Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Katia Vaskys: Diversidade, inclusão e renovação como legado

Primeira executiva à frente da IBM Brasil fala de planos para o futuro e sobre a responsabilidade de formar mais mulheres para cargos de liderança.

Imagem: Divulgação

A partir de abril, Katia Vaskys não será mais a gerente geral da IBM Brasil. A executiva, primeira mulher a ocupar o posto na centenária empresa de tecnologia, anunciou em janeiro, em um post no LinkedIn, que está de saída. Em entrevista exclusiva ao IT Forum, Katia ressalta que se tratou de uma decisão “muito difícil” e “extremamente pessoal”, o que significa que pretende se dedicar, ao menos em um primeiro momento, à vida pessoal e familiar.

“Nos próximos meses você vai me ver na praia. Vou estar em Juquehy [litoral norte de São Paulo]. Eu realmente preciso parar para descansar”, brinca a executiva, dizendo que vai aproveitar para pensar também em próximos passos profissionais. E ela já tem algumas ideias. “Eu queria ter algo voltado não à educação, mas a ajudar no início da carreira a progressão de mulheres e jovens profissionais.”

A preocupação com os temas de diversidade e inclusão é, aliás, o grande legado que Katia diz deixar na IBM brasileira. Na entrevista, dentro do contexto do Dia Internacional da Mulher, a executiva ressaltou sua participação direta nos agora estabelecidos grupos de afinidades, como são chamados internamente. O envolvimento com esses grupos, que promovem debates e fazem sugestões sobre como tornar o cotidiano de grupos minorizados dentro da IBM mais inclusivo, foi uma grande preocupação quando a executiva decidiu deixar a empresa.

“Tenho uma participação ativa em todos esses grupos, várias mulheres me veem como referência. Ao tomar essa decisão comecei a me sentir tão egoísta, porque eu tinha uma responsabilidade com essas pessoas. Era uma preocupação muito grande”, diz Katia. “Foi uma decisão, apesar de muito tranquila e segura dentro de mim, de concretização muito difícil.”

Confira a seguir os principais momentos da entrevista.

IT Forum: Celebramos há pouco o Dia Internacional da Mulher. Como você vê o mercado de TI atual para mulheres? No que avançamos nos últimos anos, se é que avançamos?

Katia Vaskys: É bom frisar que o dia 8 de março é sempre muito importante. Para discutir, lembrar a vulnerabilidade de milhões de mulheres. Principalmente as que não têm voz. Eu tenho voz, estou aqui conversando com você. Quando falamos de um segmento como o de tecnologia, ou de um mercado que de certa forma trata com mulheres mais privilegiadas, guardadas as devidas proporções, ainda estamos em uma bolha. Sempre é importante discutir o significado dessa data, pensando para que no futuro tenhamos mais representação e seja um dia para celebrar, e não ter que falar tanto sobre isso.

Mas indo direto para a sua pergunta, e pensando especificamente no mercado de TI, a IBM fez uma pesquisa, realizada pelo IBM Institute for Business Val.... Apesar disso ainda muito atual. E que apontou não só um gap, mas uma redução [de mulheres no mercado de TI]. O que aconteceu, até por conta do cenário de crise e pandemia, de redução de empregos, houve uma redução muito preocupante [de mulheres] nos cargos executivos e em posições de conselho. E talvez o dado mais preocupante é a questão do pipeline. Isso que chamou a atenção. O pipeline de mulheres prontas para assumir uma posição executiva, em várias áreas, e tecnologia também, caiu. Então vejo como ação principal em todas as empresas e sociedade a formação de jovens talentos. Isso vai direcionar muito o que pode acontecer daqui para a frente.

IT Forum: Olhando para o mercado de modo geral, o que falta para a contratação de mulheres aumentar? É uma questão de vontade institucional ou estrutural, social, e por isso mais complexa?

Katia: A responsabilidade é combinada. Eu vejo as empresas normalmente com iniciativas importantes focadas em seu universo. Eu particularmente vejo uma necessidade maior de integração das iniciativas. Empresas, sociedade, meios acadêmicos e governo. Essas coisas têm que ser combinadas em redes de apoio que se retroalimentem. As empresas individualmente estão fazendo ações, mas não adianta se a candidata não chega. Nós todos temos uma responsabilidade em criar oportunidades. Até mesmo como indivíduos.

Os programas de formação existem, mas aí o que acaba acontecendo? A pessoa chega ao mercado e não tem progressão de carreira. Como a gente ajuda, através de mentoria, orientação, a pessoa a progredir na carreira? Não é só questão de formar e encontrar o primeiro emprego, mas de aproveitar oportunidades. Quais os próximos passos, como se desenvolver e criar oportunidades de expansão e crescimento? Temos que realmente intensificar ações intencionais no dia a dia que façam essas coisas acontecerem.

Quando se fala da progressão de carreiras femininas, é importante ter essa cultura de intenção. Você criar de verdade uma abordagem autêntica. Eu quero que isso aconteça. Eu tenho mulheres suficientes no meu grupo? Considerei todos os grupos de diversidade para essa posição? Tenho coragem de abraçar o desconforto e trazer alguém menos capacitada e treiná-la para ter uma posição boa para o grupo como um todo no futuro? Mais do que estabelecer programas específicos, temos que criar mecanismos que provoquem isso intencionalmente todo o tempo. Especialmente quando se trata não só a questão da mulher, mas a interseccionalidade combinada. A mulher negra, mulher negra deficiente física, etc.

IT Forum: Pensando nessa intencionalidade, como é na IBM? Que iniciativas você liderou?

Katia: Dentro da IBM se reflete por meio de um trabalho muito intenso de grupos de diversidade. São chamados de grupos de BRG [Business Resource Groups]. São grupos de afinidades. Temos um de mulheres, um de afrodescendentes, outro de neurodiversidade, deficiência física, LGBTQIA+… São cerca de 9 grupos. E o trabalho que fazemos é que esses grupos discutem com a população e entre si e retroalimentam programas executivos com aquilo que precisa ser feito. Esses grupos nos ajudam muito. A questão de eliminar o idioma inglês na contratação [de novos profissionais] surgiu em um desses grupos. Eles promovem tanto o acolhimento e o entendimento em um ambiente mais seguro para as pessoas que se consideram e se declaram de minorias poderem falar.

IT Forum: Sua resposta me faz pensar em um perfil executivo que parece fadado à extinção. O do chefe autocrático que tudo sabe e não ouve ninguém. Você acha que esse perfil está com os dias contados?

Katia: Esse perfil não pode existir mais e não vai. Ele vai ser engolido rapidamente. Empresas que tiveram lideranças com esse perfil vão se esvaziar. Todos nós buscamos ambientes mais abertos e criativos em que podemos nos expressar da maneira que a gente é. O perfil da liderança tem que ser humano, humanístico. Cada vez mais que a gente vai entrando em uma nova era mais drivada por recursos tecnológico, automação de tarefas repetitivas, uso massivo de dados e inteligência artificial. O que vai destacar a liderança é [ela] ser humana, ter sensibilidade, intuição, percepção aguçada.

IT Forum: Mesmo na posição de principal executiva de uma das principais empresas globais de tecnologia, você ainda enfrenta discriminação por ser mulher? Que desafios você ainda enfrenta?

Katia: Nossa sociedade é muito repleta de micro agressões, que por vezes são veladas. Vêm através de um meme, uma piada disfarçada em um grupo de WhatsApp. Existe uma necessidade constante de quebrar isso. A vida é muito rápida para gente viver sem ser o que a gente é. É importante todas as mulheres e aqueles que de alguma forma são discriminados por qualquer motivo que se expressem. Temos que nos posicionar e falar não, não cabe mais viver em um mundo que diminui qualquer pessoa por qualquer tipo de característica.

Algumas coisas me ajudaram. Rede de apoio é uma delas. Mulheres que me apoiaram, me reconheceram e ajudaram. Programas especiais de apoio à diversidade e construção de mulheres. E claro, um componente enorme do meu esforço pessoal de aprender, estudar, procurar ser boa, a melhor, e me diferenciar pessoalmente e entregar valor nas tarefas que eu estava fazendo. Mas se eu não tivesse ajuda não teria conseguido.

Gosto de falar isso olhando para a minha carreira hoje. Se eu não tivesse essa série de mãos que me seguraram e apoiaram e empurraram para frente, eu não teria conseguido. E isso de alguma forma comprova a necessidade latente que temos de ainda ter programas específicos. Ter alguma coisa direcionada e intencional para reduzir gaps de diversidade e inclusão.

IT Forum: Você anunciou que está deixando a IBM em abril. O que motivou essa decisão? E depois de quase 12 anos na empresa, o que você sente?

Katia: É dificílimo. Foi uma decisão muito, muito, muito difícil. Porque foi uma decisão extremamente pessoal, olhando para meu histórico de vida, de carreira, meu momento familiar. Eu senti um chamado pessoal de resgatar coisas que gosto de fazer, de ter mais tempo para investir em tarefas e coisas que gostaria de aprender. Eu senti uma necessidade de recomeçar. Como se já tivesse cumprido tudo que poderia e quisesse começar uma coisa nova. É um processo de rejuvenescimento. Mas ao mesmo tempo pesou muito essa questão de ser a primeira mulher [na liderança] da operação [da IBM] no Brasil. Tenho uma participação ativa em todos esses grupos de apoio, várias mulheres me viam como referência. Para tomar essa decisão comecei a me sentir tão egoísta, porque eu tinha uma responsabilidade com essas pessoas. Eu tinha uma preocupação muito grande. Foi uma decisão, apesar de muito tranquila e segura dentro de mim, de concretização muito difícil. Principalmente porque eu me preocupava com o impacto que podia causar, especialmente para as meninas e mulheres da IBM. Mas, de novo, eu tenho o privilégio de estar em uma empresa diferenciada, e por isso combinamos esse processo de saída gradual. Minha decisão foi tomada e comunicada para minha liderança no fim do ano passado. Mas combinamos de ter esse trimestre, e a saída oficializada a partir de 1º de abril. Para justamente ter tempo de trabalhar isso tranquilamente com o time, os clientes, nossos parceiros de negócio, e fazer isso de maneira natural.

IT Forum: E que grandes lições de liderança você acha que ficam do seu período de IBM? O que você destacaria?

Katia: Eu deixo como marco esse olhar para grupos de afinidades. Sou sponsor e madrinha executiva desses grupos antes mesmo de assumir a gestão da IBM no país. Esse olhar e essa preocupação se intensificaram muito e acabaram coroando ainda mais minha posição. E eu percebi que foi uma preocupação muito grande também no momento da transição. Sem dúvida é meu grande legado. Deixar pavimentado o caminho para uma liderança mais inclusiva e voltada para a construção de pessoas. E o que ela deixa em mim é a necessidade de renovação constante. Essa busca incessante por proposito, criar, inventar coisas que transformem e causem impacto não só no que se está fazendo, mas na sociedade. Deixar legados. A gente tem que se reinventar o tempo todo e apresentar e ser o nosso melhor.

IT Forum: E quais seus planos futuros? Consegue antecipar alguma coisa para gente?

Katia: Nos próximos meses você vai me ver na praia. Nos próximos meses vou estar em Juquehy [risos]. Eu realmente preciso parar para descansar. Eu não tenho nenhum plano imediatamente construído. Tenho grandes direcionadores. Um voltado a uma atuação mais forte como conselheira de inovação, de empresas e de startups. Quero me preparar e estudar e estar pronta para assumir essas posições. É algo em que entendo que posso contribuir muito para empresas de vários setores. E quero fazer alguma coisa também na formação de jovens profissionais. Essa ainda não está tão claro [para mim]. Por isso preciso de um tempo parada, pensando. Queria ter algo voltado não a educação, mas a ajudar o início e a progressão de carreira de mulheres e de jovens profissionais.

Marcelo Gimenes Vieira

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