Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Por que tingir com plantas?         

A arte têxtil e o tingimento com plantas, duas expressões artísticas complementares, possuem elementos cuja beleza única não pode ser comparada aos produtos químicos e industriais. 

Comparar os corantes naturais com os químicos seria algo semelhante a tentar igualar o autêntico à imitação, o original à cópia. Os corantes naturais estão para os corantes químicos assim como a orquestra sinfônica está para o gramofone (Steiner 1985).

Infelizmente, a descoberta dos corantes químicos e seu uso indiscrimidado contribuiu para acentuar a substituição dos corantes naturais e desta forma provocar o esquecimento deste saber sobre a origem das cores.     

Rudolf Steiner
Todas as pessoas que produzem peças artesanais em geral sabem que o tingimento com anilinas químicas, na maioria das vezes, não proporciona bons resultados, pois tingir com este material requer um conhecimento químico específico sobre os tipos de corantes indicados para cada fibra. Além disso, é preciso saber combinar as diferentes cores para conseguir os tons desejados, o que implica na necessidade de fixar a cor no momento certo, utilizando para isto produtos auxiliares tóxicos, devido à dificuldade de fixação das anilinas químicas.
         Os corantes químicos sintéticos, por sua origem e propriedades, são substâncias densas e tóxicas, obtidas a partir de derivados de petróleo e do carvão mineral por um processo altamente poluente. Estes corantes foram criados na alemanha, durante a Revolução Industrial, sendo sintetizados a partir das mesmas matérias-primas usadas para a produção de explosivos como, por exemplo, os compostos orgânicos ricos em nitrogênio como a nitroglicerina ou mesmo o TNT (trinitrotolueno).
Durante a I e II Guerra Mundial, as indústrias de corantes químicos faliram, pois toda a matéria-prima era utilizada na fabricação de explosivos com fins bélicos, levando a população a consumir tecidos em um único tom de cinza já que não havia como tingi-los com outras cores. Neste período negro da história, podemos perceber que a relação estabelecida por Steiner¹ entre os corantes químicos e as trevas está ligada ao progressivo apego do homem aos bens materiais. O uso indevido destes corantes químicos fez com que o homem se distanciasse cada vez mais de sua origem de luz. Este processo contribuiu para um rompimento deste saber sobre a origem das cores e da compreensão do seu profundo significado.
Já a origem solar dos corantes vegetais dá às suas cores uma relação direta com a luz. Podemos chamá-las de Cores da Luz, em oposição aos corantes químicos. O uso de corantes vegetais na produção de produtos artesanais com certeza requer um processo mais elaborado do que simplesmente comprar um tubo de anilina química na venda mais próxima. Este uso puramente comercial dos corantes químicos anula a autenticidade de um ofício capaz de integrar o homem à natureza, registrando assim sua trajetória pelo mundo.
Tingir com corantes vegetais é relativamente simples, mas fixar as cores exige um profundo domínio de alguns princípios químicos, físicos, matemáticos e botânicos. Procurar e coletar ervas, retirar líquens de rochas, cercas e árvores, reciclar resíduos do beneficiamento de madeiras são atividades lúdicas ligadas a um processo criativo, que envolve crianças, jovens e adultos. 
Ver surgir a cor através de extração do corante é um acontecimento surpreendente e mágico, em especial para as crianças, que aprendem ciências naturais ao coletarem e classificarem plantas tintórias; ao tingir, adquirem princípios de matemática e química; ao anotar os resultados dos experimentos e redigir as receitas, desenvolvem suas aptidões com a palavra escrita (Zumbühl 1986). O mais importante, porém, é que o conjunto de todas essas vivências fornece uma base sólida sobre os valores culturais e materiais, integrando o artesão ao meio onde obtém suas matérias-primas, suas cores, e onde encontra inspiração para realizar seu trabalho.
Analisando o contexto atual da arte têxtil, podemos fazer algumas observações sobre sua evolução, no que diz respeito ao uso das cores. A introdução das anilinas (corantes sintéticos) causou grandes transformações na produção artesanal, criando inclusive um comércio próprio e introduzindo um tipo de atividade econômica até então desconhecida.
Como sabemos, o comércio destes corantes e as leis de oferta e procura romperam com princípios básicos do processo artesanal. Houve uma desagregação dos valores culturais que fundamentavam a função utilitária e ritual dos artefatos. Isto implicou também numa transformação radical da relação entre o produtor, o objeto de sua produção e os laços estabelecidos entre o produto e o consumidor. A facilidade de obtenção acelerou significativamente o uso de corantes sintéticos, sem jamais alertar para a toxidez destes produtos químicos e a consequente contaminação do meio ambiente, a curto, médio e longo prazo.
Hoje, em países como Estados Unidos, Inglaterra, Japão e França, os corantes vegetais estão sendo utilizados pelas indústrias alimentícias e cosméticas devido à comprovação de que, em sua maioria os corantes sintéticos usados para esta finalidade se acumulam no organismo e são cancerígenos (Zollinger 1987).
Uma análise retrospectiva sobre a questão revela que, até a década de 60, o artesanato no Brasil evoluiu de forma espontânea sem a interferência de matérias-primas industrializadas. A tradição da transmissão oral e familiar das técnicas garantia a perpetuação de um conhecimento e a relação entre mestre e aprendiz consolidava um ciclo natural de formação de novos artesãos, assegurando a ligação da atividade artesanal com suas raízes populares.
As transformações ocorridas no campo vêm desenraizando profundamente a população rural, só restando vestígios do domínio das técnicas de tingimento com plantas em algumas comunidades rurais muito distantes, onde a dificuldade de acesso e a miséria não permitiam, e não permitem até hoje, a entrada de vendedores de anilinas. Desta forma, fica claro que o destino do tingimento com plantas é o mesmo da cor sem o mordente – está condenado a desaparecer.
Embora o uso de corantes químicos tenha se intensificado, a tinturaria natural, um conhecimento técnico ancestral dos povos das zonas rurais mais antigas do nosso continente, ainda se conserva entre as pessoas que dedicam seus esforços a trabalhar junto à terra, a criar peças tecidas a mão e tingidas com plantas. Porém, esta atividade não se restringe à área rural, uma vez que todas as plantas apresentadas neste manual são de fácil obtenção, cultiváveis, ou usadas em reflorestamento. Nas grandes cidades, por exemplo, é possível produzir corantes naturais a partir do desperdício do beneficiamento de madeiras e da poda das árvores utilizadas no paisagismo urbano.
 Além disso, no campo, pode-se introduzir em pequenas propriedades agrícolas o cultivo de plantas tintórias, para suprir as necessidades de uma região com recursos locais. 
Como observa Washington Novaes, é preciso pensar em novos padrões civilizatórios, que poupem recursos, conservem recursos, reciclem recursos (…), os problemas ambientais são fruto da pobreza e do mau uso da riqueza” (Novaes 1992).
Entre as fontes principais para extração de corantes naturais, podemos destacar:- reflorestamentos de eucaliptos, -pinus e outros; - serrarias, marcenarias e depósitos de madeiras; -  mercados e feiras livres; - sítios, chácaras, parques e beiras de estradas; - pomares, plantações e hortas; - lugares onde se vendem ervas e plantas medicinais; - hortos florestais e jardins botânicos.
 Destas fontes, o que utilizamos para tingir são:
ñ toda a árvore do eucalipto (folhas, cascas e serragem), o fruto e a casca do pinus, cascas de muitas leguminosas como o angico e a bracatinga, serragens de todas as madeiras utilizadas para móveis, assoalhos, forros e carpintaria;
ñ folhas, talos e cascas de muitas verduras, raízes e leguminosas; tempêros como urucum, cúrcuma e açafrão; folhas e cascas de galhos podados de árvores frutíferas;
ñ flores, raízes e ervas daninhas como erva-de-passarinho, picão e outras;
ñ líquens que crescem em cercas velhas, troncos de árvores mortas e rochas;
ñ muitas plantas arbustivas que encontramos na beira das estradas, como anil (índigo) e a quaresminha;
ñ galhos e folhas cortadas das árvores utilizadas na arborização das cidades, como amoreiras, pau-campeche, acer, cedros, entre outras.
Como podemos perceber, matéria-prima não falta. Mas, dentro de toda esta riqueza de opções, vamos encontrar seis diferentes famílias de corantes identificadas pelas suas cores que, ao mesmo tempo, são encontradas em várias espécies de plantas.
As técnicas de extração e tingimento variam conforme o tipo de planta e também de acordo com as diferentes culturas, pois a prática e o conhecimento ancestral determinam sua qualidade. Para se fazer um bom trabalho, é importante conhecer a composição do material que pretendemos tingir, e com isto determinar o tipo de corante e a técnica que será utilizada. Para isto, é importante considerar para que o produto se destina pois, dependendo da sua utilização, será necessário adotar procedimentos distintos no tingimento.
         O uso de corantes naturais pode ser reintroduzido em comunidades rurais como uma alternativa econômica que se integra às técnicas tradicionais de produção artesanal e que, ao mesmo tempo, melhora significatimente a qualidade dos produtos. Outro aspecto importante a ser considerado está na ausência de toxidez deste tipo de corante que, possibilita uma melhor qualidade de vida ao artesão e faz com que o produto artesanal se integre à preservação do meio ambiente. Estes aspectos, quando integrados, contribuem significativamente para agregar valor cultural e econômico ao produto artesanal.
         Concluindo, o conteúdo deste trabalho se insere dentro das propostas apresentadas nos trabalhos do Seminário Artesanato, Turismo e Meio Ambiente, realizado como parte integrante da Agenda Cultural, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, de 8 a 12 de junho de 1992 (ECO 92). São elas:
1    no âmbito das Nações Unidas, implementação para a América-Latina de um plano de desenvolvimento integral e integrado do artesanato rural e, em especial, o das comunidades indígenas, com particular atenção àquelas atividades artesanais preservadoras dos recursos naturais;
2    estudos prévios do impacto ambiental, a serem desenvolvidos também para os processos produtivos do setor artesanal;
3    erradicações das ações depredadoras do setor artesanal por meio tanto de processo educativo como dos mecanismos de controle e fiscalização;
4    ênfase aos objetivos de conservação ambiental que devem permear as ações educativas, formais e informais, dirigidas aos artesãos e às oficinas artesanais;
5    seleção de usos adequados de matéria-prima e fontes de energia como preocupação do setor artesanal, conscientizando o artesão sobre as formas auto-sustentáveis de utilização da natureza e de renovação e recuperação das áreas utilizadas;
6    difusão e intercâmbio entre especialistas e artesãos para uso e manejo adequado das matérias-primas locais, sejam elas naturais ou recicladas;
7    apoio à adoção de tecnologias apropriadas ou adaptadas, também chamadas de tecnologias em escala humana, que contribuam para a consecução dos objetivos do desenvolvimento auto-sustentável.

         O manejo correto das matérias-primas utilizadas na produção artesanal a partir de recursos naturais deve ser o objetivo do chamado desenvolvimento auto-sustentável, pois “não há reflexão moderna e consistente sobre a questão ambiental que possa deixar de lado a sobrevivência do homem, sua adaptação e convivência com a Terra” (Parente 1992). Suprir as necessidades locais sem causar danos ao meio-ambiente é uma atividade viável, que garante a sobrevivência material e simbólica do homem.


Eber Lopes Ferreira

Fonte:|http://www.etno-botanica.com/2011/11/tingimento-vegetal-por-que.html

TINGIMENTO VEGETAL - Por quê ?

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Comentário de ETNO BOTÂNICA em 10 fevereiro 2012 às 17:14

Olá Ana Paula de Bustamante Sá Guerra, estamos realizando as Oficinas de cores Naturais e Workshop's em SP, pois precisamos de uma estrutura física que nos dê condições de repassar este aprendizado não somente em conteúdo, mas como a prática.O local necessita ter água, tanques, panelas, fogão industrial entre outros, que ficaria difícil realizá-la em outro local, se não tivermos parceiros com esta infra estrutura.De qualquer forma, o formato INTENSIVO,dois fins de semana,  foi feito para atender a pessoas que residem fora de SP, em sua grande maioria. Não sabemos de outro pesquisador como Eber Lopes Ferreira, que ministra cursos a respeito.

Silvia Borges, repondendo á sua pergunta: A Etno Botânica tem tecnologia desenvolvida junto aos corantes e pigmentos naturais, capaz de fixá-los e aplicá-los em diversos tipos de superfície.Temos um trabalho de 20 anos de pesquisas incessantes sobre o assunto.

Obrigada pelo comentários e fiquem á vontade em enviar emails com perguntas! corantesnaturais@gmail.com

Leka Oliveira

    

Comentário de Ana Paula de Bustamante Sá Guerr em 10 fevereiro 2012 às 15:57

Seria interessante ter cursos , sei que Etno botanica tem, mas se não me engano é em São Paulo, gostaria de aprender,mas sou de Niterói! Vocês sabem de algo?

Obrigada

Comentário de silvia borges em 10 fevereiro 2012 às 15:33

Muito interessante.

estou entrando num concurso internacional para produzir 1 "bolsa verde". Nesse projeto só posso usar metais reciclados, fibras naturais, cortiça, e outros produtos sustentáveis.

ALGUÉM SABE COMO "FIXAR" O CORANTE NATURAL ÀS FIBRAS?

Só conheço os velhos truques de vinagre e calor intenso - - -

Comentário de Textile Industry em 10 fevereiro 2012 às 14:57

Muito bom

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