Ouvidos pelo IT Forum dizem que fim de times de diversidade, redução de investimentos e até energia nuclear são ajustes e mercado segue avançando.
Ao longo de 2024, algumas das grandes empresas de tecnologia deram sinais no mínimo ambíguos sobre a própria disposição para reduzir impactos ambientais e sociais. Um primeiro exemplo: em julho noticiamos aqui no IT Forum que a Microsoft encerrou uma equipe inteira dedicada a diversidade, equidade e inclusão (DEI) devido às “necessidades comerciais em mudança”. E alegou que os cortes foram de posições redundantes, sem alterações em metas previamente estabelecidas.
A bem da verdade a Microsoft não foi a primeira Big Tech a demitir pessoal de DEI. Meses antes, Google, Meta e Zoom fizeram o mesmo, e não o fizeram sozinhas. À rede americana CNBC, fontes detalharam demissões de lideranças e funcionários de grupos de diversidade e inclusão em diversas companhias de tecnologia, o que também incluiu cortes de orçamento para conscientização e programas de treinamento de até 90% em alguns casos.
Segundo a emissora, até metade de 2023 o número de anúncios de emprego relacionados à DEI caiu 44% na comparação com o ano anterior, citando dados do site de vagas Indeed. Outro estudo de 2022 da Great Place to Work (GPTW) já indicava um recrudescimento da pauta nas empresas pela percepção dos próprios funcionários.
Se mudamos um pouco o foco para a pauta ambiental, eis um outro grande dilema: os algoritmos de inteligência artificial, especialmente a generativa, que não param de avançar sobre corporações e usuários finais mundo afora, são sabidos beberrões de energia. Empresas e data centers mundo afora se preocupam sobre como atender essa sede, que para algumas cargas de trabalho pode ser até 33 vezes maior com o uso de GenAI – você não leu errado.
Se a resposta para esse problema passa por investir em mais fontes de energia, como as renováveis eólica e solar, algumas empresas de tecnologia anunciaram investimentos em uma matriz, para ficar na palavra usada lá no começo desse texto, dúbia: a nuclear. Amazon (e sua unidade de nuvem AWS), Oracle, Microsoft e Google anunciaram nos últimos meses investimentos em usinas e reatores nucleares para alimentar data centers, reduzir emissões de carbono e bater metas de sustentabilidade.
Se as emissões de poluentes para gerar energia nuclear são, de fato, menores, é inversamente proporcional a geração de resíduos radioativos caros e difíceis de lidar, e que são até hoje um estorvo para países que investiram nessa matriz ao longo do século XX. Isso sem falar no risco de acidentes – que o digam os moradores da região de Fukushima, no Japão – que levantam questionamentos sobre segurança.
Soma-se a isso o fato de que o recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já deu ordens para que sua equipe de transição prepare a retirada americana do Acordo de Paris, tratado internacional assinado em 2015 que previa redução de emissões e financiamento para mitigação das mudanças climáticas em óbvio curso no planeta. O peso que esse protecionismo exacerbado terá sobre as metas de sustentabilidade de empresas de tecnologia ou mesmo sobre as regulações e legislações ambientais no resto do mundo ainda é um mistério.
Dado o cenário acima, não é de se espantar que parte considerável dos consumidores desconfiem dos avanços de sustentabilidade supostamente promovidos pelas empresas. Um estudo recente da Capgemini, noticiado aqui no IT Forum, indica que mais da metade acredita que as organizações fazem “greenwashing”, ou seja, falam mais do que fazem.
No entanto, o mesmo relatório revela um cenário diferente da porta das empresas para dentro. Para 84% dos executivos, as metas de emissões serão batidas em 2024. Especialistas ouvidos pelo IT Forum apontam, por sua vez, que pequenas quedas nos investimentos em ESG por parte das empresas do mundo, Brasil incluso, revelam maturidade das iniciativas, não necessariamente recrudescimento.
E que as medidas adotas pelas Big Techs não só não preocupam como não indicam uma tendência geral do mercado. Para eles, o movimento é sem volta.
“Nossa pesquisa mostra que existe, sim, uma redução nos investimentos. No entanto, isso não pode ser considerado como retrocesso, e sim ganho de maturidade”, pondera Emanuel Queiroz, vice-presidente de sustentabilidade da Capgemini, a respeito do estudo mais atual feito pela consultoria. Entre as quase mil grandes empresas ouvidas, os 0,92% da receita média investidos em sustentabilidade em 2023 caíram para 0,82% em 2024 – queda de 0,1%.
Segundo ele, no entanto, ao longo dos últimos anos foi possível observar que as organizações de fato incorporaram o tema nas estratégias de negócio, e que parte dos investimentos iniciais mais pesados já foram feitos. “Isso quer dizer que é necessário um retorno desse investimento. As linhas de orçamento que se justificam foram mantidas, enquanto aquelas que não [se justificam mais] acabaram reduzidas”, explica, se referindo a investimentos infrutíferos ou inócuos feitos em um passado de ESG embrionário. “Por isso digo que há um amadurecimento, com os investimentos agora pensados para retorno.”
>Emanuel Queiroz, vice-presidente de sustentabilidade da Capgemini (Imagem: Divulgação)
Queiroz cita como exemplo esforços de transição enérgica, economia circular e reciclagem de materiais, uso consciente de água e de matérias-primas, que são alvo de investimento constante das empresas porque trazem retorno tangível. Ou seja, tanto reduzem o impacto sobre o meio ambiente como melhoram custos e impulsionam a lucratividade.
O mesmo vale para a diversidade e inclusão, diz ele. A sustentação dos negócios no tempo e a atração de talentos depende de ter times mais diversos. “Um time não-diverso, via de regra, traz soluções muitas vezes mais rápidas e consensuais, mas também erradas, por não levar em conta todos os pontos de vista. Por isso a diversidade é fundamental para encontrar as soluções mais adequadas”, diz.
Nelmara Arbex, consultoria especializada no tema e sócia da KPMG para o Brasil e a Américas, também não acredita que o ESG perdeu importância na estratégia geral das empresas. A razão é óbvia: os efeitos extremos das mudanças climáticas bateram a nossa porta, e se antes era possível imaginar que eles seriam um risco futuro para todo tipo de negócio, agora “não precisa mais de nenhuma imaginação”.
“Estamos vendo no mundo inteiro e todos os continentes e estados os efeitos das mudanças climáticas. Essa agenda que nos acostumamos a chamar de ESG existe porque temos problemas concretos para resolver, e eles não sumiram e nem se atenuaram”, pondera ela. “Esse contexto força as empresas a tomarem decisões para continuarem operando no curto e no longo prazo, especialmente aquelas que não pretendem sumir amanhã.”
A executiva diz que a mesma lógica vale para pautas de diversidade. “As mulheres não querem mais ganhar menos para as mesmas funções. As pessoas não querem ser discriminadas por gênero e raça. Então essa agenda está colocada”, salienta.
Neumara também comenta a tendência específica da redução de times dedicados a diversidade e inclusão. Para ela, pessoas antes responsáveis por sustentabilidade e ESG estão agora mais diluídos nas estruturas das organizações, não necessariamente agrupadas. E que esse, a bem da verdade, é o mundo ideal.
Nelmara Arbex, sócia da KPMG para o Brasil e a Américas (Imagem: Divulgação)
“Todas essas áreas, se tudo der certo, vão sumir. Todo profissional de toda área vai ter que pensar como o negócio vai existir nesse contexto. O pessoal de finanças, risco, compliance, estratégia, comercial, marketing… Vamos ter cada vez menos a necessidade de uma área dentro da empresa que cuide de ESG”, diz a especialista.
Para ela, mesmo os indicadores que indicam aumento ou queda de investimentos em sustentabilidade talvez já não sirvam mais. Assim como as pessoas, esses projetos não estão mais sob responsabilidade única. E se nos primeiros anos se investiu em estudos de impacto e em formas de reduzi-lo, agora os investimentos estão pulverizados e fazem parte dos projetos desde a concepção, não sendo medidos por uma única linha de planilha.
Não por acaso o volume de projetos ESG, seja os que tem esses princípios como mote central ou como parte indissociável, cresceram substancialmente nas duas consultorias ouvidas pela reportagem. Na KPGM, foi “a área de negócio que mais cresceu globalmente, muito mais que a média de todos os outros negócios juntos”, diz Neumara, sem poder revelar números.
“De toda a nossa receita mundial no ano passado, 15% vieram de projetos de sustentabilidade. Esse ano chegamos a 23%. Isso para projetos que têm o tema no DNA”, conta Queiroz, da Capgemini. “Os não tem sustentabilidade no DNA, mas entre os benefícios, os projetos chegam a 65% das nossas receitas.”
Outro tema que preocupa as organizações, ambientalmente falando, é o consumo de energia crescente causado pela adoção de tecnologias digitais no mundo todo. A inteligência artificial generativa, nesse contexto, é apenas parte, mas sem dúvida a mais preocupante, desse movimento.
A bem da verdade as empresas de data center já investem há bastante tempo em sustentabilidade. É da própria natureza do negócio, explica ao IT Forum o presidente da Equinix no Brasil, Victor Arnaud. Desde 2015, diz o executivo, a companhia publica um relatório em que detalha práticas de consumo de água e energia, por exemplo, “mesmo quando não são perfeitos”, e também de diversidade e inclusão.
“Sempre adotamos uma postura transparente, o que nos obriga a mostrar também uma vontade de melhorar. Se não as pessoas vão começar a questionar”, pondera ele. “Temos o papel de dar o exemplo.”
Victor Arnaud, presidente da Equinix no Brasil (Imagem: Divulgação)
A empresa tem o compromisso de consumir somente energia renovável até 2030, meta nesse momento em torno de 96%, embora já batida no Brasil. Do ponto de vista da gestão interna, isso significa investir em refrigeração mais eficiente, por exemplo, de modo a gastar menos para esfriar os servidores.
“Como a minha indústria é de Capex intensivo, sempre vou ter uma tecnologia nova. Nosso papel é testar até o ponto em que seja seguro para usar. Do ponto de vista de investimento [em sustentabilidade], sempre vai haver espaço. Do ponto de vista de processo, estamos sim crescendo em maturidade”, salienta.
Arnaud admite que, claro, a inteligência artificial acelerou preocupações ambientais por parte da Equinix. Ambientes com alta densidade de unidades de computação gráfica (GPUs), atualmente mais usados para processar cargas de IA, consomem mais energia por metro quadrado.
E que tecnologias como o resfriamento líquido, por exemplo, são uma alternativa importante já considerados em estruturas ainda em construção, como o vindouro RJ3 em São João de Meriti, na região metropolitana do Rio de Janeiro. A estrutura precisa ser “modular o suficiente pra colocar o liquid cooling que o cliente precisa”, explica Arnaud, citando outros desafios como reaproveitamento de água e construção sustentável, por exemplo.
Outra preocupação importante é a própria geração de energia, conforme explica Carolina Maestri, diretora de ESG e EHS da Odata, empresa de data centers comprada no começo de 2023 pela Aligned Data Center. A empresa é dona de parte minoritária de um parque eólico da Omega Energia, em Xique-Xique, na Bahia. Mais de 90% da energia consumida pelos data centers da empresa é atualmente renovável.
“Conseguimos a custos supercompetitivos oferecer energia elétrica renovável e direto da fonte. Seria possível comprar recursos offset [geração própria fora da rede comum], mas estamos investindo em energia renovável e adicionando ao sistema [nacional]. Fomos a primeira empresa de data center a fazer isso no Brasil e recentemente aumentamos a nossa participação [na Omega]”, conta ela.
O consumo de recursos hídricos é outro tema preocupante para a Odata, diz a executiva, especialmente em países em que são escassos, como é o caso do Chile, por exemplo, país em que a empresa possui data centers. Lá, consumir pouca água se tornou um diferencial competitivo e fez a diferença entre ter ou não presença no país, dono de uma das mais importantes economias da América do Sul.
Carolina Maestri, diretora de ESG e EHS da Odata (Imagem: Divulgação)
“Trabalhamos com circuitos fechados para não perder água por sistemas evaporativos, e com isso nosso consumo é praticamente zero. Falamos muito do Chile, mas praticamente todos os nossos data centers são de circuito fechado”, explica Carolina. “O Chile é um caso emblemático porque há uma escassez hídrica bastante considerável. Conseguimos aprovar um projeto lá porque olhamos a sustentabilidade de forma estratégica.”
Para a executiva, mais do que um desafio, o aumento da carga de processamento causado pela IA rodando nos data centers é uma oportunidade – especialmente no Brasil. “Somos uma grande potência para receber investimentos e desenvolver data centers aqui. O Brasil tem uma grande oferta de energia renovável, o Nordeste tem um dos melhores ventos do mundo, e temos um sistema interligado nacional que permite produzir em qualquer lugar e consumir no Sudeste”, enumera.
Segundo ela, a americana Aligned está “olhando para isso” com bastante atenção. “Ao contrário do que está acontecendo em alguns países que tem esse estigma de que a IA é um vilão, nós vemos como grande oportunidade”.
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