A inflação esteve presente nos últimos 50 anos do século 20 no Brasil. Ela foi responsável por um golpe militar que durou 25 anos. Em 1964, a inflação foi de 92,1% depois de um crescimento de 0,6% no ano anterior.
Na década dos anos 80 se tornou famosa por ter incitado parcelas da população a se autointitularem como “fiscais do Sarney”, período em que muitas pessoas, pela dificuldade em entender os fatores que mexem com os preços, saíram às ruas denunciando ao governo lojas, supermercados e padarias que estivessem desobedecendo o tabelamento de preços.
Em janeiro e fevereiro daquele ano, a inflação estava correndo a uma taxa anual de 517%. Como os “fiscais” não derrubaram a inflação, ela ensejou o surgimento do “despertar dos mágicos”, economistas que incitaram “planos econômicos” subsequentes, sem sucesso.
Quando Collor assumiu o governo em 1990, a inflação do ano anterior tinha sido de 1.232,71%. Não sabendo o que fazer, o Plano Collor apelou para uma discutível lembrança histórica, tentada no final da 2ª guerra mundial na Alemanha, e partiu para o sequestro das economias dos brasileiros, fenômeno conhecido como “sequestro da poupança”.
O alívio inflacionário veio apenas com o Plano Real, em julho de 1994, quando houve a percepção de que a memória inflacionária deveria ser enfrentada com uma espécie de “dolarização fantasma” da economia.
Surgiu assim a URV, uma “moeda” paralela à moeda corrente, com valores diferentes desta, de tal forma que, após alguns meses de “treinamento”, a moeda antiga denominada Cruzeiro Real desapareceu e a nova, denominada REAL, ocupou o seu lugar.
O Real é a mais longeva moeda que os brasileiros conheceram. A geração que nasceu nos anos 1980, praticamente, só conhece o Real.
De uma forma ou de outra, com marchas e contramarchas, o Brasil viveu com uma moeda mais ou menos estável durante 26 anos. Os picos e vales inflacionários foram momentâneos, e a média do período, entre 4,0% e 5% ao ano, consistente com um país em desenvolvimento, mostrou que parecia a todos que tínhamos domado o processo inflacionário.
A única exceção ocorreu em 2015 quando a inflação chegou a 10% ao ano e teve como origem a política de controle de preços administrados – como, por exemplo, os de energia elétrica e dos combustíveis (política parecida com a que está se tentando agora).
O fato é que estamos enfrentando, mais uma vez, um processo inflacionário espalhado pela economia. No ano passado, a inflação foi de 10,67% e este ano as melhores previsões mostram que ela deve chegar a 8% (vide 2015)
É evidente que, agora, dois fatores contribuíram bastante para o crescimento contínuo dos preços. Do ponto de vista externo, a pandemia mundial do Coronavírus e a guerra da Ucrânia. Do ponto de vista interno um certo desarranjo político em um ano eleitoral.
Com a guerra na Ucrânia não há nada a se fazer. O Coronavírus estamos enfrentando com vacinas. Mas do ponto de vista político, estamos passando dos limites. As últimas medidas tomadas pelo Congresso se assemelham muito com aquilo que aconteceu em 2014, também ano de eleição presidencial.
A história tem mostrado que a artificialidade na condução dos preços que mais influenciam a economia, cobra o seu preço nos anos seguintes. Principalmente em economias indexadas como a nossa.
Saímos do processo inflacionário, mas o processo inflacionário latente nunca saiu da economia brasileira, uma vez que em nenhum momento após 2004 tentou-se abandonar a correção monetária, inútil em uma economia com metas de inflação sob a guarda do Banco Central.
Ainda vivemos sob a fantasmagórica ação do IGPM, um índice que indexa, com a benção oficial, parte importante de contratos cujos custos abstratos nele embutidos são imediatamente transferidos para os preços.
É de se esperar que o Banco Central, agora independente, tome as providências para que os preços espalhados pela economia sejam domados com uso da taxa de juros. O Ministério da Economia está fazendo o seu papel – ainda que às vezes desnecessariamente leniente – para manter algumas conquistas importantes conseguidas nos últimos três anos e meio, tais como o superavit primário e a relação dívida pública vs. PIB.
Mas os primeiros sintomas de que a economia pode sair do controle nos próximos meses, ou mesmo no próximo ano, aparece no crescimento do chamado “risco Brasil”, uma visão externa, de como a economia brasileira é avaliada a partir da visão dos investidores estrangeiros. Isto porque a inflação está para um país, como uma doença infecciosa está para o corpo humano.
Diferentemente do que os macroeconomistas pretendem, as Ciências Econômicas não pertencem ao grupo das ciências exatas. Pertencem ao grupo das ciências humanas, sujeitas às reações emocionais das decisões em geral. No livro “O Mito dos Mercados Racionais” Justin Fox (diretor editorial do Harvard Business Review Group e colunista da revista TIME), desmonta a crença na “racionalidade dos agentes econômicos” uma das âncoras utilizadas nas projeções macroeconômicas.
Quando misturamos política e economia, qualquer coisa pode acontecer. A racionalidade vai para o espaço. Por essa razão é dever dos políticos darem suporte para aqueles que conduzem a economia, possam tomar decisões técnicas capazes de manter o país no rumo certo.
Esse será o desafio dos próximos anos, qualquer que seja o governo.
Nelson Barrizzelli, economista, professor aposentado da FEA-USP e Coordenador de Projetos da FIA – Fundação Instituto de Administração
https://www.institutomillenium.org.br/inflacao-e-desenvolvimento/
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