Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Escalada nas medidas de defesa comercial contra o Brasil é fruto do câmbio e da crise econômica

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral afirma que, com dólar valorizado e economia mundial estagnada, é natural que empresas brasileiras sejam alvo de investigações

Secretário de Comércio Exterior entre 2007 e 2011, Welber Barral avalia que o crescimento no número de medidas de defesa comercial contra o Brasil nos últimos anos é fruto tanto da valorização cambial quanto da crise econômica internacional.

Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a aplicação de medidas de defesa comercial – antidumping, compensatórias e salvaguardas – contra o Brasil cresceu em ritmo acelerado nos últimos três anos. O número de novas medidas passou de duas, em 2015, para seis, em 2016, e nove, em 2017. Ao todo, ao longo de um ano, a CNI calcula que o Brasil perde quase US$ 1 bilhão em exportações de produtos que são alvo dessas ferramentas.

“Esse, na realidade, é um movimento natural. Primeiro, ele é um efeito cambial. Quando há uma valorização do dólar no Brasil, o Brasil tem vantagem cambial, aumenta as suas exportações e isso faz com que outros países abram mais investigações contra o Brasil. Outro efeito tem a ver com a situação econômica internacional. Em momentos de crise econômica ou estagnação, há uma tendência de os países se protegerem mais”, disse Barral, em entrevista à Agência CNI de Notícias.

Para Barral, o governo oferece grande apoio aos exportadores para que eles se defendam de eventuais investigações. Ele considera, no entanto, que o Estado poderia ser mais ágil no auxílio às empresas.

O ex-secretário de Comércio Exterior analisa ainda que, dada a imprevisibilidade das atitudes do presidente americano, Donald Trump, é real a possibilidade de os Estados Unidos implementarem alguma espécie de “bullying comercial” contra o Brasil. Confira a entrevista a seguir:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Os números mostram uma ampliação no número de medidas de defesa comercial aplicadas contra o Brasil nos últimos anos. Como o senhor enxerga esse movimento?

WELBER BARRAL – Esse, na realidade, é um movimento natural. Primeiro, ele é um efeito cambial. Quando há uma valorização do dólar no Brasil, o Brasil tem vantagem cambial, aumenta as suas exportações e isso faz com que outros países abram mais investigações contra o Brasil. Outro efeito tem a ver com a situação econômica internacional. Em momentos de crise econômica ou estagnação, há uma tendência de os países se protegerem mais.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O Brasil responde à altura ao aumento de medidas de defesa comercial contra ele?

WELBER BARRAL – O Brasil já chegou a ser, cinco anos atrás, um dos maiores usuários de medidas de defesa comercial. Hoje, o Brasil reduziu bastante o uso dessas medidas. Vários países já ultrapassaram o Brasil, inclusive a China. Como resposta, primeiro, a indústria precisa se defender. Esse é um processo bastante técnico e que demanda muita informação, muitos dados econômicos das empresas. Elas precisam participar e se defender nas investigações. E, quando há algum viés equivocado, o Brasil pode recorrer à OMC [Organização Mundial do Comércio].

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – As medidas são aplicadas, em geral, de forma legítima? O senhor considera que há algum excesso na aplicação dessas medidas?

WELBER BARRAL – O uso de medidas de defesa comercial é um fato da vida internacional. Então, tradicionalmente, até a década de 1990, os grandes usuários eram Estados Unidos e Europa. O Brasil sofria muitas dos Estados Unidos e da Europa. Nos últimos 20 anos, os países em desenvolvimento passaram a aplicar mais medidas de defesa comercial. Estamos defendendo empresas brasileiras na Argentina, Malásia, Peru, Colômbia... Cada vez mais há uma globalização delas.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – E no que diz respeito ao apoio aos exportadores que são alvo de investigações? Como o governo pode contribuir com esse processo?

WELBER BARRAL – Há um grande apoio tanto das embaixadas quanto do Decom [Departamento de Defesa Comercial]. Mas o trabalho do governo vai ser no máximo 10% do trabalho total. A maior parte dos dados das respostas dos questionários tem de ser produzido pelas empresas. Dentro dos 10% do governo, talvez pudesse haver mais agilidade. Às vezes há atraso nas comunicações.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O Brasil precisa fortalecer o seu sistema de defesa comercial? Como?

WELBER BARRAL – O Brasil já tem um sistema bastante complexo, previsível, com muita segurança jurídica. O que acontece às vezes é um certo embate ideológico no nível da Camex [Câmara de Comércio Exterior], porque, claro, sempre uma medida de defesa comercial protege uma parcela da indústria, e os consumidores dessa indústria normalmente não ficam satisfeitos. Esse embate faz parte do processo decisório.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Mas existem critérios técnicos.

WELBER BARRAL – Existem acordos sobre antidumping, sobre medidas compensatória e salvaguardas na OMC e que foram ratificadas pelo Brasil. E temos também uma legislação com critérios técnicos. Na fase de investigação, esses critérios minimizam divergências, mas na fase da Camex há uma decisão dos ministros.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O presidente Donald Trump recentemente afirmou que o Brasil trata as empresas americanas injustamente. Como o senhor enxerga essa declaração?

WELBER BARRAL – Primeiro, ele não esclareceu essa afirmação. A primeira dúvida é se ele se referia a comércio, a investimentos, a serviços, a questões de propriedade intelectual. No caso de comércio, há um número de reclamações do Brasil contra o Estados Unidos e dos Estados Unidos contra o Brasil, mas não há nada extraordinário. Não há grandes contenciosos entre os dois países, como já aconteceu no caso do algodão e do suco de laranja. Ao contrário do México e do Canadá, o Brasil não tem acordo de preferência comercial com os Estados Unidos. Então, se ele está reclamando da burocracia ou da tributação no Brasil, isso afeta não só os americanos. Afeta todo mundo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Que fatores o senhor considera que justificam as declarações de Trump? De que eles têm se queixado?

WELBER BARRAL – Há muitas queixas pontuais, mas não há um grande contencioso. Há reclamações de empresas americanas que pagam tarifas altas no Brasil. No entanto, mais uma vez, isso não é apenas com as empresas americanas, mas sim para todo mundo. Há queixas de investidores que sofrem com a burocracia, com os requisitos ambientais, com a demora dos processos do Brasil. Há queixas de empresas com relação à proteção de propriedade intelectual no Brasil. Mas todos precisamos dizer que tudo isso tem melhorado.

 Segundo Barral, nos últimos 20 anos, os países em desenvolvimento passaram a aplicar mais medidas de defesa comercial

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – É real a possibilidade de os Estados Unidos tomarem alguma iniciativa comercial contra o Brasil?

WELBER BARRAL – É real essa possibilidade. Primeiro, precisamos saber do que [Trump] está reclamando. Como se demonstrou no caso de México, do Canadá, da Europa, da Coreia, ele adotou o que alguns estão chamando de “bullying comercial” contra vários países. Temos de saber qual a reclamação concreta, mas é um risco porque ele é um presidente imprevisível. Além de medidas contra esses países, os Estados Unidos ampliaram as sanções contra o Irã e aumentaram medidas protecionistas gerais contra vários países.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – E no caso da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que consequências elas têm trazido para o comércio internacional como um todo e para o Brasil?

WELBER BARRAL – Até agora, primeiro, houve uma diminuição do comércio internacional. A própria OMC já registrou queda no comércio internacional, provavelmente por conta desse ambiente de incerteza. A segunda consequência é que houve um aumento nos custos de logística – por exemplo, navios precisaram desviar rotas. Estamos tratando das duas maiores economias do mundo, e as medidas acabam afetando o mundo inteiro. Principalmente, o que acho que é pior é a falta de previsibilidade com relação a essa guerra.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Mesmo assim, essa guerra pode trazer oportunidades para o Brasil?

WELBER BARRAL – O que poderia imaginar é que o Brasil poderia suprir demandas em alguns nichos de mercado, mas isso ainda não aconteceu.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Que medidas prioritárias o novo governo deve tomar para ampliar a inserção do Brasil no comércio internacional? Qual seria o passo fundamental?

WELBER BARRAL – A primeira medida talvez fosse desonerar de fato as exportações. As exportações brasileiras perdem competitividade porque o produto é onerado na produção do Brasil. Tem de fazer um imposto único IVA, acabar com o ICMS, ou seja, realizar uma simplificação tributária. Como isso não é rápido, o novo governo deveria ao menos reinstituir o Reintegra [programa que devolve tributos pagos na exportação de manufaturados, por meio de créditos tributários], enquanto não faz a reforma.

Além da desoneração, é necessária uma atenção do governo. A grande verdade é que há pouca prioridade para o comércio exterior no governo brasileiro. Não se percebe o potencial do comércio exterior para a estabilidade econômica, para o crescimento do país e para a geração de empregos.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Não se espera mais que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia saia este ano. Que outras negociações o Brasil deve priorizar no próximo ano?

WELBER BARRAL – A negociação com a União Europeia pode ser retomada no ano que vem, mas será necessariamente longa por sua complexidade. Ano que vem tem eleição na Argentina e depois, na França. Essa negociação é muito afetada por sua complexidade e pelo calendário eleitoral. Outras negociações importantes são Brasil-México, a Mercosul-Canadá e a Mercosul-Japão. Elas podem avançar bastante no ano que vem. São negociações difíceis, mas menos complexas.

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