Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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"O Brasil está exposto à concorrência desleal"

Paulo Skaf, presidente da Fiesp, fala sobre a nova política industrial, câmbio, juros e avisa: o Brasil pode deixar de gerar 2 milhões de empregos neste ano

Glaucio Dettmar
Paulo Skaf, presidente da Fiesp: "Quem é o mercado? Eu represento 150 mil empresas, eu também sou o mercado"

 

 

Na semana passada, o Copom decidiu aumentar a Selic em 0,25 ponto percentual, para 12,5% ao ano. Desde janeiro, a elevação acumulada da taxa de juros já é de 1,75. Na última sexta-feira, o dólar terminou o dia com o menor valor em 12 anos, cotado a R$ 1,553. A combinação de juros em alta e câmbio valorizado pode até trazer alguns benefícios, mas para a indústria nacional é tóxica. Some-se a isso um cenário internacional incerto, com problemas fiscais sérios nos Estados Unidos e na Europa, e tem-se um panorama sombrio para o setor.

Os industriais esperneiam e o governo brasileiro promete responder à altura. Está previsto para o início de agosto o lançamento da nova política industrial. Com algumas desonerações e foco em inovação, o plano pretende aplacar a fúria das importações e tornar o Brasil mais competitivo internacionalmente. Vai funcionar? “Mesmo que você tenha conceitualmente visões iguais, os problemas moram nos detalhes. É aí que está o sucesso ou o insucesso de um projeto. No fundo, a política industrial tem que ser uma política de competitividade, que não é do governo, nem da indústria, é do país. Não estamos esperando favores, nem presentes”, diz Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Mas que as medidas venham logo, pede Skaf. A indústria já sofre os impactos da conjuntura econômica. O nível de emprego na indústria paulista caiu 0,13% em junho. Pelos cálculos da Fiesp, o Brasil estaria deixando de criar até 2 milhões de vagas de emprego por conta do câmbio. “O governo tem que tomar medidas concretas no sentido de encontrar uma solução para a questão cambial, para que não se deixe a indústria exposta a uma competição desonesta e desleal, como ocorre agora”.

 

 

O governo está preparando uma nova política industrial, que deve ser anunciada no início de agosto. Quais deveriam ser os pontos prioritários?
Neste momento, existe uma distorção muito grande na questão cambial. O dólar barato rouba muito da nossa competitividade. Eu diria que este é o problema mais emergencial: estarmos com um real sobrevalorizado, que barateia artificialmente as importações e encarece as exportações. O resultado disso é que no primeiro semestre desse ano já tivemos um déficit na balança comercial de manufaturas de US$ 40 bilhões. No ano passado, ele foi de US$ 72 bilhões. Da maneira como estamos caminhando, nossa expectativa é fechar o ano com US$ 100 bilhões de déficit.

 

 

Qual é a melhor forma de o governo combater a desvalorização do dólar?
Se não tiver solução no próprio câmbio, o governo pode lançar mão de medidas compensatórias. Entre elas, a desoneração da folha de pagamento. Fala-se muito, mas até agora não aconteceu a retirada da contribuição de 20% das empresas ao INSS. Pode-se mexer também no prazo de recolhimento de impostos. No passado, tinha-se 120, 150 dias para pagar. E mercadorias também eram vendidas a 120, 150 dias. Veio a inflação alta e todos os prazos foram encurtados. Mas a inflação foi embora. As mercadorias voltaram a ser vendidas a prazos mais alongados, mas os impostos ficaram lá, com prazo de 15, 30 dias. O governo tem que tomar medidas concretas no sentido de encontrar uma solução para a questão cambial para que não se deixe a indústria exposta a uma competição desonesta e desleal, como ocorre agora.

 

 

A Fiesp está participando da formulação da nova política?
Participamos enviando sugestões. Agora, quanto ao projeto, não adianta o governo pedir sugestão e depois só anunciar. Espero que ele tenha o cuidado de discutir conosco alguns pontos antes do anúncio porque os problemas moram nos detalhes. Mesmo que você tenha conceitualmente visões iguais, nos detalhes é que está o sucesso ou o insucesso de um projeto. No fundo, a política industrial tem que ser uma política de competitividade, que não é do governo, nem da indústria, é do país. Não estamos esperando favores, nem presentes.

 

 

Qual o nível de câmbio ideal para a indústria brasileira?
Não interessa o que é ideal para a indústria nacional, porque o problema não é só da indústria, é um problema do Brasil. O ideal para o Brasil é não ter uma moeda sobrevalorizada. Há estudos que mostram que o real está sobrevalorizado hoje, no mínimo, em uns 20%. Isso sem falar que na outra ponta, na China, o yuan está desvalorizado. A gente perde duas vezes. Aqui é sobrevalorizado e ali desvalorizado.

 

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Com incertezas rondando as economias desenvovidas, o Brasil é um dos queridinhos dos investidores estrangeiros. Resultado: dólar no menor valor dos últimos 12 anos

 

 

O senhor poderia dar alguns exemplos de prejuízos já tomados pela indústria por conta do câmbio?
Em junho, em relação ao mês de maio, a indústria paulista gerou desemprego [houve uma queda de 0,13%, com a perda de 500 vagas]. O prejuízo está aí. Já começou. Já há uma desaceleração que começa a se refletir no emprego. Considerando que o déficit da balança comercial de manufaturas pode chegar a US$ 100 bilhões este ano, podemos dizer que isso pode se traduzir em dois milhões de empregos que deixarão de ser gerados no Brasil. Eles serão criados, mas em outros cantos do mundo, não aqui.

 

 

Quais são os setores mais prejudicados neste momento?
Têxtil, calçados, eletroeletrônicos, peças, máquinas, brinquedos, enfim, a manufatura. É mais fácil perguntar se tem algum setor de manufatura que não está sendo prejudicado. Óculos, escovas, tudo o que você possa pensar dentro de manufatura está tendo importações desenfreadas.

 

 

O governo tem dito que a nova política industrial deve ter como foco a inovação. O senhor considera essa prioridade acertada?
A inovação é fundamental. É através da inovação que você tem o diferencial. Agora, não adianta nada se concentrar na inovação com o real sobrevalorizado, juros altos, carga tributária pesada, custo altíssimo de infraestrutura, burocracia... Só a inovação não é suficiente. Se o ambiente todo não estiver estruturado para que você possa construir um grande prédio em cima, se você tiver um alicerce todo apodrecido, não ainda você discutir a tecnologia do prédio. Pode ter a melhor tecnologia do mundo, mas o prédio vai cair, porque não tem alicerce. Não adianta ficar definindo meia dúzia de regrinhas. Você precisa ter um ambiente favorável a essas regras. Senão, não dá certo mesmo.

 

 

Temos uma taxa de juros realmente altíssima, mas o governo enfrenta um sério problema de inflação.
Qual problema sério de inflação de que você tem conhecimento? Eu quero saber qual é o problema sério.

 

 

A inflação está fora da meta.
Não está fora da meta, não. O mundo inteiro teve um problema de inflação. Nós tivemos uma pressão inflacionária mundial, com o aumento do preço das commodities e do petróleo e com a liquidez que foi colocada nos mercados para enfrentar a crise em 2008/2009. A maioria dos países que trabalham com meta de inflação não conseguiu cumpri-la. O Brasil conseguiu. Qual a previsão para a inflação neste ano? 6%. Está na meta, sim. A meta de inflação é de 2,5% a 6,5%. Não está no centro da meta, que é 4,5%, mas está dentro da meta.

 

 

Mas no acumulado dos últimos 12 meses, a inflação está fora da meta [segundo os dados do IBGE de junho, o IPCA acumulado nos últimos 12 meses é de 6,71%].
Mas esse ano a inflação está prevista para 6%, portanto, dentro da meta. E a previsão para 2012 é atingir o centro da meta. Já faz nove semanas que a estimativa para o IPCA neste ano está em queda. Qual é o problema que nós temos de inflação para justificar que se gaste R$ 70 bilhões com saúde e R$ 210 bilhões com o pagamento de juros? É o maior gasto público do governo. E num momento em que estamos com dificuldades, vendo com preocupação o pouco crescimento. Daí, você vem e aumenta juros. Isso está errado, né?

AP Photo
Real valorizado e juros altos, a indústria sofre

 

 

Há uma grande preocupação do mercado, os economistas falam que...
Que mercado? Mercado são esses caras que estão aí, os analistas financeiros? Para o setor financeiro, isso é uma beleza. Você já viu o balanço dos bancos? Alguém perguntou para o comércio o que ele acha? Para os agricultores? Industriais? Para a dona de casa? Profissionais liberais? Esses formadores de opinião [analistas financeiros] são das mesmas empresas que punham os menores riscos a esses que quebraram [na crise financeira iniciada em 2008] e que geraram essa crise. São o mesmo tipo de analista. Eles são considerados o mercado. Eu não sou o mercado? Eu represento 150 mil empresas. Perguntaram para mim? A minha opinião é diferente dessa. Eu também faço parte desse mercado.

 

 

Então, na sua opinião, a inflação está sob controle.
A inflação está em queda. Não é na minha opinião. São dados oficiais. Faz nove semanas que o IPCA está caindo e a inflação para este ano está prevista para 6%, dentro da meta. Se você conversar com o Tombini [Alexandre Tombini, presidente do Banco Central] e perguntar para ele para quanto está prevista a inflação, ele vai falar 6%. Estou baseado em fatos, não estou dando opinião pessoal.

 

 

Mesmo com todos esses problemas, a indústria deve crescer neste ano?
O PIB brasileiro vai crescer uns 4%. Da indústria, eu esperaria um crescimento de 3%, um pouco acima ou abaixo de três, portanto, menos do que o PIB.

 

 

O cenário econômico mundial é de muita incerteza, com os Estados Unidos e a Europa passando por crises fiscais. Há um impacto significativo em nossas exportações?
Sem dúvida. Quando você tem seu cliente em crise, ele não está com apetite de compra máxima. Porém, sobre isso não há nada a fazer. Mas uma parte desse problema é nossa e isso a gente pode mudar: o real sobrevalorizado, que rouba a nossa competitividade, aumenta nosso preço e dificulta nossa importação. Você tem dois problemas, o cliente com dificuldade e com pouco apetite. Agora, com o pouco apetite que ele tem, ele vai comprar com os melhores preços. Vai vender mais quem tem mais competitividade. Enquanto você tem uma China com o yuan desvalorizado dando uma competitividade artificial para ele, nós temos um real valorizado roubando a nossa competitividade. O que está na nossa mão é o que a gente tem que resolver.

 

 

 

FONTE: EPOCA NEGÓCIOS

 

 

 

 

 

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