País tem talentos em computação quântica, mas carece de pontes entre academia e indústria e de iniciativas que fomentem projetos nacionais
* Reportagem originalmente publicada na revista IT Forum de junho de 2022
Em 2015, a McKinsey & Company, consultoria global em gestão, publicou um estudo sobre iniciativas de diferentes nações do mundo em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de computação quântica. Dos 20 países listados, o Brasil ocupava a última posição em volume de capital investido no segmento: sua média anual foi estimada, em valores da época, em R$ 44 milhões. Liderando a lista, estavam os Estados Unidos, que naquela altura já contabilizavam investimentos anuais de R$ 1,4 bilhão para movimentar a computação quântica.
Ainda que colocasse o Brasil na lanterninha, o levantamento era um ótimo sinal sobre a produção de conhecimento nacional em computação quântica. O país era, afinal, parte de um grupo pequeno de países que estavam na vanguarda de um dos mais importantes novos desenvolvimentos da ciência da computação moderna. “Era” parte. Na mais recente edição de seu estudo “The Quantum Technology Monitor”, lançado em setembro de 2021, o Brasil já não é mais sequer citado pela McKinsey.
O sumiço é apenas um dos retratos de uma realidade que tem afetado a pesquisa científica do país há anos. Cortes no orçamento público e em investimentos nas áreas de ciência e tecnologia em anos recentes têm dificultado a produção de conhecimento por instituições de ensino e pesquisadores brasileiros.
Exemplo disso são os orçamentos alocados nos últimos anos para o CNPq, principal agência que financia a pesquisa e desenvolvimento científico do país, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Governo Federal. Em 2021, o órgão teve seu menor orçamento da série histórica entre 2000-2022, de apenas R$ 540 milhões. Neste ano, um aumento de 144% trouxe o caixa do órgão para os R$ 1,32 bilhão. Ainda assim, esse é apenas o segundo valor mais baixo dos últimos 22 anos. Seu pico de investimentos foi em 2013, quando o CNPq contava com R$ 2,77 bilhões de orçamento.
A falta de investimentos na área de ciência, tecnologia e na pesquisa e produção científica, no entanto, não significa que o talento brasileiro sumiu. Mas com poucos incentivos para ficar por aqui, muitos decidem partir para buscar oportunidades em outros países. E isso também é verdade para a computação quântica. Fernando Brandão, hoje líder do Centro de Computação Quântica da AWS, na Califórnia, é exemplo disso.
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Fernando Brandão, líder de Algoritmos Quânticos do Centro de Computação Quântica da AWS (Imagem: Divulgação/AWS)
O mineiro começou sua trajetória na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2001, como estudante de Engenharia de Controle e Automação. Ainda durante o curso, resolveu migrar para a física e começou a se envolver com pesquisas em computação quântica. Sua trajetória o levou a um mestrado na área de computação quântica, dentro da própria UFMG e, em 2005, a um doutorado no Imperial College London, também em computação quântica.
O físico chegou a voltar para o Brasil em 2010, como professor adjunto do departamento de física da UFMG, mas logo foi convidado a voltar para o exterior. “As grandes empresas viram que a computação quântica era algo em que precisavam investir e que isso poderia ter uma consequência grande em cinco ou dez anos”, contou em entrevista ao IT Forum. Desde então, passou pelo Microsoft, Google e pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia até chegar à AWS, onde hoje é chefe de algoritmos quânticos.
Fernando Brandão: Chefe de algoritmos quânticos quer dizer que eu coordeno a parte teórica de computação quântica no que diz respeito à pesquisa e desenvolvimento dentro da AWS. Nós temos o Centro AWS de Computação Quântica, que é a parte de P&D de computação quântica dentro da AWS. Temos duas pessoas liderando: meu colega Oskar Painter, que é um físico experimental – então ele constrói o computador quântico –; e eu, que sou um físico teórico e coordeno a parte teórica, para pensar em futuras aplicações de computadores quânticos, para pensar em qual a melhor maneira de construí-lo, escaloná-lo, para pensar em na correção de erro quântico, que é uma coisa que a gente sabe que será necessário para construir um computador quântico útil.
Brandão: [Em 2010] eu voltei para o Brasil, e fui professor da UFMG por alguns anos. Depois voltei para a Europa, em 2012. Foi aí que começou a ter um pouco mais de interesse da indústria na área. As grandes empresas viram que era algo em que elas precisavam investir e que pode ter uma consequência grande em cinco ou dez anos. Foi aí que mudei para a Microsoft, fui pesquisador lá durante um ano. Em seguida voltei para a academia, me tornei professor de física no California Institute of Technology (Caltech), onde estou até hoje. Nesse tempo eu passei um ano no grupo de computação quântica do Google. Minha carreira é um pouco ir e voltar entre academia e indústria. Acho que isso reflete muito esta¬do em que nós estamos com a computação quântica, que não é uma coisa que só a indústria pode fazer, porque tem muita ciência fundamental para ser resolvida, mas não é algo que você pode fazer só na academia também, porque você precisa de investimentos mais robustos que só empresas podem fazer. Então começou uma parceria entre AWS e Caltech para construir um Centro de Computação Quântica, que é no Caltech, foi aí que passei a liderá-lo junto com o Oskar, em 2019.
Brandão: Esse é o momento em que a gente está no desenvolvimento da computação quântica. Nós não temos ainda o que acreditamos que será o produto final, que é basicamente um novo tipo de computador que pode resolver os problemas de interesse da sociedade e de diversas indústrias, muito mais rápido e de forma muito mais eficiente do que com os melhores computadores de hoje em dia. Esse é o nosso grande objetivo de toda a pesquisa e desenvolvimento nessa área. A gente quer chegar lá um dia, e vamos chegar, mas ainda vai ser um desenvolvimento de muitos anos até chegarmos lá. Nós já estamos em uma parte em que temos protótipos de computadores, em que começamos a ver a luz no fim do túnel, que é uma estratégia para escalá-los e aumentarmos o número de Qubits, que é a unidade básica de processamento da computação quântica. Também começar a implementar a correção de erro quântico, para diminuir o ruído, que é um desafio muito grande para fazer a tecnologia funcionar. Para fazer isso bem, a indústria é melhor, porque você tem mais recursos, consegue se mover mais rápido do que na academia e pode fazer uma aposta maior em uma direção. São várias direções para construção da computação quântica. Na academia é difícil escolher só uma delas. Na indústria, você pode fazer isso. Por isso existem várias startups e empresas, incluindo a AWS, tentando construir um computador quântico com uma tecnologia diferente, e é bom que nesse momento tenhamos todos esses recursos para ver onde isso vai nos levar.
Brandão: Um pouco das duas possibilidades. Tem várias maneiras físicas em potencial de construir um computador quântico. Você pode usar o que chamamos de Qubits supercondutores. Que é o que estamos fazendo na AWS. Mas tem gente que trabalha com fotônica, tem quem trabalha com íons, tem gente que trabalha com átomos neutros. No nível físico, são maneiras muito diferentes de construir um computador quântico, mas, da mesma maneira que nós temos muitas maneiras diferentes de construir um computador clássico, nós temos muitas maneiras de construir um computador quântico. Se você abstrair a computação quântica no seu nível mais fundamental, elas se tornam muito parecidas. Você pode pensar em todos os computadores quânticos todos em termos do Qubit, que é a unidade fundamental. Se você aplicar operações fundamentais neles, chamadas portas quânticas lógicas, você concatena muitas delas e faz uma computação complexa usando isso. Você pode pensar que qualquer computador quântico vai operar dessa maneira, não vai importar muito, no nível fundamental, como você está codificando seus Qubits e como você está implementando essas portas. Isso é chamado de computação quântica universal. Nesse modelo você pode fazer qualquer coisa que um computador quântico é capaz, e não vai importar para o usuário como esse computador quântico é construído. Mas nós não estamos lá ainda e pode ser que demoremos muito tempo para chegar lá.
Brandão: A mensagem básica, em algumas linhas, é que a mecânica quântica é uma das teorias científicas mais bem-sucedidas do século passado. É a física do mundo microscópico – dos elétrons, fótons e dos átomos – e ela é muito diferente da física que a gente aprende na escola. Ao mesmo tempo, nós temos aquela que é, talvez, a maior invenção tecnológica do século passado, que é a computação. É muito natural combinar as duas. Sempre que a gente tem computação, a gente tem que pensar como ela é feita – e por que não pensar que ela pode ser feita usando mecânica quântica? Uma vez que a gente combina essas ideias, a gente vê que pode construir um computador muito mais poderoso que os computadores que a gente tem hoje em dia. E não ‘mais poderoso’ como uma versão nova dos atuais computadores, mas para resolver aplicações que demoraram centenas de anos em computadores normais. Temos motivos para estarmos muito empolgados nessa tecnologia e para colocar investimentos nela. Mas ainda está no começo e ainda vai precisar de muito desenvolvimento, científico e tecnológico, para chegar lá. A gente não sabe quando isso vai acontecer, vai precisar de paciência. A mensagem seria essa: a computação quântica tem muito potencial, vale a pena aprender sobre a área, eventualmente terá um grande impacto, mas vamos manter as expectativas realistas. O tempo áureo da computação quântica não é hoje, ainda vai ser no futuro.
Brandão: Eu acho que é bem prejudicial e bem perigoso. Eu acredito muito na tecnologia e acredito que ela tem muito potencial para transformar a sociedade. Mas é uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Vai precisar muito desenvolvimento para chegar em um hardware que traz valor para sociedade. Mas não tem motivo para não ter paciência, são várias as coisas que fizemos como sociedade que demoram muitos anos. Pensando nos primeiros computadores que foram desenvolvidos, com tubos de vácuo, até o primeiro transistor ser inventado, foram trinta anos. Depois, do primeiro transistor até o primeiro computador com transistor foram 10 ou 15 anos. Depois, até o Pentium, em que a gente começa a pensar em computadores como a gente tem hoje, foram mais 25 anos. Foram 70 ou 80 anos de desenvolvimento de computadores modernos até chegarmos aonde estamos hoje. Espero que computadores quânticos sejam mais rápidos, mas, de qualquer forma, vai valer a pena. Temos empresas, como a AWS, que sabem que vale a pena, sabem que temos clientes interessados e entendem que é um desenvolvimento de longo prazo. O hype não é benéfico porque, no final, todo mundo pode passar a acreditar que é muito mais fácil ou muito mais rápido do que é, e isso pode ter alguma consequência negativa no futuro.
Aproximar a academia de empresas de tecnologia e startups para acelerar oportunidades no desenvolvimento econômico da computação quântica no Brasil e gerar talentos. Esse é o objetivo da Quantum Information Technologies (QuInTec), iniciativa criada, em 2020, por seis professores de instituições como a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que hoje fomenta o segmento no estado de São Paulo e no país.
“Nós temos uma comunidade acadêmica nessa área que não é extremamente numerosa, mas que é bastante espalhada pelo país e bastante respeitada internacionalmente”, explicou Paulo Nussenzveig, professor do Instituto de Física, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo e um dos fundadores da QuInTec, ao IT Forum. “Mas a gente encontra um gargalo que é típico do nosso país: a transferência do conhecimento acadêmico que a gente gera em desenvolvimento econômico. A gente não se apropria bem economicamente do conhecimento que a gente gera. A iniciativa tem esse propósito.”
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Paulo Nussenzveig, professor do Instituto de Física, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo (Imagem: Divulgação/IT Mídia)
Desde sua criação, a QuInTec se organizou em seis grupos de trabalho e associou pesquisadores de diferentes instituições de ensino. Só em São Paulo, já são mais de 30 pesquisadores em tecnologias quânticas mapeados. Agora há uma ênfase na busca por profissionais da área da engenharia, que são necessários complementar o conhecimento em computação quântica ao lado de profissionais da física.
“Em toda a iniciativa que a gente verifica, a preocupação em formação de talento, de treinamento, de força de trabalho quântica, é uma preocupação na formação de engenheiros quânticos”, pontuou Nussenzveig. “Os cursos de engenharia no Brasil são, em sua maioria, deficientes em ensino de mecânica quântica. É algo que a gente precisa mudar, porque essa é uma onda mundial que vai chegar aqui e pode ter um reflexo econômico negativo, porque não vamos ter uma força de trabalho preparada.”
Uma das ênfases do grupo é em criar pontes em áreas como a agricultura, que é tido como um de expertise do Brasil e importante para a economia nacional, e onde tecnologias quânticas podem prosperar. Um dos focos defendidos pelo grupo é no desenvolvimento de sistemas de “sensorização quântica”, que seriam capazes de gerar sensores muitos mais sensíveis aos ambientes que monitoram – e bastante úteis para a agropecuária, por exemplo.
“A tecnologia de sensores é muito menos cara que a de processadores. A tecnologia de comunicação, de chaves criptográficas, também é. A gente considera que é extremamente importante desenvolver isso no Brasil”, defendeu Nussenzveig. Paralelamente, o grupo promoveu contato com empresas como IBM, Google e Microsoft, que desenvolvem projetos em computação quântica.
Um dos contatos mais recentes da QuInTec foi com a Atos, multinacional francesa de infraestrutura de TI e supercomputadores. A Atos inaugurou, em maio de 2021, o Latin America Quantum Computer Center (LAQCC), o primeiro centro de computação quântica do país, em parceria com o Senai Cimatec, em Salvador, na Bahia. Os planos da empresa, no entanto, vão além.
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Genaro Costa, líder de práticas de automação, IA, Analytics e IoT da Atos (Imagem: Divulgação/Atos)
“A gente espera poder gerar um centro também dentro da USP, que possa auxiliar tanto na parte de disrupção, através da computação quântica, com aplicações de mercado, até outras tecnologias gerais, como inteligência artificial e a parte de supercomputação”, disse Genaro Costa, líder de práticas de automação, IA, Analytics e IoT da Atos, ao IT Forum sobre as conversas com o QuInTec.
A estrutura operada pela Atos junto ao Senai Cimatec hoje é capaz de simular sistemas e algoritmos quânticos de até 35 Qubit e rodar algoritmos para implementações reais. Segundo Costa, o centro já foi utilizado para projetos dos segmentos de petróleo e gás, para análise de risco para o setor financeiro e em criptografia pós-quântica. A empresa, no entanto, não abre as companhias responsáveis pelos projetos.
Além de ser usado em parceria com empresas, o projeto também tem o objetivo de disseminar a tecnologia quântica no Brasil, capacitando mão de obra que será necessária para habilitar projetos com essa tecnologia. “O Brasil tem uma presença matemática muito forte e um desenvolvimento em física muito bom”, avaliou o líder da Atos. “O Brasil tem o potencial de prover desenvolvedores em computação quântica. Isso ainda é incipiente, as empresas não sabem o que pedir ou o que buscar. Mas uma vez que tivermos times dentro dessas empresas, o Brasil deve prover esses profissionais.”
Rafael Romer
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