Entre silício e neurônios vivos, uma nova era da computação levanta dúvidas técnicas e éticas.
Com projetos inovadores como o DishBrain, desenvolvido pela startup Cortical Labs, o futuro da computação ganha um novo contorno. Em vez de silício, pesquisadores conectam neurônios vivos a sistemas de computador, criando uma ponte entre o biológico e o digital.
Imagine um laboratório onde células nervosas são estimuladas a jogar Pong. Em experimentos, uma interface liga diretamente as células aos computadores. No DishBrain, os neurônios são programados para controlar uma raquete no jogo e, para cada erro, recebem “punições” por meio de sinais imprevisíveis. Em apenas cinco minutos, as células já revelaram uma forma de aprendizado, ajustando seus impulsos e começando a rebater a bola.
Essa proposta não só desafia os limites da computação tradicional, mas também evoca a eficiência do cérebro humano – capaz de processar operações complexas com pouquíssimos watts. Inspirados por essa capacidade, os pesquisadores vislumbram sistemas que se adaptam e aprendem de maneira orgânica, rompendo com o paradigma dos circuitos fixos.
Porém, nem tudo são flores. Rodrigo Krüger, diretor de produtos da NTT Data, alerta que “as previsões da viabilidade e escalabilidade da tecnologia podem se concretizar só daqui a 20 ou 30 anos”. Essa ressalva destaca os desafios ainda pendentes, tanto técnicos quanto éticos, que acompanham essa revolução.
Durante décadas, os circuitos integrados baseados em silício seguiram a trajetória predita pela Lei de Moore, possibilitando uma escalada exponencial na capacidade de processamento. Porém, os limites físicos – o consumo energético e a dissipação de calor – impõem barreiras que tornam necessária a busca por alternativas. Nesse contexto, a computação biológica poderia surgir como uma alternativa, inspirada na eficiência do cérebro humano, que opera com cerca de 20 watts de energia para realizar tarefas extremamente complexas.
“Segundo pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, o hardware biológico possibilitaria a fabricação de núcleos de processamento a partir de material biológico sintético. Deste modo, os núcleos de processamento utilizariam material e arquitetura semelhante ao cérebro humano, inclusive no que tange ao tamanho, gasto energético e poder de processamento”, afirma Krüger.
No cerne dessa tecnologia está a chamada aprendizagem hebbiana, um princípio que remete aos estudos de Donald Hebb, na década de 1940. De forma resumida, a máxima “neurônios que disparam juntos, se conectam juntos” sintetiza um processo pelo qual a frequência e a sincronia dos impulsos elétricos entre os neurônios fortalecem as conexões. Quando dois neurônios se ativam simultaneamente, o caminho entre eles se torna mais eficiente; se a sincronia é perdida, a conexão enfraquece.
Segundo o artigo A Synthetic Approach for Adaptive Neuromorphic Computing, esse mecanismo, naturalmente presente no cérebro humano, permite a auto-organização das redes neurais. Diferentemente dos sistemas digitais, que dependem de reprogramação constante e de enormes bases de dados rotulados, as redes biológicas têm a capacidade intrínseca de se adaptarem aos estímulos externos. Essa característica pode levar, em tese, a um processamento mais intuitivo e, possivelmente, a uma “criatividade” comparável à humana.
A distinção entre os tradicionais chips de silício e os emergentes sistemas biológicos é profunda e multifacetada. Enquanto os circuitos de silício são produtos da miniaturização e da padronização industrial, os computadores biológicos trariam consigo a complexidade e a variabilidade inerentes aos sistemas vivos.
Eficiência energética: o cérebro humano é uma verdadeira usina de processamento, já que realiza operações de alta complexidade com um consumo energético ínfimo. Em contraste, os supercomputadores modernos demandam quantidades enormes de energia, com desafios adicionais na dissipação de calor.
Capacidade de adaptação: os chips de silício operam de maneira determinística, baseados em códigos fixos. Já os sistemas biológicos, através da aprendizagem hebbiana, podem reorganizar suas conexões e se adaptar a novos padrões sem intervenção externa, possibilitando uma resposta dinâmica a situações imprevistas.
Padronização e escalabilidade: a fabricação dos chips de silício segue processos altamente controlados e padronizados, permitindo a produção em massa com alta confiabilidade. Por outro lado, a variabilidade dos sistemas vivos – mesmo em condições laboratoriais – torna a padronização um desafio que, segundo os especialistas, poderá retardar a aplicação comercial dessa tecnologia.
A integração entre o orgânico e o digital não se restringe aos desafios técnicos. Ela acarretaria, também, profundas questões éticas que remetem à própria definição de vida e consciência. O uso de células vivas em sistemas computacionais impõe uma reflexão sobre o tratamento desses organismos, especialmente quando se considera o potencial de que eles possam desenvolver algum grau de sensibilidade.
Entre os dilemas éticos estão:
Uso de células vivas: ao empregar neurônios cultivados, os pesquisadores precisam lidar com questões relativas à experimentação em sistemas vivos, o que envolve cuidados especiais para evitar qualquer forma de sofrimento ou exploração indevida.
Possibilidade de consciência: mesmo que, no estágio atual, os sistemas biológicos não possuam plena consciência, a evolução natural dos processos de autoaprendizagem levanta a hipótese – ainda que remota – de que essas redes possam, um dia, desenvolver alguma forma de percepção própria.
Comportamento imprevisível: a adaptabilidade inerente a esses sistemas pode resultar em comportamentos emergentes e imprevisíveis, exigindo a implementação de protocolos rigorosos de biossegurança para prevenir riscos ambientais e sanitários.
Krüger expressa com clareza as incertezas que permeiam o cenário. “Embora o potencial da computação biológica seja imenso, estamos lidando com uma tecnologia ainda muito incipiente. A viabilidade da tecnologia pode ser só daqui a 20 ou 30 anos, quando os desafios de escalabilidade, estabilidade e segurança forem devidamente superados e regulamentados.”
Segundo o executivo, o otimismo não pode eclipsar os riscos, e a comunidade científica, juntamente com os órgãos reguladores, terá o desafio de traçar limites e definir padrões que protejam tanto os componentes biológicos quanto os usuários dessa nova tecnologia.
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