Reportagem de Marcelo Bortoloti, publicada em edição impressa de VEJA
A TELEVISÃO EM PAPEL
Um novo livro focaliza a fase de ouro de O Cruzeiro, publicação pioneira no Brasil dedicada a fazer toda semana um retrato ilustrado do país e de seu povo
Foi nos anos 40 e, principalmente, nos efervescentes anos 50 do século passado que o Brasil ganhou uma real identidade nacional, baseada em projetos ufanistas e mobilizações populares. A Marcha para o Oeste, que Getúlio Vargas empreendeu para preencher as imensas áreas desocupadas no interior, fez surgir dezenas de pistas de pouso, vilas e cidades e promoveu o contato com tribos indígenas desconhecidas.
Juscelino Kubitschek implantou a indústria automobilística e começou a construir Brasília e a fiscalizar a obra – tantas vezes embarcou num avião que ganhou o apelido de “presidente voador”. No Rio de Janeiro, os concursos de Miss Brasil, a partir de 1954, despertavam comoção nacional e o desempenho da representante brasileira no Miss Universo tinha ares de final de Copa do Mundo.
As imagens desse tempo em que os acontecimentos ganhavam contornos épicos chegaram pela primeira vez a todos os cantos do país nas páginas da revista O Cruzeiro, do empresário da comunicação Assis Chateaubriand, a pioneira na cobertura e na distribuição nacional de notícias. A população pôde enfim incorporar ao seu dia a dia elementos que lhe eram distantes, de guerras e revoluções à vida dos astros de Hollywood. Tudo isso na forma de fotografias caprichadas – esta, a chave do sucesso de O Cruzeiro.
Criada em 1928, tornou-se em seu auge, justamente os anos de ebulição nacionalista, a revista mais lida no país, com tiragem de 700.000 exemplares em um tempo em que o Brasil tinha pouco mais de 50 milhões de habitantes. Espelhava-se em outras publicações ilustradas que proliferavam no mundo e causou impacto imediato. “Como não havia televisão, a construção da identidade visual brasileira passou pelas fotos de O Cruzeiro“, diz o fotógrafo e antropólogo Milton Guran.
Uma TV em papel, O Cruzeiro popularizou as charges e ilustrações com o Pif-Paf, de Millôr Fernandes, e com O Amigo da Onça, que se tornou sinônimo de pessoa traiçoeira, criado pelo cartunista Péricles. Sobreviveu por 47 anos, até sucumbir à concorrência e ao declínio do império de Chateaubriand.
Um alentado conjunto das fotos e reportagens que deram relevância à publicação está reunido em uma exposição que o Instituto Moreira Salles vai inaugurar no próximo dia 22, em São Paulo, e no livro As Origens do Fotojornalismo no Brasil: um Olhar sobre O Cruzeiro (1940-1960), a ser lançado em dezembro, com 220 fotos de dezesseis profissionais que trabalharam na revista.
O conjunto ajuda a recontar momentos decisivos, como a ascensão e queda de Getúlio Vargas e a fundação do Museu de Arte de São Paulo (Masp). A revista também contribuiu para despertar o encanto popular pelas estrelas do cinema, que tinham lugar cativo na capa. “Os estúdios americanos enviavam fotos e reportagens de graça em troca de publicidade”, diz Helouise Costa, curadora do projeto ao lado de Sérgio Burgi.
Cultivou lendas duradouras, como a de que Martha Rocha perdeu a coroa de Miss Universo porque tinha 2 polegadas a mais nos quadris, pura invenção de um repórter imaginativo. O Cruzeiro tinha, sim, seus pecados, e bem graves. A pauta servia escancaradamente aos interesses particulares de Chateaubriand, elogiando e criticando quem ou o que ele mandasse.
O tom era de aberto sensacionalismo, manifestado principalmente no material produzido – ou, várias vezes, inventado – pela dupla formada pelo fotógrafo Jean Manzon e pelo repórter David Nasser. A coleção de imagens agora reunida, da qual VEJA publica quatro fotos, traz à tona essas ambiguidades e comprova o papel essencial de O Cruzeiro no esforço de levar aos brasileiros a visão de um Brasil e de um mundo em plena transformação que eles pouco conheciam.
O mundo lá fora
Uma das marcas de O Cruzeiro era investir pesadamente na cobertura de acontecimentos distantes, no Brasil e fora dele. Em 1951, o fotógrafo Luciano Carneiro foi despachado para a frente da Guerra da Coreia.
Piloto e paraquedista, ele teve permissão para saltar com 3500 soldados americanos encarregados de perseguir inimigos chineses e norte-coreanos em fuga.
Fez registros notáveis das tropas em ação. Lamentavelmente para o autor de uma obra tão vibrante, Carneiro morreria oito anos depois, aos 33, em um acidente aéreo, quando voltava da cobertura de um baile de debutantes em Brasília.
Contatos imediatos
A imagem de um índio ajudando a tirar um avião de um atoleiro, usada na reportagem que acompanhou uma expedição da Aeronáutica para criar pistas de pouso no interior, faz parte da vasta cobertura que O Cruzeiro dedicou à Marcha para o Oeste, nos anos 1940.
Diz a legenda: “Fortes, amigos, eles não se negam a ajudar os civilizados em qualquer tipo de serviço. Já é tempo de aproveitar a inteligência e a capacidade dos indígenas em prol do progresso e da civilização desta nossa República”.
Os textos tinham sempre um tom de aventura e fotógrafos e repórteres eram tratados como desbravadores. Foi a primeira publicação a divulgar imagens de tribos ainda desconhecidas, da seca no sertão nordestino e de rituais do candomblé.
Presidente voador
Em 1958, na cerimônia de inauguração de um heliponto no teto do Palácio do Catete, então a sede da Presidência da República, o fotógrafo Flávio Damm fez esta imagem do presidente Juscelino Kubitschek como se tivesse asas, aproveitando-se das estátuas de águias existentes no cume do edifício.
A foto reflete o que o francês Henri Cartier-Bresson chamava de “momento decisivo”, o clique no momento exato de registrar determinada situação que não voltará a se repetir.
Foi uma mudança de padrões – a troca das pesadonas câmeras Rolleiflex das fotos posadas e arranjadas pela imagem da ágil Leica, comprometida com a realidade e com o instantâneo da cena. A novidade rachou a redação de O Cruzeiro, mas a modernidade acabou prevalecendo.
Armação ilimitada
Por esta foto de fraque e cueca, feita em 1946, o deputado Barreto Pinto, do PTB, se tornou o primeiro político da história cassado por falta de decoro.
Barreto Pinto recebeu Manzon e Nasser para uma entrevista em seu gabinete e foi convencido pelo fotógrafo de que não precisava vestir a calça, já que todas as fotos seriam da cintura para cima. Vaidoso, ele ainda concordou em posar nos trajes ridículos.
Publicadas as imagens, as legendas davam a entender que o parlamentar recebia visitas naqueles trajes: “A nobreza dos passos revela a nobreza da origem. E o deputado queremista-trabalhista se dirige ao salão, onde os convidados o esperam há tanto tempo”.
Barreto Pinto processou a revista e perdeu.
Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/em-exposicao...
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Por esta foto de fraque e cueca, feita em 1946, o deputado Barreto Pinto, do PTB, se tornou o primeiro político da história cassado por falta de decoro. Atualmente eles roubam se corrompem e não acontece nada.
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