Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Os caças da FAB que estouraram os vidros do edifício do Supremo me trouxeram más recordações. Estamos em 1965, durante a ditadura e…

Uma sala de reuniões inteiramente exposta a intempéries depois que a maioria das fachadas de vidro do edifício do Supremo se partiram (Foto: Agência Brasil)

O que ocorreu ontem, domingo, 1º de julho, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, foi um incidente desagradável, mas inocente — a destruição de 40 grandes janelas de vidro do edifício-sede do Supremo Tribunal Federal após o voo razante de dois caças Mirage da Força Aérea Brasileira sobre a área, como parte das demonstrações realizadas durante a tradicional cerimônia da troca mensal da grande bandeira nacional que lá tremula. Dezessete das grandes janelas estão na fachada principal do Supremo.

A Aeronáutica informou já estar apurando as causas da quebra das vidraça, decorrência, ao que tudo indica, da “onda de choque” provocada pela passagem de um dos Mirage — o outro Mirage fez voo para longe da praça, no sentido da Esplanada dos Ministérios. (Veja vídeo da GloboNews a respeito).

Não houve nada de grave, mas o incidente encerra consigo uma metáfora inevitável, sobretudo porque me trouxe à memória um episódio de humilhação ao Congresso Nacional praticado por aviões da gloriosa FAB que presenciei durante a ditadura militar (1964-1985), mais precisamente, no dia 27 de outubro de 1965.

Não adianta contar o episódio sem explicações prévias, porque não faria sentido. Então vamos lá.

 

Trabalhadores recolhem os vidros estilhaçados e começam a substituí-los no edifício-sede do Supremo Tribunal Federal (Foto: Agência Brasil)

Eleições para governos estaduais e boatos de “endurecimento” do regime

Estava então em meus verdes, verdíssimos anos: era estudante do 2º ano do curso de Direito da Universidade de Brasília e, em meu primeiro ano de profissão, trabalhava à tarde e em plantões noturnos de fim de semana como noticiarista de uma emissora que mais tarde seria incorporada aos Diários e Emissoras Associados, do magnata da mídia Assis Chateaubriand — a Rádio Planalto. Cabia-me redigir os curtos noticiários que iam ao ar de meia em meia hora, com base em diferentes fontes.

No dia 3 de outubro anterior tinha havido eleições para 11 governos estaduais (diferentemente do que ocorre hoje, em que todas as unidades da Federação escolhem governadores no mesmo dia das eleições presidenciais, havia uma leva de eleições estaduais em um ano, e outra no ano seguinte). Como cinco dos 11 governadores pertenciam a partidos de oposição, começaram a correr boatos de “endurecimento” do regime.

A irritação dos chefes militares se dava, sobretudo, com a grande vitória eleitoral obtida no então Estado da Guanabara (que incluía a cidade do Rio de Janeiro e sua zona rural) e em Minas Gerais por dois candidatos do velho PSD, respectivamente Francisco Negrão de Lima e Israel Pinheiro, muito ligados ao ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), que a essa altura tinha sofrido a suspensão de seus direitos políticos por dez anos e estava vivendo no exílio.

Negrão e Israel, dizia-se, eram uma “ameaça à Revolução” (nome oficial do golpe).

Negrão de Lima (à direita de JK) com o presidente e a primeira-dama, dona Sarah, em cerimônia no Palácio do Catete, no Rio: sóbrio e conservador (Foto: Dedoc/ Editora Abril)

Dois políticos conservadores e tradicionais, as “ameaças à Revolução”

O cinismo e a desfaçatez da ditadura em considerar ambos como uma “ameaça à Revolução” é absolutamente risível — não fossem as consequências trágicas que viriam — diante dos currículos de ambos.

Sóbrio e conservador, Negrão de Lima, diplomata de carreira e ex-deputado nos anos 30, fora ministro da Justiça durante parte do segundo governo de Getúlio Vargas e, nomeado por JK, prefeito do Distrito Federal (que então era a cidade do Rio de Janeiro, com prefeitos nomeados, como determinava a Constituição de 1946).

Juscelino, antes de deixar o governo (o que se daria a 31 de janeiro de 1961), designou-o para embaixador em Portugal.

Negrão foi apoiado por setores de esquerda e opositores da ditadura nas eleições para o governo da Guanabara porque era um político liberal e moderado — tão “comunista” e “perigoso” como seria o próprio JK.

Israel Pinheiro (è esquerda) com JK no dia da inauguração de Brasília, 21 de abril de 1960: fundas raízes mineiras e liberais (Foto: Dedoc / Editora Abril)

Israel Pinheiro, deputado constituinte em 1946, reelegeu-se por mais dois mandatos, trabalhou na campanha de JK para o governo de Minas em 1950 e, com JK na Presidência, viu-se designado para presidente da Novacap, a empresa encarregada da construção de Brasília. No finalzinho do governo JK, seria o primeiro prefeito da nova capital.

De fundas raízes mineiras e liberais, era filho do legendário João Pinheiro, advogado, industrial, deputado, senador e governador de Minas por duas vezes, homem de empresa que empresta seu nome a uma cidade de Minas e a uma fundação que é referência em matéria de administração pública no Brasil.

Israel se elegeu em Minas com vasto apoio de eleitores de oposição por ser um político operoso e tolerante, tão ameaçador para o regime como poderia ser alguém com sua trajetória e com 70 anos de idade.

Voos rasante para humilhar um Congresso já destroçado

Para os militares no poder, porém, aquilo era demais. Naquele 27 de novembro, eu estava saindo da última aula do dia — as aulas começavam às 7 da manhã, e iam até meio-dia — quando notei, ao longe, sobre a Praça dos Três Poderes, que aviões da FAB faziam evoluções. Para lá, para cá, até que começaram a dar rasante sobre o Congresso.

Eram três ou quatro aviões, não estou ao certo, e os voos rasantes obviamente se destinavam, por ordens superiores, a amedrontar e humilhar ainda mais o Congresso – aquele pobre Congresso, que já perdera dezenas e dezenas de deputados e senadores representativos, com mandatos cassados em decorrência do Ato Institucional número 1, baixado pelo chamado “Comando Supremo da Revolução” tão logo o golpe se consolidou. Um deles, aliás, fora o próprio Juscelino, então senador pelo PSD de Goiás.

Logo vi que boa coisa não viria, e foi dito e feito. Estava acompanhado de um amigo e colega – não me recordo bem, mas poderia ser o Ruy Jorge Caldas Pereira, hoje advogado de sucesso e então aluno inteligentíssimo, que passara em primeiro lugar no vestibular, em janeiro de 1964. Ficamos os dois vendo aquela triste exibição de força.

 

Castello assina o Ato Institucional número 2, no Palácio do Planalto; o segundo à sua direita, de pé, na imagem já esmaecida, é o então deputado Antonio Carlos Magalhães (Foto: Jornal do Brasil)

Como precisávamos trabalhar, a uma certa altura nos despedimos, peguei um ônibus para casa e me lembro que, enquanto caminhava do meu ponto até o apartamento da família, ouvia um anúncio oficial característico da então Agência Nacional através das janelas dos prédios próximos.

A grande série de atropelos à democracia

Em casa, meu pai — admirador ferrenho de JK, com quem trabalhara — e eu escutamos a voz rascante do marechal Humberto Castello Branco anunciar a grande série de atropelos que o Ato nº 2 traria à democracia.

Vieram então várias intervenções na já esfrangalhada Constituição de 1946: o fim das eleições diretas para presidente da República (logo chegaria a vez do fim também das eleições para governador), a volta das cassações de mandatos, a dissolução de todos os partidos políticos existentes (mais às frente se criariam a Arena e o MDB), o julgamentos de civis por “crimes contra a segurança nacional” pela Justiça Militar, o aumento compulsório de 11 para 16 no número de ministros do Supremo (onde magistrados valentes resistiam ao arbítrio e, volta e meia, decidiam contra os interesses da ditadura),  o aumento dos casos de intervenção federal nos Estados…

Até home me lembro perfeitamente da voz de Castello dizendo, na justificativa como sempre absurda para as medidas de força:

– Não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará.

Ainda bem que o sobrevoo deste domingo ocorreu durante uma comemoração rotineira, e que esse fantasma golpista ficou para trás.

Curiosamente, não me lembro de registros da imprensa — ainda não censurada àquela época, por incrível que pareça — nem jamais li em qualquer livro sobre o regime militar referência a esse episódio.

Eu, porém, com meu amigo e colega, bem como milhares de brasilienses, fomos testemunhas de que ocorreu.

Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/

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Comentário de Antonio Silverio Paculdino Ferre em 6 julho 2012 às 10:30

Creio que a quebra dos vidros deva-se a espessura dos mesmos. Especificou-se tantos milimetros e colocaram com a metade, indo a outra metade para os bolsos!

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