Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
Mais do que adaptar a IA aos processos existentes, é necessário redesenhar fluxos, produtos e serviços com a colaboração humano-IA no centro.
Por Caio Laurino
Será cada vez mais comum termos equipes com agentes humanos e não humanos trabalhando lado a lado, com a liderança em projetos também podendo ser alternar entre eles
Ela tem sido o foco das atenções nas conversas sobre transformação digital: inteligência artificial. Adotamos a IA para analisar dados, automatizar tarefas repetitivas, personalizar experiências e até mesmo para nos ajudar a redigir aquele e-mail para um cliente especial. Acontece, porém, que essa grande aliada do nosso cotidiano operacional evoluiu e acrescentou um tema nas rodas de bate-papo, em especial de CIOs: estamos preparados para trabalhar em cooperação com as IAs?
Imagine um futuro do trabalho em que a colaboração não acontece apenas entre pessoas, mas entre pessoas e inteligências artificiais – múltiplas, autônomas, interconectadas. Não se trata de um roteiro de ficção científica, mas o novo normal que já se desenha nas organizações mais inovadoras do mundo. Em outras palavras, o trabalho não será feito só por humanos assistidos por IA, mas por times híbridos, nos quais cada agente, biológico ou artificial, tem um papel no fluxo de valor.
À medida que a IA evolui de uma ferramenta para um sistema de ação autônomo, surge uma nova habilidade essencial para times de tecnologia (na verdade, para os times de todas as áreas): projetar fluxos nos quais “algoritmos de carne e osso” e inteligências artificiais cooperam ativamente – inclusive entre múltiplas IAs. Não se trata apenas de “usar” IA, mas de “orquestrar” decisões, tarefas e interações entre agentes humanos e agentes artificiais. O que não é uma tarefa simples, pois exige uma mudança profunda na forma como os processos são desenhados, como os times são liderados e como as entregas são estruturadas.
Imagine uma orquestra, na qual violinos robóticos interagem com flautas algorítmicas, pianos generativos improvisam com violoncelos de código, e o maestro humano não dita cada nota, mas define a harmonia, ajusta o ritmo e intervém apenas quando a sinfonia precisa de um novo movimento. Ou um maestro “artificial” com violinistas de carne e osso… Essa é a imagem do futuro do trabalho que já bate à nossa porta.
Assistimos, atualmente, a uma transformação quando o assunto é IA. De uma espécie de oráculo passivo, uma executora de pedidos, agora ela é um agente proativo, capaz de tomar decisões, executar sequências complexas de ações e, em especial, cooperar com outros agentes (leia-se humanos ou outras Ias). Nossa amiga artificial está se tornando um agente de decisão, execução e cooperação – capaz de negociar prioridades, dividir tarefas e aprender em rede com outros agentes, sejam humanos ou sintéticos.
Tire a orquestra da cabeça e imagine agora sistemas de IA que não apenas sugerem um curso de ação, mas o iniciam, monitoram seu progresso, ajustam-no com base em feedback em tempo real e se comunicam com outras IAs para delegar subtarefas. Falando de uma IA que não espera ser comandada, mas que participa ativamente do fluxo de trabalho, contribuindo com suas próprias “opiniões” e “iniciativas” baseadas em seus algoritmos e aprendizados.
Um relatório recente da McKinsey, revela que as empresas estão agora utilizando a IA em mais partes do negócio. Metade dos entrevistados afirma que suas organizações adotaram a IA em duas ou mais funções de negócios, contra menos de um terço dos entrevistados em 2023. Ou seja, se 2023 foi o ano em que o mundo descobriu IA generativa, 2024 é visto como o ano em que as organizações realmente começaram a usar e a derivar valor comercial dessa tecnologia.
Mas, essa transição não é apenas tecnológica; ela é profundamente humana e organizacional. Nós, humanos, fomos treinados para um modelo de comando e controle, ou, na melhor das hipóteses, para usar ferramentas que nos dão algum tipo de controle. Mas como alguns de nós reagem quando a “ferramenta IA” começa a agir como um colega de equipe, com capacidade de iniciativa e, muitas vezes, com um conhecimento que supera o do especialista humano em domínios específicos? Resistência. Durante décadas, automação significou humanos no comando, máquinas obedecendo. Iniciaria por parte desses novos agentes autônomos eram retratadas como rebelião, basta lembrarmos de HAL 9000, o supercomputador de “2001: uma odisseia no espaço” que resolve, por sua vontade, eliminar os humanos para o bem da missão…
Quando se fala em “cooperação entre inteligências”, devemos entender um ecossistema de trabalho em que a divisão de tarefas e a tomada de decisões são fluidas e dinâmicas, envolvendo tanto humanos quanto IAs. Esqueça a imagem de um humano solitário dando ordens a um computador. Imagine, em vez disso, um time no qual múltiplos agentes (alguns biológicos, outros sintéticos) interagem, negociam e constroem soluções em conjunto. A cooperação entre inteligências envolve sistemas multiagentes que constroem fluxos, negociam prioridades e aprendem juntos.
É aqui que entram em cena os chamados Sistemas Multiagentes (Multi-Agent Systems – MAS) ou, em uma evolução mais recente e focada em modelos de linguagem amplos, os LAMs (Large Agentic Models). Esses sistemas consistem em vários agentes de IA trabalhando coletivamente para executar tarefas em nome de um usuário ou de outro sistema. Cada agente dentro de um MAS tem propriedades individuais, mas todos os agentes se comportam de forma colaborativa para alcançar as propriedades globais desejadas. Eles são valiosos para concluir tarefas complexas em larga escala.
Pense nos LAMs como equipes de IAs especializadas que conversam entre si, dividem problemas complexos em partes menores, atribuem essas partes aos agentes mais qualificados (sejam eles outras IAs ou humanos), monitoram o progresso e integram os resultados. Essas equipes podem, por exemplo, ter um agente IA especializado em análise de dados de mercado, outro em otimização de cadeia de suprimentos e um terceiro em comunicação com clientes.
Importante: eles não operam em silos; formam uma rede, aprendendo umas com as outras e com os humanos, adaptando-se a novas informações e reconfigurando suas estratégias colaborativamente, tudo isso em questão de segundos ou minutos.
E o humano? O papel dos humanos é supervisionar, calibrar e reconfigurar, deixando de lado o micro gerenciamento: ele define o design do fluxo de trabalho, observa o desempenho por meio de dashboards em tempo real, ajusta os parâmetros dos agentes ou introduz novos e intervém em momentos críticos que exigem julgamento humano ou criatividade. O segredo desse processo está no protagonismo distribuído: cada agente (humano ou artificial) tem autonomia dentro de sua expertise, mas o valor surge da colaboração.
A transição para essa cooperação ativa entre inteligências humanas e artificiais não é apenas instalar um novo software. Ela exige uma reengenharia na forma como o trabalho é estruturado, gerenciado e medido, impactando desde as rotinas diárias até a própria definição de “equipe”. A chegada dos “colegas sintéticos” exige essa reengenharia radical. Vejamos:
Criação de rotinas híbridas com IA + humanos interagindo
Os fluxos de trabalho tradicionais, lineares e sequenciais, muitas vezes se mostram inadequados para essa nova realidade. É preciso desenhar processos nos quais a interação humano-IA seja um componente intrínseco, não um “puxadinho”. Isso significa mapear explicitamente os pontos de handover, os momentos de decisão compartilhada, os loops de feedback entre humanos e IAs, e até mesmo entre diferentes IAs. As equipes passam a interagir com as IAs como se fossem pares, exigindo novas dinâmicas de comunicação, feedback e tomada de decisão. Reuniões não são mais só humanas.
Reestruturação de squads, redefinição de papéis e KPIs
Os tradicionais squads precisarão ser repensados. Quem faz parte deles? Apenas humanos? Ou devemos considerar as IAs como membros da equipe, com responsabilidades e entregas? Se uma IA é responsável por monitorar a performance de uma campanha de marketing em tempo real e ajustar os lances automaticamente, ela não é, de fato, um membro ativo da equipe de marketing? Times ganham “vagas” para agentes especializados. Um squad de marketing pode ter: um humano (estratégia), agente A (geração de conteúdo), agente B (otimização de canais), agente C (análise de competidores). E os KPIs devem ser compartilhados: o sucesso é coletivo.
Isso leva à redefinição de papéis. Podem surgir novos cargos como “orquestrador de IA”, “curador de dados para IA”, “designer de interação humano-IA” ou “especialista em ética algorítmica”. Segundo o Fórum Econômico Mundial, até 2027, 23% dos empregos globais mudarão devido à IA e automação, com o surgimento de funções como “AI Trainer” e “Human-Machine Teaming Manager”.
Voltando aos indicadores chave de desempenho (KPIs)
Como medimos o sucesso de uma equipe híbrida? Apenas pela produtividade? Ou precisamos de métricas que avaliem a qualidade da colaboração humano-IA, a capacidade de aprendizado conjunto, a resiliência do sistema híbrido a falhas e a satisfação dos membros humanos da equipe ao trabalhar com seus colegas sintéticos? Novos indicadores surgem para medir a eficácia da colaboração, como tempo de resposta, qualidade das decisões conjuntas e capacidade de adaptação do fluxo.
Onboarding de novos “agentes” não-humanos
Quando um novo funcionário humano entra na empresa, temos o onboarding: apresentação à equipe, treinamento nas ferramentas e processos, alinhamento com a cultura. Precisaremos de um processo similar para acolher agentes de IA. Assim como novos colaboradores passam por integração, IAs precisam ser treinadas, contextualizadas e avaliadas periodicamente. E o que esse novo funcionário “digital” vai precisar?
Treinamento supervisionado: alimentação com dados específicos do negócio e calibração feita por humanos;
Escopo e permissões claras: definição do que a IA pode fazer, dados acessíveis, interações permitidas e limites de decisão;
Integração aos sistemas: conexão fluida com ferramentas de comunicação, tarefas e bases de conhecimento;
Protocolos de comunicação: regras para como a IA se comunica e como os humanos interagem com ela;
Avaliação contínua: acompanhamento de desempenho, com feedbacks e ajustes frequentes.
Se você ocupa uma posição de liderança como CIO (Chief Information Officer) ou CPO (Chief Product Officer), não deve estar tranquilo em responder a essa questão. Saiba que não é só você. O CIO deve liderar a integração da IA em todas as áreas da empresa, desde automação de processos até análise de dados e experiência do cliente. Isso exige uma visão holística da organização e a capacidade de conectar tecnologia à estratégia empresarial.
Mas, voltando, reflita honestamente: seu time está preparado para delegar, reagir e cocriar com IAs? Considere os seguintes pontos:
Delegar decisões à IA vai além da automação: exige confiança na sua autonomia, mesmo sob supervisão. Muitas vezes, a resistência não está na tecnologia, mas na mudança de processos e no impacto percebido sobre o valor do trabalho humano. É fundamental que os times desenvolvam segurança psicológica para abrir mão de certos controles, mantendo mecanismos de verificação;
Num ambiente colaborativo, a IA não será apenas reativa — será proativa, capaz de identificar oportunidades, sinalizar riscos e até iniciar ações corretivas. Isso exige que os profissionais saibam interpretar rapidamente as sugestões e decisões da IA, ajustando fluxos em tempo real de forma complementar, sem depender de processos engessados;
Mais do que adaptar a IA aos processos existentes, é necessário redesenhar fluxos, produtos e serviços com a colaboração humano-IA no centro. Para isso, é preciso que designers, desenvolvedores, gerentes e analistas dominem abordagens como design thinking e systems thinking, e consigam pensar em modelos de protagonismo distribuído, nos quais a liderança de uma tarefa pode alternar entre humanos e IAs conforme o contexto;
A liderança, por sua vez, precisa atuar como integradora das capacidades humanas e sintéticas, calibrando agentes e motivando pessoas em torno de objetivos comuns. Isso demanda uma governança algorítmica contínua, capaz de monitorar e ajustar em tempo real o comportamento dos sistemas de IA — incluindo vieses, desempenho e impactos éticos;
Neste cenário, os papéis de liderança como CIO e CPO precisarão evoluir para integrar capacidades sintéticas e humanas, promovendo governança em tempo real e adaptando estratégias à medida que os fluxos se tornam mais distribuídos e inteligentes.
CIO e fundador da Maitha, consultoria de desenvolvimento de soluções digitais com abordagem inovadora, Caio Laurino possui uma vasta experiência em temas relacionados a tendências tecnológicas e implantação de sistemas. A frente da companhia fundada em 2019, já liderou 200 projetos como Oracle, Cobasi, Yamaha e Leroy Merlin.
É graduação em Projetos pelo SENAC, com especialização em Liderança Interdisciplinar(FOIL/AMF) e pós-graduado em Pensamento de Futuro pela PUC. Antes de empreender passou por companhias como Stefanini, Linx S.A e Grupo FCamara.
https://itforum.com.br/noticias/times-cooperacao-entre-inteligencias/
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