Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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ISSQN E A TRIBUTAÇÃO DAS SOCIEDADES LIMITADAS

José Antônio Patrocínio


Ementa: Mandado de Segurança ISS - Sociedade limitada - Recolhimento do ISS sobre valor fixo. Sociedade de médicos, pai e filho, que prestam o serviço assumindo responsabilidade pessoal - Inteligência dos §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-lei nº 406/1968 - Segurança concedida - Recursos voluntário e oficial desprovidos. (TJ - SP - Apelação Cível n° 9284613-35.2008.8.26.0000).


Com a promulgação da Lei Complementar nº 116, em 31 de Julho de 2003, instaurou-se grande polêmica a despeito da permanência ou não do regime de tributação diferenciado das Sociedades Uniprofissionais, previsto no parágrafo 3º do artigo 9º do Decreto nº 406/1968, com redação dada pelo artigo 2º da Lei Complementar nº 56 de 15 de dezembro de 1987.  Como sabemos, neste regime o ISS é calculado por meio de alíquotas fixas em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, não compreendidas a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

Depois de muita discussão, ficou sedimentado o entendimento de que o regime de tributação por meio de valor fixo - Artigo 9º do Decreto-lei nº. 406/68 -, convive harmoniosamente com a regra prevista no artigo 7º da Lei Complementar nº. 116/2003, que estabelece que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço. Uma é a regra geral (preço do serviço) e a outra a exceção (valor fixo).

Como paradigma para estas discussões podemos apontar o Recurso Especial nº 713.752 do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

Desde então, a matéria vem recebendo o seguinte tratamento:

a) está pacificado o entendimento de que mesmo com a edição da Lei Complementar nº. 116/2003 as sociedades uniprofissionais fazem jus ao tratamento diferenciado, podendo recolher o ISS por meio de alíquota fixa;

b) também está devidamente pacificado o entendimento de que somente fazem jus ao referido tratamento, as sociedades constituídas por profissionais para executar serviços especializados, com responsabilidade pessoal dos sócios e sem caráter empresarial.

Veja que uma coisa é a subsistência do direito ao recolhimento do ISS em valor fixo e outra, totalmente diferente, são os requisitos para fazer jus à ele.

Mas, afinal de contas, quais são os requisitos para jus ao pagamento do ISS em valor fixo?

Nas Leis municipais encontraremos inúmeras exigências neste sentido, todas objetivando identificar se a prestação dos serviços está revestida do tal do "caráter empresarial".

Mas, e o Decreto-lei nº 406/1968, traz algum requisito para as Sociedades?

Vamos conferir:

Em perfeita harmonia com a Constituição Federal, o Decreto-Lei nº 406, de 31-12-68, lei materialmente complementar, prescreve em seu art. 9º, § § 1º e § 3º, ainda em plena vigência:

"Art. 9 º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
(...)
§ 3 º - Quando os serviços a que se referem os itens 1 [09], 4 [10], 8 [11], 25 [12], 52 [13], 88 [14], 89 [15], 90 [16], 91 [17] e 92 [18] da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1 º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (Redação dada pela LC nº 56, de 15-12-87)."


Veja que as únicas condições para fazer jus ao tratamento tributário diferenciado constam do texto do parágrafo 3º do artigo 9º do Decreto-lei nº 406/1968. São eles:

- Prestação de um dos serviços elencados no parágrafo 3º do referido artigo 9º;

- Prestação de serviços em nome da sociedade, com responsabilidade pessoal.

O ponto crucial então é prestar serviços em nome da sociedade embora assumindo responsabilidade pessoal. Mas será que o simples fato de uma Sociedade ser constituída no formato "responsabilidade limitada" afasta a responsabilidade pessoal de seus sócios?

Vamos estudar um pouco mais este assunto.

Já adianto que encontraremos posições bastante antagônicas no Poder Judiciário.

No caso em comento, a 1ª Câmara Extraordinária de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade de votos, decidiu que o fato de uma sociedade constituir-se como "limitada" não afasta "automaticamente" a incidência do regime de tributação fixa.

Vamos conferir um trecho do julgado:"No caso dos autos, a contribuinte é sociedade de Médicos formada por pai e filho, dedicados à clínica geral, de intuito personalista, ou seja, vedada a alienação de quotas sem a anuência do outro quotista (fls. 17/20 e 31). Os dois sócios é que exercem a atividade, atendendo os pacientes pessoalmente, sendo evidente que também respondem pessoalmente em razão do exercício dessa atividade, tanto cível quanto penalmente, e inclusive perante o órgão de classe. Vale dizer: não é o fato de se tratar de uma sociedade limitada que, no caso em exame, impedirá a plena responsabilização dos médicos pelo exercício da profissão."

A Relatora conclui o seu raciocínio da seguinte forma:

"Ainda assim, a exigência da norma do Decreto-Lei nº 406/1968 é que o serviço prestado em nome da sociedade seja realizado com a assunção de responsabilidade pessoal pelo profissional, o que é justamente o caso dos autos. Relevante observar que a constituição da sociedade sob a forma de responsabilidade limitada, per si, não basta para a descaracterização do caráter uniprofissional da ora impetrante."

A Prefeitura, que com certeza está irresignada com a decisão desfavorável aos seus interesses, submeterá o caso crivo do Superior Tribunal de Justiça.

E aí é que está o problema, já que na Corte Superior o tema tem recebido tratamento radicalmente oposto ao do Judiciário Paulista.

A orientação da Primeira Seção do STJ, para os casos da mesma espécie, são todas no sentido de que o regime de tributação fixa não se estende à sociedade limitada, sobretudo porque nessa espécie societária a responsabilidade do sócio é limitada ao capital social.

O precedente com argumentação mais consistente está assim ementado:

"EMENTA: Agravo Regimental nos Embargos de Divergência. Tributário. ISS. Tratamento privilegiado previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-lei 406/68. Sociedade Limitada. Espécie societária em que a responsabilidade do sócio é limitada ao capital social. 1. A orientação da Primeira Seção/STJ pacificou-se no sentido de que o tratamento privilegiado previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68 somente é aplicável às sociedades uniprofissionais que tenham por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal dos sócios e sem caráter empresarial. Por tais razões, o benefício não se estende à sociedade limitada, sobretudo porque nessa espécie societária a responsabilidade do sócio é limitada ao capital social. Nesse sentido: AgRg nos EREsp 941.870/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJE de 25.11.2009. 2. "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" (Súmula 168/STJ). 3. Agravo regimental não provido." (AgRg. nos Embargos de Divergência em Resp. nº 1.182.817 - RJ).

Portanto, para os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça a espécie societária em que a responsabilidade do sócio está limitada ao capital social não faz jus ao tratamento tributário previsto no artigo 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68. Por este entendimento, basta que a sociedade constitua-se como limitada que já estará automaticamente afastada a tributação em valor fixo.

Para o STJ o tipo societário "limitada" exclui automaticamente a responsabilidade pessoal dos sócios.

Não concordamos com esta tese!

Primeiro porque o fato de uma sociedade ser constituída como limitada, no aspecto societário, nunca vai interferir na responsabilidade de seus sócios, que será sempre pessoal, nos termos da lei que regula o exercício de cada um das profissões.

Como exemplo disto, podemos citar o caso do médico, que independentemente da natureza jurídica da sociedade da qual pertença, assumirá sempre a responsabilidade pessoal pelos seus atos. Neste sentido, a legislação de regência da atividade é incisiva ao estabelecer que a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida. (Código de Ética Médica - Artigo 1º, parágrafo único da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1931/2009).

Veja que, uma coisa é a responsabilidade social, tributária e patrimonial que está vinculada a cada um dos sócios. Estas questões são regulamentadas pelo Código Civil e estão relacionadas com a natureza jurídica da sociedade. No caso das sociedades limitadas essa responsabilidade fica limitada ao valor das quotas de cada sócio na hora da integralização do capital social.

Já a responsabilidade pessoal exigida pela Lei Tributária não tem nada a ver com isto!

Explico:

O Legislador complementar optou por tributar as sociedades adotando exatamente o mesmo critério utilizado para tributação dos autônomos, ou seja, alíquotas fixas quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte.

Diz a Lei:

"Quando os serviços forem prestados por sociedades, estas (sociedades) ficarão sujeitas ao ISSQN em valor fixo, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável."

Então, para a Lei tributária, mesmo no caso das sociedades, existe a necessidade de que a prestação de serviços ocorra sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte (sócio).
Aliás, este é um dos requisitos para fazer jus ao regime de tributação por valor fixo.

Isto justifica então a necessidade de que a responsabilidade do sócio também seja pessoal em relação ao serviço que presta em nome da sociedade.

Ora, se a sociedade só pode ter sócio que execute serviço sob a forma de trabalho pessoal, é evidente que a responsabilidade por este serviço também só pode ser pessoal.

A "responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável", exigida pela lei tributária, não pode ser confundida com a responsabilidade atinente ao tipo societário escolhido no momento da constituição da sociedade.

O legislador vinculou a responsabilidade pessoal à "lei aplicável" justamente porque os serviços são sempre prestados por profissional habilitado. Assim, como decorrência lógica disto, "lei aplicável" é aquela que regula o exercício de cada profissão, disciplinando inclusive a responsabilidade pessoal em relação aos atos praticados.

A opção da sociedade por uma das espécies societárias previstas no Código Civil, seja ela limitada ou ilimitada, NUNCA afastará a responsabilidade pessoal dos sócios em relação aos serviços que prestar em nome da sociedade.

Discorrendo sobre o tema, em seu artigo "Sociedade Uniprofissional e o (des)Enquadramento do ISS Fixo", o Professor Pablo Arruda ensina-nos que:

"Não há que confundir-se a limitação de responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais de que trata o artigo 1.052 do Código Civil com a responsabilidade pessoal dos prestadores, devidamente habilitados, sócios ou não (empregados ou não), ainda que prestando serviço em nome da sociedade. A responsabilidade pessoal exigida pelo parágrafo terceiro do art. 9º do DL 406/68 refere-se a responsabilidade profissional, que decorre de Lei Especial, como para os médicos e advogados, nos respectivos códigos de ética profissional. Dessa forma, é possível que os profissionais assumam responsabilidade pessoal pelos atos praticados no exercício da profissão (o que decorre de imperativo legal), sem assumir responsabilidade pessoal pelas obrigações societárias que não decorram dos serviços intelectuais prestados."

Também poderemos chegar à esta conclusão se olharmos o tema sob outro aspecto. Vejamos:

Estabelece a Lei tributária que o ISS em valor fixo será calculado em relação a cada profissional habilitado que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.

É obrigatório portanto que os serviços sejam prestados por profissional habilitado.

Ocorre que, a mesma legislação, estabelece ainda que este profissional habilitado pode ser sócio, empregado ou não, que preste serviço em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.

Isto mais uma vez demonstra que a "responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável" é profissional e não societária, pois atinge o profissional habilitado, não importando se ele é sócio ou empregado. Como sabemos, as obrigações societárias, decorrentes do tipo societário, nunca atingirão os empregados.

Desta forma, só nos resta concluir que a opção pelo tipo societário não é capaz, por si só, de excluir a responsabilidade pessoal dos sócios na prestação de serviços em nome da sociedade.

No entanto, como já dissemos, não é desta forma que os Ministros do Superior Tribunal de Justiça tem enfrentado o tema.

Por fim, é importante registrarmos que o posicionamento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, embora destoando do STJ, já ecoa, ainda que timidamente, por outros Tribunais Brasil afora. Vale à pena citarmos um caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ISS. TRIBUTAÇÃO FIXA. SOCIEDADE PLURIPROFISSIONAL. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL LIMITADA. Cabível a tributação fixa para fins de ISS (art. 9º, §§ 1º e 3º, do Dec.-lei 406/68) para sociedade composta por advogados e contadores de prestação de serviços de assessoria e consultoria tributária com responsabilidade patrimonial limitada. Muito oportuno, e até necessário, que o serviço de consultoria e assessoria tributária seja prestado por contadores e advogados. Com efeito, para fins de tributação privilegiada, necessário que os sócios tenham habilitação para prestar os serviços que constituem o objeto social, e não que necessariamente tenham a mesma habilitação. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 91.311, RE 105.854, AI 94654 AgR). Não é óbice à tributação fixa adotar a forma de responsabilidade patrimonial limitada, pois isso nada tem a ver com o critério da tributação privilegiada: a pessoalidade na execução dos serviços. Uma coisa é responsabilidade patrimonial, outra é a pessoalidade na atividade. Ademais, é uma opção da sociedade simples (art. 997, VIII, do CC). [...]. (Apelação Cível nº 70059595314)."

Eis um trecho do voto do eminente Relator:

"Ademais, o fato de ser constituída a sociedade com a responsabilidade patrimonial limitada em nada descaracteriza o trabalho pessoal. De fato, isso não significa que os sócios não atuem pessoalmente, até porque as sociedades simples (prestadoras de serviços intelectuais) podem optar pela responsabilidade limitada ou não, conforme dispõe o Código Civil, no seu art. 997, VIII. É de todo equivocado insistir na tese de que a responsabilidade patrimonial limitada implica impessoalidade na prestação de serviço. Tal critério inexiste na lei complementar, na legislação municipal e- data máxima vênia - sequer há argumentos lógicos e coerentes para defender tal pretensão. Uma coisa é a responsabilidade patrimonial, outra é a prestação do serviço de forma pessoal."

A decisão não merece reparos.

Para que não paire nenhuma dúvida sobre o assunto, é importante esclarecermos que não estamos aqui defendendo a ideia de que toda sociedade limitada tem direito ao recolhimento do ISSQN em valor fixo. Bem ao contrário disto, comungamos do entendimento de que o tipo societário não pode e não deve, por si só, determinar o regime de tributação de uma sociedade.

Na prática, isto significa que o fisco não pode presumir que inexiste responsabilidade pessoal na prestação dos serviços, pelo simples fato da sociedade constituir-se como limitada.

Concluindo:

A constituição da sociedade (espécie ou tipo societário) nunca poderá ser utilizada como parâmetro para definição do regime de tributação do ISSQN, nem para conceder e muito menos para negar um direito previsto em Lei Complementar (Artigo 9º do Decreto-lei nº 406/1968).


José Antônio Patrocínio é Advogado, Contabilista, Consultor Tributário da Thomson Reuters FISCOSoft e Professor de ISSQN no MBA Gestão Tributária na FIPECAFI/USP.

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