Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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“No Brasil, os prefeitos fogem de lidar com a violência como o diabo da cruz, mas só polícia não resolve”

Murilo Cavalcanti, organizador de livro sobre como Bogotá e Medellín reverteram suas altas taxas de homicídio, conta o que falta ao Brasil para fazer a transformação

Medellín, na Colômbia, que já foi a mais violenta do mundo e hoje é laboratório de soluções urbanas

Medellín, na Colômbia, que já foi a mais violenta do mundo e hoje é laboratório de soluções urbanas (Divulgação)

Prefeitos que assumiram a questão da segurança para tentar baixar as taxas de homicídios é o ponto chave responsável por transformar as colombianas Medellín e Bogotá de inferno urbano com altas taxas de criminalidade em laboratórios de soluções para uma vida melhor.

Para aprender os detalhes dessa mudança, o administrador e secretário de Segurança Urbana do Recife Murilo Cavalcanti visitou a Colômbia 18 vezes num período de sete anos. Ele buscava respostas para o problema da insegurança no Recife, onde sua irmã sofreu um grave assalto em 2004 que a deixou paraplégica.

Naquela época, a taxa de homicídios do Recife era quase 70 por 100 mil habitantes. Em Bogotá, a taxa chegou a 80 por 100 mil habitantes no começo dos anos 1990 e caiu a 16 por 100 mil em 2012. Medellín, que já foi considerada a cidade mais violenta do mundo, atingiu assombrosos 381 por 100 mil habitantes também nos anos 1990 e hoje registra 18 por 100 mil habitantes, o mais baixo índice dos últimos trinta anos.

Bogotá: transformação liderada por prefeitos

Bogotá: transformação liderada por prefeitos

As experiências de ambas as metrópoles e os ensinamentos que o Brasil pode tirar dessas transformações estão narradas no livro As Lições de Bogotá e Medellín — do Caos à Referência Mundial, organizado por Cavalcanti com a participação de oito especialistas. Os exemplos e reflexões apresentados nos levam a pensar por que o Brasil não conseguiu dar uma guinada dessa proporção até hoje e o que falta para fazê-lo.

Em entrevista ao blog Cidades sem Fronteiras, Cavalcanti conta o que de mais especial as cidades colombianas têm a nos ensinar. “No Brasil, os prefeitos fogem dos tema violência como o diabo foge da cruz. Violência não é um problema somente da polícia”, afirma. Confira abaixo a entrevista completa:

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1) Como Medellín e Bogotá conseguiram avançar na questão da violência?

A constituição do país foi mudada delegando poderes e deveres aos Alcades na questão da violência urbana. Os sucessivos prefeitos dessas duas cidades não fugiram desse tema como fazem os prefeitos dos grandes centros urbanos do Brasil. Tanto Bogotá como Medellín têm políticas integradas de segurança cidadã, que ano a ano mostram resultados na diminuição de todo tipo de violência. Medellín, por exemplo, saiu de uma taxa de homicídio de 381 mil/100mil para uma taxa de homicídio de 18/mil/100mil em 2015. São números fantásticos. O Brasil tem muito que aprender com a realidade de hoje dessas duas cidades colombianas.

2) Por que outras cidades brasileiras, como Recife, não conseguem fazer o mesmo (ou pelo menos, não tão bem)?

De uma forma geral, aqui no Brasil, os prefeitos fogem dos tema violência como o diabo foge da cruz. Os prefeitos não conseguem entender que o problema da violência não é um problema somente da polícia. Recife tem uma política municipal de segurança urbana, tendo o COMPAZ (Centro Comunitário da Paz), como principal equipamento de enfrentamento à violência urbana. O COMPAZ foi inspirado na experiência colombiana. Mais cedo ou mais tarde, o tema violência tem que estar presente na agenda dos prefeitos dos grandes centros urbanos do Brasil. Ninguém aguenta mais tamanha violência e deliquencia nas principais cidades brasileiras.

3) O que mais chamou a sua atenção no funcionamento de Bogotá?

Nos anos 80, Bogotá era a capital mais violenta da América Latina. Uma safra de bons prefeitos salvou literalmente essa cidade do inferno. A receita foi uma só: decisão política. Bogotá é hoje uma cidade organizada, limpa e está com a sua criminalidade em queda.


4) E o que mais chamou a sua atenção no funcionamento de Medellín?

Medellín foi a cidade mais violenta do mundo. A cidade chegou, literalmente, ao fundo do poço. Recentemente Medellín recebeu o título de cidade mais inovadora do mundo. Medellín fez o que Bogotá fez, só que, com mais ousadia, mais criatividade e em menos tempo. Medellín está mostrando para o mundo que uma nova cidade é possível: mais humana, mais segura, menos desigual e mais criativa.

Calçada de Medellín

Calçada generosa de Medellín

5) O que ambas têm de diferente e o que têm em comum?

Em Medellín há um sentimento de pertencimento mais aguçado. Os gestores públicos são muitos bons em políticas de resultados. As três empresas públicas de Medellín, água, energia e telefonia, são as empresas públicas mais bem geridas da América Latina. Ambas, Bogotá e Medellín, têm em comum um projeto de cidade. A diferença era que Medellín tinha infinitos problemas mais graves do que Bogotá, mas Medellín usou de maior criatividade para resolver seus problemas. É um grande laboratório de políticas públicas para América Latina.

 

6) Na sua visão, quais medidas foram fundamentais para que Medellín e Bogotá deixassem de ter o carro como o protagonista da cidade?

A principal medida foi priorizar as calçadas e o transporte coletivo. Em Bogotá tem um dos melhores sistema de transporte coletivo, do mundo, o Transmilênio, e também mais de 400 quilômetros de ciclovias segregadas. Em Medellín estão construindo um modelo de transporte integrado, eficiente, ágil e moderno, calçada , bicicleta , BRT, Metrô, metroclab (teleférico).

Na Colômbia, as calçadas são tratadas como primeiro degrau para a cidadania. Num lugar onde não se respeitam as calçadas não se respeita mais nada. Mas por trás de tudo isso há uma decisão política de se priorizar a maioria. Se a maioria utiliza o transporte coletivo, por que se vai se priorizar o transporte individual?

O Transmilênio, de Bogotá

O Transmilênio, de Bogotá

7) Ao proibir o estacionamento de carros no leito das ruas, qual foi a alternativa adotada pela prefeitura de Medellín?

Para os gestores públicos de Medellín carro particular é igual a uma geladeira, ou seja, quando você compra uma geladeira não diz ao governo aonde vai colocá-la. O transporte particular é um problema de cada um individualmente. Cabe ao setor público planejar e ofertar as melhores modalidades de transporte coletivo. É isso que Medellín está fazendo.

8) Qual a importância das bibliotecas no processo de revitalização de Medellín?

As bibliotecas parques de Bogotá e Medellín foram, com certeza, os dois instrumentos mais poderosos da política de reversão da violência urbana. As bibliotecas parques são espaços de convivência cidadã, espaços de transformações sociais, ou seja, verdadeiras fábricas de cidadania. Em um lugar onde não há atividades culturais, a violência vira espetáculo.

9) Até que ponto a comunicação das prefeituras com seus cidadãos foi determinante para implantar as mudanças?

Tudo que foi feito, por exemplo em Medellín, foi pactuado com a população. Há toda uma dinâmica de envolver a população nos destinos da cidade. Há um forte sentimento de pertencimento. E mais do que isso: nenhum cidadão de Bogotá e Medellín quer viver um passado recente de narcotráfico, delinquência, homicídios, sequestros e todo tipo de violência que amedrontava uma população.

10) Tanto Medellín quanto Bogotá tiveram prefeitos dispostos a fazer o que era preciso, mesmo que inicialmente as medidas os tornasse impopulares. Por que o mesmo não ocorre nas cidades brasileiras?

Porque no Brasil existe um populismo desenfreado nas gestões públicas. Quando nos anos 90 Henrique Peñalosa, ex prefeito de Bogotá, anunciou o Transmilênio (BRT) fecharam cidade de Bogotá por três dias consecutivos provocando um verdadeiro caos. Mas, Peñalosa não voltou atrás. Hoje o Transmilênio é um orgulho dos colombianos.
É preciso que os gestores públicos no Brasil, tanto municipais, estaduais e federal governem sem corporativismo, sem populismo e sem buscar resultados imediatos nas urnas. O Brasil não aguenta mais tanta violência, tanta deliquência, tanto desgoverno. Se Medellín e Bogotá puderam, nós também podemos.


Por Mariana Barros

http://veja.abril.com.br/blog/cidades-sem-fronteiras/violencia/no-b...

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