Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Djamila Ribeiro: desigualdade deve ser um incômodo compartilhado

Filósofa e escritora convocou CMOs a deixarem um legado de transformação social do País.

Palestrante que abriu a programação da 20ª edição do Marketing Network Brasil, no Tivoli Resort, em Salvador, a filósofa, escritora e ativista Djamila Ribeiro, avisou que a palestra que faria aos CMOs presentes tinha intenção de trazer – ou compartilhar – um incômodo. Esse incômodo, foi deixando claro, dizia respeito a chamar à responsabilidade as pessoas brancas nas discussões – e principalmente nas ações – em relação às desigualdades sociais do Brasil, como etapa prévia até às falas sobre diversidade e inclusão. Ela questionou também o conceito de meritocracia no País, que muitas vezes camufla o fato de que as pessoas no Brasil em muitos casos partem de níveis e graus diferentes de oportunidade (ou falta dela).

A chamada começou pelo próprio MNB: Djamila pontuou que ser a única pessoa negra no lineup de um evento realizado em um país com maioria de população negra é em si um primeiro ponto que deveria chamar atenção de todos – o tema de sua palestra era justamente “Influência e responsabilidade: o líder de marketing como agente da transformação” – lembrando que a desigualdade social atrapalha todo o desenvolvimento brasileiro, afetando seus índices de crescimento, entre outros aspectos.

Peso da história

Para falar do status atual da questão, ela voltou ao passado escravocrata do País, como matriz do racismo estrutural existente até hoje. Depois de lembrar que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, atividade que foi base da economia por quatro séculos, citou duas ações que tiveram impacto na desigualdade que se vive até hoje: a Constituição do Império, de 1824, que determinava acesso à educação apenas a cidadãos nascidos livres, logo, excluindo os negros, uma vez que ainda vigorava a escravidão; e a Lei de Terras, de 1850, segundo a qual só teria acesso a terras quem pudesse comprá-la do estado brasileiro – novamente, não era o caso de negros escravizados.

Mesmo após a abolição, lembrou, não houve políticas de reparação, o que levou ao empobrecimento histórico da população negra. “A escravidão estruturou o racismo no Brasil e fez as pessoas negras partirem de lugares muito diferentes em oportunidades”, argumentou.

Em vários momentos, Djamila, que é uma mulher negra, usou exemplos pessoais para falar dos impactos que ter ou não oportunidades causa – sempre para lembrar os representantes das marcas presentes no MNB 2023 de seu papel e da chance que têm em ajudar a mudar o cenário. Djamila lembrou que somente em sua geração o ciclo do trabalho doméstico foi quebrado na família. E não foi por falta de esforços (seu pai era estivador) ou de mérito, disse, mas de oportunidades – essa ruptura foi o que também permitiu que ela possa ter uma filha fluente em língua inglesa.

Também relembrou alguns dos muitos casos em que sofreu racismo, sem que as pessoas se dessem conta. Em um deles, estava na área de embarque do aeroporto, rumo à Alemanha, onde daria um curso, e uma senhora perguntou se ela iria lá “para dançar”. Sua resposta: “Não, a senhora vai?”. Em outro, com a filha adolescente numa loja, uma outra pessoa veio interpelá-la para saber o preço de um produto. Sua resposta: “O que te faz pensar que eu trabalho aqui?”. Nos dois casos, as pessoas ainda reagiram, contou, como se ela estivesse sendo grossa com suas reações, em vez de pensar na inconveniência das próprias perguntas.

Esforço de aprender

Para a filósofa, a tão falada “empatia” é um processo que deve ser construído, para se refletir em mudanças de atitude efetivamente. Citou o caso da Noruega, que estabeleceu licença “parental” e não maternidade, o que pressupõe a igualdade dos direitos e deveres de homens e mulheres no cuidado dos filhos e o fato de um político conservador ter sido autor de uma lei de cotas segundo a qual 40% dos cargos de chefia no país europeu precisam ser ocupados por mulheres. Segundo ela, que entrevistou o político em questão, existe na ação um argumento econômico, de que um ambiente mais diverso é também mais criativo e inovador.

“Em geral, problemas em campanhas publicitárias, por exemplo, são reflexos de falta de diversidade nas equipes que criam essas campanhas”, notou Djamila, para quem é possível também desaprender a ser racista, com a ampliação de leituras e escutas.

No caso das empresas, criando medidas políticas para endereçar a questão, questionar ambientes naturalizados como de submissão de pessoas negras; e romper uma visão que desumaniza essas pessoas (em geral, baseadas em teorias ultrapassadas de racismo científico).

Ela exortou que os profissionais do mercado se questionem sobre o que estão fazendo e o legado que estão deixando e que lutem contra o racismo e o “achismo”, estudando o assunto em profundidade. “Como não há racismo se pessoas negras, que são maioria, não ocupam espaços de poder? Como não há machismo quando o Brasil é 5º país do mundo em assassinato de mulheres e o 4º em casamentos infantis? Os fatos deveriam mudar opiniões”, argumentou.

Para Djamila, é preciso sempre fazer esforços para aprender e mudar. Usou o próprio exemplo de já ter sido alguém que reproduzia falas homofóbicas, já que é uma mulher heterossexual numa sociedade heteronormativa, mas que foi percebendo isso, estudou e mudou de comportamento. Hoje, dá voz, na coleção Feminismos Plurais, que coordena, a autores LGBTQIA+.

“Seremos agentes de dor ou de transformação? Qual legado deixaremos para as próximas gerações? Qual o papel das pessoas brancas como parte da solução? Estamos dispostos a transformar essa realidade?” foram algumas das questões que a filósofa lançou para reflexão dos CMOs.

E lembrou que o mercado corporativo tem um papel fundamental, ainda, no sentido de dar continuidade a um movimento que promove igualdade no país: o de oferecer oportunidade de emprego a jovens negros e em situação de vulnerabilidade social que se esforçam para estudar, mas muitas vezes têm dificuldade de inserção no mercado de trabalho em si.

E quando ela recebe a fama de ser “a chata” da rodinha ao trazer à mesa esse tipo de discussão lembra da pergunta-conselho que uma ativista mais velha disparou quando ela se queixava desse papel que muitas vezes assumia: “Você prefere ser chata ou omissa?”. Omissão não foi sua opção.

Roseani Rocha

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