mais, numa dimensão ampla, “velha” e “nova informalidade” como modos de superexploração do trabalho no século XXI.

Tanto o trabalho do home office, ou teletrabalho, quanto o trabalho intermitente são variantes da modalidade do trabalho flexível que caracteriza a nova precariedade salarial. Implodem os parâmetros estruturais da relação de emprego tal como a conhecemos. Essa nova informalidade laboral se utiliza da nova tecnologia informacional para reduzir custos da força de trabalho, criando novas formas de exploração e espoliação do trabalho vivo para o capital.

  1. O contrato de trabalho do home-office ou teletrabalho

O trabalho de home office quer dizer “trabalho de escritório feito em casa”. No trabalho de home office a pessoa executa o trabalho da empresa em casa. Essa modalidade de trabalho não era regulamentado por lei no Brasil, o que, por questões de insegurança jurídica, inviabilizava a contratação. Portanto, até a Reforma Trabalhista, o teletrabalho era, do ponto de vista jurídico, informal – no sentido da velha informalidade. Do ponto de vista sociológico, o trabalho de home office é em si um exemplo típico da “nova informalidade” que se dissemina pelo mundo do trabalho do século XXI.

A forma-emprego que caracterizou predominantemente o modus operandi da exploração da força de trabalho no capitalismo industrial, tornando-se hegemônica no século XX, caracterizou-se pela posição de um local de trabalho, uma jornada de trabalho e a forma-salário. A forma de contratação do trabalho de home-office ou teletrabalho “implodiu” o local de trabalho e, de certo modo, a jornada de trabalho. Entretanto, de acordo com a Lei da Reforma Trabalhista, o teletrabalho ainda preserva o vínculo empregatício, mantendo inclusive para o teletrabalhador os mesmos benefícios que tem o empregado alocado na empresa (o empregado do trabalho remoto mantém os direitos trabalhistas e previdenciários – com exceção do vale-transporte, que só será fornecido em caso de deslocamento para a empresa ou para a realização de algum serviço externo).

O vínculo empregatício do teletrabalhador mantém-se porque, de acordo com a lei, o teletrabalhador ainda preserva os princípios de “não-eventualidade, subordinação, pessoalidade, pessoa física e onerosidade”.

A jornada de trabalho no home office será definida por tarefa e não por horas trabalhadas, embora a regulamentação da nova lei permita que o trabalho possa ser definido pela “jornada de trabalho”, com a empresa utilizando ferramentas da tecnologia informacional para controlar entrada, saída e intervalos (diz a lei: “salvo atividades que exigem pagamento de horas extras”).

A transferência de custos de produção para o trabalhador assalariado é perceptível quando a lei trata da infraestrutura que permite o trabalho home office. Diz a lei que as partes deverão entrar num acordo acerca dos custos fixos como água, luz e espaço para a realização adequada do trabalho e os custos e necessidades que passarão a existir como, por exemplo, internet com maior velocidade, computador ou notebook, celular, entre outros, que deverão estar dispostos em contrato, mencionando a responsabilidade das partes.

Ao regulamentar o trabalho home office, a Reforma Trabalhista de 2017 deu prosseguimento à adaptação do capitalismo brasileiro ao novo regime de acumulação flexível do capital que se impõe como tendência global pelo menos desde a década de 1990 (crê-se que até 2020, 90% das empresas no mundo oferecerão aos seus empregados a possibilidade do trabalho remoto)[3].

  1. O contrato de trabalho intermitente

O trabalho intermitente é uma variante extrema de trabalho flexível, representando de modo pleno as características da nova informalidade do mundo do trabalho no século XXI. A figura do contrato intermitente não é algo completamente novo, pois existem – pelo menos, a partir de meados da década de 1980 – formas jurídicas da flexibilização extrema do trabalho nas legislações dos países de capitalismo desenvolvido (como na Inglaterra, com o “contrato zero hora”;  Espanha, com o “trabajo fijo discontínuo”; Portugal, com o “trabalho alternado/trabalho a chamada”; e os EUA, com o trabalho parcial “just in time”).

No contrato de trabalho intermitente no Brasil, o trabalhador presta um serviço, com subordinação, mas que não é contínuo. Existe alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador (exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria). A subordinação ao empregador só estará configurada a partir do momento em que o profissional aceitar a convocação da empresa. Quando isso acontecer, passará a prestar serviços à organização pelo tempo que for necessário e acordado antecipadamente entre os dois.

É interessante destacar que o trabalhador poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho. Essa nova modalidade de contratação autoriza e regulamenta a realização de trabalhos esporádicos de um determinado profissional para uma determinada empresa, sem a necessidade de rotina e jornada fixa. Com isso, o empregador está autorizado a formalizar vínculos de trabalho somente quando sentir necessidade, convocando pessoas pré-selecionadas e já contratadas de forma antecipada, apenas nesses momentos que demandam maior mão de obra. Ou seja: o referido trabalhador não precisa cumprir jornada diária de trabalho e, enquanto a convocação não ocorre, ele não recebe nada por esse período em que fica à espera. No entanto, assim que a empresa sentir a necessidade de ampliar sua produção e estiver interessada em receber a prestação de serviços desse referido funcionário, poderá entrar em contato para oferecer a oportunidade. Esse chamado deve ser feito por qualquer meio de comunicação eficaz, seja por telefone ou até mesmo por WhatsApp ou Messenger, por exemplo, desde que o trabalhador tenha acesso a esses meios e faça uso deles.

Aparentemente, diz-se que no trabalho intermitente o trabalhador é “dono” do seu próprio tempo e diz-se que tem liberdade de aceitar ou não o chamado para o serviço, sem risco de sofrer penalidades. Entretanto, o trabalhador intermitente é escravo do tempo do capital, estando absolutamente à disposição da sua lógica de valorização. O “tempo de espera” é também “tempo de trabalho” alienado. Essa forma insidiosa de subsunção à lógica do capitalismo flexível representa a forma ideológica extrema da “liberdade” (ou escravidão assalariada) do “trabalhador livre”, cujo trabalho aparece como prestador de serviço de curtíssimo prazo e a baixíssimo “salário”.

Existem diferenças entre o trabalhador de contrato intermitente e o trabalhador PJ (pessoa jurídica): no contrato de trabalho intermitente, a lei reconhece o vínculo de emprego entre as partes, não sendo necessário que se mitigue a subordinação, dando assim mais liberdade ao empregador para explorar o trabalhador (em termos jurídicos, se houver subordinação dentro da relação contratual, ainda que a empresa celebre um contrato dentro dos ditames legais, haverá uma relação de emprego). No contrato de trabalho do PJ, a lei não reconhece efetivamente o vínculo de emprego entre o prestador de serviço e o contratante (o que não impede que haja uma subordinação oculta pela precariedade efetiva entre capital e trabalho). Por isso, o trabalhador PJ é o free lancer, o dito trabalhador independente ou trabalhador autônomo. Nesse caso, a pessoa que trabalha é o próprio negócio, sendo por isso uma pessoa jurídica que não mantém a relação de vínculo empregatício. É o paraíso do empreendedorismo.

No mundo da acumulação flexível, a exploração articulada com a espoliação cria formas sofisticadas e complexas, ocultas e insidiosas de extração de mais-valor (alma mater do capitalismo). Não se trata de repor formas arcaicas, mas sim criar novos modos de superexploração do trabalho lastreado no movimento “pós-moderno” da mais-valia relativa (a forma de extração de mais-valor pelo inovação tecnológica).

  1. A nova era do capitalismo flexível

Diferentemente da “velha informalidade”, que sempre caracterizou o capitalismo dependente no Brasil, com a ausência de registro do empregado na carteira de trabalho que lhe garantia direitos trabalhistas e previdenciários, a “nova informalidade” incorporou aspectos “pós-modernos”: ela “implodiu” a base-padrão da regulação salarial propriamente dita: a forma-salário, jornada e local de trabalho. Com a nova informalidade, a relação de exploração instaurou novos fundamentos “pós-salariais” que ocultam os vínculos de subalternidade estrutural entre capital-trabalho – e portanto, o vínculo empregatício. É a negação do capitalismo no interior do próprio capitalismo. Não temos mais a forma-emprego padrão tal como nós a conhecemos, mas persiste de modo insidioso a relação-capital por meio da nova materialidade salarial ocultada pela ideologia da liberdade e do “empreendedorismo”.

No passado, tais parâmetros – salário, jornada de trabalho e local de trabalho – definiam o que era ter um emprego. No século XXI, com a nova precariedade salarial, disseminou-se a nova informalidade que são modalidades de trabalho onde os parâmetros laborais foram absolutamente redefinidos. Temos ainda como exemplo da “nova informalidade” os ditos “nômades digitais”, onde intermitência salarial e novas tecnologias informacionais executam a nova dança da exploração do capital – sob a ideologia da liberdade do empreendedor digital ou “trabalhador do conhecimento”. A ideologia do empreendedorismo opera a ocultação ideológica da exploração da força de trabalho pelo capital, pois o fato de os novos trabalhadores exercerem uma atividade laboral com maior componente imaterial (conhecimento) e terem uma suposta “autonomia” no processo de trabalho contribui para a ilusão de serem “patrões de si mesmos”.

Portanto, a “nova informalidade” baseia-se na implosão do coletivo de trabalho, reforçando o individualismo possesivo festejado pelo capitalismo neoliberal, tornando os “empreendedores” adversos a práticas associativas como fizeram no passado os sindicatos. Tornam-se cegos à lógica da exploração pois não acreditam que vendem a força de trabalho, mas sim o produto digno de sua atividade – tal como os velhos artesãos e seu orgulho profissional (o que significa que a nova precariedade salarial significa, de certo modo, no plano ideológico, a reposição do arcaico nas condições da acumulação flexível). A ilusão de autonomia pode desaparecer quando perceberem que estão inseridos na cadeia de valorização das grandes empresas por meio da rede de subcontratação e subsumidos à lógica do mercado, tal como o operário ou trabalhador assalariado, embora funcionem efetivamente de outro modo, por conta dos parâmetros da nova informalidade.

Diferentemente do empregado taylorista, o novo trabalhador “assalariado” não é comandado por uma chefia no processo de trabalho por conta de sua flexibilidade operativa e desenvoltura cognitiva. Ele, como “trabalhador do conhecimento”, não é comandado, mas sim, comanda, o elemento reforçador da ilusão de liberdade (uma ilusão que é efetivamente real no sentido de possuir base material, pois a implicação salarial da “nova informalidade” desconstrói a forma taylorista do controle do capital, instaurando outras formas mais sutis). Mas o operador não pode ser livre pois está  objetivamente subsumido às forças do mercado e às demandas prescritivas das grandes empresas que comandam o processo de valorização. Executam seu trabalho de modo autônomo – é claro – mas delimitado por prescrições dadas pelo contratante – a empresa. É a contradição viva do capital (livre e não-livre, ou ainda, escravidão é liberdade).

O trabalhador da nova informalidade é o que alguns denominam de “trabalhador imaterial”, embora o adjetivo seja inadequado para caracterizar o novo “trabalhador flexível”. O imaterial é a forma de ser da nova materialidade da exploração. O novo operador subsumido à lógica do capital deve ter alta qualificação cognitiva no sentido de lidar com novas interfaces tecnológicas, novas “máquinas de subjetividade”. É um operário do conhecimento que movimenta a materialidade da produção de valor no interior de novos parâmetros salariais descritos acima. Na verdade, ainda pulsa a categoria de exploração, alma mater do modo de produção capitalista.

Não se trata efetivamente da pós-grande indústria, mas sim, da grande indústria “afetada de negação” – uma categorização dialética. A autonomia do trabalhador flexível é a autonomia paradoxal, como o é a inserção do novo proletariado do conhecimento nas relações de exploração capitalista baseadas nos fluxos de informações. A ilusão da liberdade pós-moderna alimenta-se da ideia de ter-se emancipado da “escravidão da formalidade salarial”, que se desvanece quando se verifica que a autonomia do free lancer – por exemplo – é meramente operacional no plano do processo de trabalho, com os ditames do mercado restringindo seu espaço de vida e autonomia do conhecimento.

Finalmente, o novo proletariado flexível, trabalhadores materiais do conhecimento informalizados, possuem outra característica – no caso aqueles que não são reconhecidos como possuindo vínculo empregatício (os PJ’s ou free lancer): não são portadores dos direitos de fundamentação coletiva historicamente conquistados (por exemplo, direitos trabalhistas e previdenciários). A nova informalidade possui uma linha de gradação de precariedade de direitos que significa o desenvolvimento de um processo de desconstrução substantiva dos direitos do trabalho, resultado da dessubjetivação de classe. No plano da consciência contingente das massas trabalhadoras, extinguiu-se (ou no caso do Brasil, sequer se construiu) a ideia de coletivo ou categoria profissional, permanecendo apenas a ideia do profissional. Vejamos o caso do trabalhador de home-office: o coletivo foi privatizado no espaço doméstico.

Desse modo, a ideia de direito do trabalho reduziu-se, perdeu-se efetivamente até desaparecer pois, com o privilegiamento perverso da negociação individual, corroeu-se a base da negociação coletiva, enfraquecendo-se historicamente o poder de barganha sindical. Sob a ideologia do individualismo possessivo, há transferência para o indivíduo da responsablidade moral pelo usufruto  de férias, 13º, licença-saúde, limite da jornada de trabalho, aposentadoria ou pensão por invalidez permanente, outrora direitos coletivos regulados por lei. Isto é, caso queira ter direito a todos os benefícios, a pessoa precisa, por exemplo, poupar para ter um plano de saúde, seguro de vida ou plano de aposentadoria privada. Portanto, o que antes era responsabilidade ou dever moral e político do Estado mediado (como direito) pelo coletivo de classe, tornou-se obrigação do sujeito individual que trabalha. Caso o indivíduo fique desamparado, a culpa é dele. Desse modo, o fardo do capital é percebido como “culpabilização da vítima”, uma operação ideológica da cultura neoliberal. A construção do novo arcabouço laboral do trabalho flexível é uma operação de mudança antropológica. A frase de Margareth Thatcher, ex-primeira-ministra do governo neoliberal britânico da década de 1980, tornou-se lapidar da “nova informalidade” do trabalho: “A economia é o método, o objetivo é mudar a alma”.

O efeito humano da nova precariedade salarial sobre a alma humana significa longas (e intermitentes) jornadas de trabalho, com o tempo de vida pessoal reduzido a tempo de trabalho – diga-se de passagem, trabalho mental intenso e extenso, inclusive em fins de semana, agravando, desse modo, situações de insônia, ansiedade, depressão, transtornos psicológicos.

O neoliberalismo é uma fábrica de ilusões de autonomia. Mas é também uma fábrica de solidão,pois a nova informalidade aprisiona o trabalhador flexível na sua rigidez individualizada diante do mercado oligopolizado todo-poderoso. A sociedade neoliberal é o reino de ilusões e solidões em rede. A luta social do século XXI deve ser a luta pelo nova lei do trabalho que proteja a parte hipossuficiente – o trabalho. O mal-estar não está nas novas tecnologias informacionais que permitem por exemplo exercer o home-office ou convocar o trabalhador intermitente pelo WhatsApp, mas sim no modo de regulamentar tais atividades laborais, deixando que as pessoas que trabalham fiquem à mercê dos empregadores, reduzindo suas vidas a agenciamentos do novo produtivismo capitalista.

Giovanni Alves é professor da Unesp-Marília, pesquisador do CNPq e coordenador-geral da RET (www.estudosdotrabalho.org). É autor de vários livros e artigos na área de sociologia do trabalho, globalização e reestruturação produtiva, entre eles Trabalho e subjetividade (2011) e O duplo negativo do capital: Ensaio sobre a crise do capitalismo global (2018). E-mail: alvesgiovanni61@gmail.com

[1] Dado extraído do post “Brazil’s tropical Trump”, do economista Michael Roberts. In: https://thenextrecession.wordpress.com/2018/10/29/brazils-tropical-.... Acesso em 03/11/2018.

[2] “Informalidade bate recorde no país e já atinge 43% dos trabalhadores” In: Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/informalidade-bate-re.... Acesso em 03/11/2018

[3] “Home office ou teletrabalho: Um tema importante da Reforma Trabalhista”. In: http://advogadoinbrasilia.adv.br/trabalho-home-office-antes-e-depoi.... Acesso em 30.10.2018

Por Giovanni Alves [imagem: criação do artista Edu Oliveira]

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