Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Prática conhecida como revenge porn, assustadoramente comum entre adolescentes e jovens adultos ultraconectados, joga a última pá de terra sobre o respeito à intimidade e à privacidade. Mas também exibe a fratura deixada pela cultura da violência contra a mulher, aliada à disseminação dos dispositivos móveis e da internet.

"Todo mundo compartilha p****** no WhatsApp. A maioria das fotos que eu recebo das meninas que caíram na net é de gente que eu nunca vi na vida, de longe". Assim se manifestou um usuário quando questionado sobre a prática de compartilhar imagens e vídeos de jovens despidos ou durante o próprio ato sexual para seus contatos. Segundo um estudo da ONG Safernet realizado em 2010, 20% dos jovens entre 9 e 23 anos já receberam algum tipo de conteúdo erótico, e 6% já repassaram para seus contatos. A maioria o fez mais de cinco vezes.

"Muitas vezes chegam esses vídeos e fotos nos grupos, em sua grande maioria de meninas que não conheço. Não costumo compartilhar por achar uma baixaria e desrespeito, mas não vou ser hipócrita em falar que nunca repassei", afirma outra usuária.

O que está acontecendo não é um evento distante e restrito a uma classe social: há uma grande chance de você, seus filhos, irmãos, sobrinhos e amigos já terem ao menos recebido -- quando não compartilhado -- esse tipo de material em seus smartphones, ignorando o dano que provocam. Pessoas comuns e pertencentes aos nossos círculos são expostas nas imagens contra a própria vontade, geralmente por vingança ou inimizade, e sua nudez se torna pública.

Dispositivos móveis e internet potencializaram disseminação da prática, que se tornou comum entre adolescentes e jovens adultos (imagem: Shutterstock)

 

Muitas vítimas são mulheres que já foram alvo de ameaças e agressões dos ex-companheiros; pessoas crédulas e apaixonadas (frequentemente adolescentes jovens) que não imaginavam que a sua intimidade pudesse ser publicada por alguém que julgavam conhecer. Acredite: nós já vivemos em um mundo onde confiar em alguém inclui o risco de sofrer assédio sexual coletivo. É a realidade do revenge porn.

A prática se caracteriza pela disseminação de vídeos ou fotografias íntimas na internet sem o consentimento da pessoa que aparece nas imagens, onde a intenção é provocar o máximo de constrangimento possível -- semelhante ao ciberbullying, somado ao componente erótico. É derivada de outra moda chamada sexting (sex = sexo + texting = troca de mensagens textuais), prática de compartilhar mensagens com teor sexual, geralmente entre namorados.

A rede social perfeita para esse tipo de prática é o WhatsApp. Diferente do Facebook, onde todos os dados são armazenados em servidores da empresa responsável, o WA (como os usuários chamam) mantém as comunicações criptografadas e cada aparelho funciona como um servidor independente. Uma imagem visualizada por mil pessoas permanece em mil discos rígidos particulares. A não ser que cada usuário delete as fotos, elas permanecerão acessíveis indefinidamente. 

É possível que, daqui a dez anos, uma vítima volte a ser assombrada por sua exposição, revivendo um ciclo de humilhação, desespero e sofrimento. Em 2013, o WhatsApp contava com mais de 430 milhões de usuários ativos e teve um crescimento em usabilidade maior do que o Facebook entre usuários jovens, enquanto este passou a ser mais utilizado por adultos.

O fenômeno, que já se tornou conhecido há alguns anos nos Estados Unidos, também ocorre através de sites especializados. Uma busca rápida no Google revela vários. O mais conhecido (IsAnyoneUp.com) pertencia a Hunter Moore, jovem de 27 anos que fez uma fortuna ao disponibilizar páginas onde usuários poderiam enviar materiais pornográficos de homens ou mulheres com quem se relacionaram. Sua conta no Twitter tem 608 mil seguidores.

"Você tem ideia da grana que eu ganho quando alguém se mata por ter aparecido no site? No fim do dia, eu não quero que ninguém se machuque, mas e se o fizerem? Obrigado pelo dinheiro", disse em uma entrevista ao Gawker.

Moore é conhecido como a pessoa mais odiada da internet. No fim de janeiro, o FBI invadiu sua casa e Moore foi preso por invadir computadores, dentre outras acusações não divulgadas -- revenge porn já é considerada uma prática criminosa em alguns estados norte-americanos, mas, por lei, ainda não é crime federal. Além disso, Moore se protegia com o argumento da seção 230 do Communications Decency Act (CDA), que responsabiliza criminalmente os usuários (e não a plataforma) pelo material publicado no site. O domínio agora redireciona para o site BullyVille.com, que contém apenas um texto contra Moore e está à venda.

Para tentar reverter a onda do revenge porn, o parlamento norte-americano estuda um projeto de lei que criminaliza a prática. Estados como a Califórnia já têm uma lei própria em vigor, e um projeto em âmbito federal está em discussão -- embora enfrente alguma resistência por supostamente restringir a liberdade de expressão.

"Não costumo compartilhar por achar uma baixaria e desrespeito, mas não vou ser hipócrita em falar que nunca repassei", disse usuária

 

Uma ONG fundada por uma ativista -- e vítima -- está à frente das discussões: a Ciber Civil Rights Initiative, criada por Holly Jacobs, é a principal voz contra o revenge porn nos Estados Unidos, e discute junto a parlamentares o texto que irá compor o projeto de lei. Em uma conversa com a reportagem do Administradores.com, Jacobs falou sobre sua história e como ainda enfrenta a vergonha de ter sido exposta, possivelmente, por alguém em quem confiava. Seu caso ainda está nos tribunais.

Também conversamos com outra ativista norte-americana e vítima. Annmarie Chiarini sofreu não apenas com o assédio, mas com a impunidade: seu ex-companheiro, a quem acusa de disseminar fotos íntimas, sequer foi investigado por não existir uma lei específica com o objetivo de combater o revenge porn. O relato de uma jovem paraibana que sofreu esse duro golpe mostra outra face cruel do fenômeno: a pornografia infantil. Pelo menos três casos de suicídio que tomaram destaque na mídia nacional em 2013 foram de menores que tiveram vídeos íntimos divulgados.

Essa tendência não revela apenas um mau uso da tecnologia. No caso do Brasil, há uma história de violência contra a mulher por trás da tragédia, criando uma reedição da covardia que desfigura e mata. De acordo com um estudo do Ipea divulgado em 2013, 17 mil mulheres sofreram mortes violentas apenas por serem mulheres entre 2009 e 2011 -- fenômeno denominado feminicídio. Uma mãe, esposa, filha e irmã é cruelmente assassinada a cada hora e meia por homens próximos, geralmente parceiros ou ex-companheiros. Cerca de 50% dessas mulheres levaram um ou mais tiros; outras 34% sofreram facadas ou pancadas com barras de ferro. Não por coincidência a violência se repete no ambiente virtual, na forma de humilhações.

Esta reportagem especial foi feita para trazer principalmente histórias. No final de novembro de 2013, duas jovens cometeram suicídio em menos de dez dias, fato que alertou o Brasil para o problema. Entretanto, ainda há preconceito e falta de conhecimento sobre o que é pornografia de vingança e sua relação com a violência contra a mulher -- frequentemente as vítimas são apontadas como culpadas ou responsáveis pelo assédio, sua sexualidade é crucificada e há sério risco de ser perseguida por outros agressores. É necessário descortinar as dúvidas e preconceitos sobre o assunto e deixar claro que a tecnologia não precisa ser um limite para uma sexualidade saudável entre um casal que se ama e respeita -- e que as mulheres não podem ser diminuídas por terem sua sexualidade exposta.

Utilize os links abaixo para navegar entre as reportagens.

http://www.administradores.com.br/noticias/tecnologia/o-fim-da-conf...

Eber Freitas e Agatha Justino

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Comentário de Romildo de Paula Leite em 23 fevereiro 2014 às 8:20

No final de novembro de 2013, duas jovens cometeram suicídio em menos de dez dias, fato que alertou o Brasil para o problema.

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