Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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MANIFESTAÇÕES: Constituinte para fazer reforma política, anunciada por Dilma, traz muitas dúvidas e um perigo — o de desmoralizar e enfraquecer o Congresso como instituição

Constituintes comemoram, a 5 de outubro de 1988, a promulgação da nova Constituição pelo deputado Ulysses Guimarães, que o fez com "nojo e ódio" à ditadura: desta vez se trata de algo inédito e perigoso (Foto: Jornal do Brasil)

Não quero ser do contra — Deus do céu, defendo reformas políticas em artigos há 20 anos –, mas é mais fala de impacto do que qualquer outra coisa o anúncio da presidente Dilma Rousseff de que irá “pedir” um plebiscito sobre reforma política como parte do pacto de 5 pontos que está sendo armado com 27 governadores e 26 prefeitos de capitais.

A presidente falou em “plebiscito” para que se faça uma espécie de “constituinte” específica para levar à frente uma reforma política.

Sabe Deus o que será isso. Se o plebiscito decidir que, sim, é preciso eleger uma constituinte específica para fazer a reforma política, isso tudo atropelará as funções do Congresso previstas na Constituição.

Será necessário, então, antes de qualquer coisa, alterar a Constituição — processo que pode ser longo, complexo e não seguir adiante — para que haja esse plebiscito.

E, sendo eleita uma constituinte, ela vai trabalhar paralelamente ao Congresso? O Congresso vai aceitar essa auto-castração? Continuará funcionando, mas impedido de aprovar leis que tenham a ver com sua essência — a política?

A cobra engolindo o próprio rabo

Seja qual for a forma de sair dessa confusão, e mesmo que essa complexa trama proveniente da cabeça da presidente caminhe, não há como fugir à questão da cobra engolindo o próprio rabo: se não existe no Congresso, há décadas, consenso sobre pontos cruciais para se realizar uma reforma política, que garantia há de que existirá qualquer consenso a partir de agora, mesmo com constituintes eleitos pelos mesmos partidos que não conseguiram romper o impasse?

Os temas de uma reforma política são, todos, extremamente controvertidos. Começa pela MÃE DE TODAS AS DISTORÇÕES: a representação proporcional dos Estados na Câmara dos Deputados.

Isso rende não posts ou artigos, mas livros inteiros. Limito-me a um só e escandaloso dado: o Sul e o Sudeste, juntos, têm 60% da população brasileira — mas apenas 40% da representação. São Paulo, o Estado mais populoso, deveria ter algo como 115 ou 116 deputados, se fosse obedecida alguma proporcionalidade entre população e bancada, mas bate no teto arbitrário de 70 deputados por Estado.

Com 42 milhões de habitantes, São Paulo tem 70 deputados — dá um para cada 600 mil habitantes. Como a Constituição fixou, absurdamente, em 8 o número mínimo de deputados por Estado (e não de 1, como é nos Estados Unidos), ocorre que Estados pouco povoados do Norte, como Roraima, com 470 mil habitantes e seus 8 deputados, tem apenas 58,7 mil habitantes por cada representante.

Ou seja, um habitante de Roraima vale eleitoralmente mais de 10 vezes um de São Paulo.

Estados grandes, como Minas Gerais e o Rio de Janeiro, com o tempo terão o mesmo problema.

Outros itens muito polêmicos

Mas, além da MÃE DE TODAS AS DISTORÇÕES, há vários itens muito polêmicos dentro de uma reforma política: voto obrigatório ou facultativo, instituição ou não do voto distrital, exigências mais rigorosas ou não para a criação de partidos, tal qual a criação de uma “cláusula de barreira” como existe em tantos países (partidos precisam de um mínimo percentual de votos para terem representação no Congresso), fim dos suplentes de senador sem voto, financiamento público exclusivo para campanhas eleitorais ou não, e por aí vai.

É certo que o Congresso, ou uma constituinte, ou como se chame o Legislativo que faria a tal reforma, não sendo imune à pressão das ruas, muito pelo contrário, provavelmente aceitará alterar algumas regras cujo fim clama aos céus, como os suplentes de senador sem voto (2 para cada parlamentar) e sobretudo com a imoralidade de senadores poderem escolher para a função o pai, o irmão, o filho (como o ministro Edison Lobão), a mulher, digna de uma republiqueta de bananas.

Mas e questões realmente cabeludas, como eventualmente acabar com o voto obrigatório — uma tradição a meu ver absurda da nossa democracia, mas que vigora como dogma de fé desde 1932?

Ou o voto distrital, que dividiria o país em distritos com aproximadamente o mesmo número de eleitores cada, tantos quantos forem os deputados a serem eleitos, e tornaria a eleição majoritária em cada distrito, eventualmente em dois turnos?

Essa modalidade de escolha dos deputados traz consigo e grande mérito de dar mais representatividade aos eleitos — porque serão, em cada distrito, escolhidos por maioria absoluta –, de fazer com estejam familiarizados com os problemas daquele território e de serem conhecidos dos eleitores, que podem fiscalizar seu trabalho e fazer cobranças.

Ocorre que os deputados são há décadas eleitos pelo voto proporcional, de eleitores do Estado inteiro, beneficiam-se do voto na legenda, já têm seus esquemas espalhados pelos Estados adentro, sentem-se seguros assim, temem serem expelidos pela mudança e tenderão a aferrar-se ao velho.

Outra questão-chave, como a forma de financiar as campanhas políticas, mexerá com interesses poderosos tanto do Congresso como dos tais constituintes, já que todos são políticos e serão eleitos pelos partidos que já compõem o Legislativo: os candidatos abrirão mão da contribuição generosa de grupos empresariais? Quererão alterar uma legislação cheia de furos, que permite toda sorte de manobras para encher as burras dos partidos e dos candidatos?

E quem garante que, havendo financiamento público exclusivo, não continuará a rolar dinheiro de caixa 2 para partidos e candidatos? Como fiscalizar eficazmente esse tipo de coisa?

Um grande nó jurídico e o perigo de governar por plebiscitos

Tudo isso são indagações para uma etapa posterior. O grande nó jurídico e político a resolver, agora, é como fazer o Congresso se auto-castrar e aprovar um plebiscito que irá retirá-lo do centro dos debates de uma questão fundamental.

A Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1986, que gerou a Constituição de 1988, foi algo inteiramente diferente: o país saíra de 21 anos de uma ditadura militar e precisava de um arcabouço jurídico democrático, devidamente elaborado por representantes eleitos pelo povo.

Agora, estamos diante de algo inédito no Brasil.

O Congresso atual está desmoralizado e merece o desprezo das ruas. Mas qualquer manobra que o enfraqueça, o atinja e o diminua COMO INSTITUIÇÃO é perigosa para a democracia.

Governar por plebiscitos é algo que raramente acaba bem.

http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/

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