Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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No Movimento Indígena, Mulheres Buscam Espaço e Lutam Contra Violências

No artesanato, nas aldeias e em Brasília, as mulheres indígenas lutam contra violência nas micro e macro esferas social e política..

O artesanato pode até ser feito pelo homem, mas só é feita a compra se a mulher indígena fizer a venda. Essa é a política da Tecê-Agir, loja de artesanato da Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), criada em 2018. Segundo Marciely Ayap Tupari, integrante da associação, a loja foi criada por conta da demanda das mulheres indígenas. Essa é uma das formas de valorizar não só o fazer artesanal, mas gerar renda e autonomia para elas. Os movimentos das mulheres indígenas começam na década de 80 e se fortalecem nos anos 90 e 2000. Hoje, estas mulheres ocupam, em seus territórios e em Brasília, um espaço conquistado através de uma luta contra a misoginia histórica presente nas aldeias e reforçada pela sociedade brasileira. 

O processo organizacional indígena provém, basicamente, dos resultados da (não) ação do Estado e das demais sociedades sob os povos e territórios indígenas, mas é importante destacar que, em seu processo organizacional, cada povo reconhece suas necessidades específicas. Logo, para além das necessidades de cada grupo, as mulheres ainda lutam por questões específicas que as atingem enquanto mulheres, como: violência, estupro, bebida, abandono, separação de casais. Como a antropóloga Ângela Sacchi aponta, esses não são pontos que “o movimento maior que vai discutir”. 

O movimento das mulheres indígenas não pode ser simplesmente resumido em “feminismo indígena” ou “feminismo pós-colonial”, pois existem tanto aproximações quanto distanciamento de pautas e demandas. A indigenista Juliana Dutra, em seu artigo, afirma que “atentar-se para estas múltiplas narrativas se torna importante, pois estas provocam tensionamentos múltiplos que envolvem não só campos de disputa política por direitos e visibilidade, mas também campos teóricos da antropologia e do feminismo”. 

Ângela ressalta que apesar do movimento feminista ter passado a se entender como interseccional nos contextos nos quais este se constrói, isso não levou à criação de uma agenda feminista que abarcasse as necessidades específicas das mulheres indígenas. Apesar de, por exemplo, o reconhecimento dos direitos reprodutivos e a violência contra a mulheres serem demandas compartilhadas por ambos grupos, a experiência cotidiana da mulher indígena, seja na aldeia ou em centros urbanos, segue tendo particularidades. Logo, o processo organizacional de luta das mulheres indígenas evidenciado aqui expressa, com ressalvas, o entendimento dessa manifestação como “feminismo indígena”. 

Formação histórica

Segundo o livro Mulheres Indígenas, Direitos e Políticas Públicas, foram duas as primeiras organizações brasileiras exclusivas de mulheres indígenas: a Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn) e a Associação de Mulheres Indígenas do Distrito de Taracuá, Rio Uaupés e Tiguié (Amitrut), ambas na década de 80. A maioria das associações indígenas de mulheres veio, porém, a partir da segunda metade da década de 90. No início dos anos 2000, grandes associações criaram um departamento para tratar das especificidades dessas mulheres, como a Assembleia Ordinária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).

Essa movimentação mostra expressivo efeito em 2006, quando, em Brasília, ocorre o I Encontro Nacional de Mulheres Indígenas. Neste evento, ficou decidido focar no fortalecimento do protagonismo da mulher em planejamento e gestão de políticas públicas em três áreas: discriminação e violência; desenvolvimento econômico e saúde. O livro aponta que “a violência familiar e interétnica, o acesso aos meios técnicos e financeiros para a geração de renda, a saúde reprodutiva, a soberania alimentar, a participação das mulheres nas decisões de políticas dos governos, entre outros temas, são inseridos pelas mulheres indígenas no seio do movimento indígena e nos espaços de debate e decisão de políticas públicas”.

As exigências expressadas pelos movimento de mulheres indígenas é de que as políticas públicas passem a ser orientadas por parâmetros que reconheçam as especificidades locais. Anteriormente, a maioria dos projetos (convênios e contratos) que olhava para a questão das mulheres indígenas em algum grau, abordava temas muito gerais, como educação, artesanato. Olhava-se para “a comunidade indígena” e não para “as mulheres indígenas da comunidade”. 

Hoje, as organizações de mulheres indígenas apresentam composições distintas: de povos de uma mesma região, como a Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro em Manaus (Amarn), ou de um estado, como a AGIR. Pode ser ainda de carácter pluriétnico abarcando diversos estados, como a COIAB e nacional, como a Articulação Nacional Das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). “A gente se organizou dessa forma, porque nós somos 23 povos indígenas”, explica Clarice Tukano, diretora presidente da Amarn, “essa associação é uma atuação política – atua na reivindicação da política pública dentro do município de Manaus e também no contexto estadual”.


Dentro dos nossos processos históricos mitológicos, o feminino e o masculino sempre brigaram. Na história, o poder das flautas era das mulheres. Então, o homem, com inveja, toma esse poder delas. Por aí, a gente já percebe essa luta de poder dentro da perspectiva da etnia.

CLARICE TUKANO

Segundo Clarice, a Amarn resguarda um projeto coletivo do Bem Viver 1, um trabalho “de formiguinha”, feito para resistir, reivindicar e socializar ao mesmo tempo. “Quando a gente se organiza, não é somente para nós, indígenas, mas também estamos pensando para além daquele espaço, do chão que a gente pisa”, afirma. A liderança aponta que os povos indígenas são patriarcais, então, quando as mulheres indígenas reivindicam seu espaço, no movimento de criação de associação, elas rompem paradigmas que estão atrelados a um processo histórico. 

Clarice explica que, dentro da mitologia do povo Tukano, existe a história do roubo das Flautas Sagradas. “Dentro dos nossos processos históricos mitológicos, o feminino e o masculino sempre brigaram. Na história, o poder das flautas era das mulheres. Então, o homem, com inveja, toma esse poder delas. Por aí, a gente já percebe essa luta de poder dentro da perspectiva da etnia”, narra ela. Com o processo de invasão e colonização do Brasil, a cultura do homem branco apenas acentua a hierarquia sexual patriarcal, enaltecendo ainda mais a figura masculina. “O machismo se perpetua desde os primeiros invasores que chegaram aqui e vai adentrando no processo dessa convivência com os povos indígenas também. O masculino indígena não ficou fora desse processo, e isso fortaleceu o machismo dentro das nossas aldeias”, completa.

https://www.modefica.com.br/movimentos-mulheres-indigenas/

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